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A Receita Federal do Brasil é racista ou classista? Não sei dizer, caro leitor. Talvez ninguém saiba, pois faltam indicadores a respeito de como contribuintes não brancos e pobres são tratados por servidores da repartição.
Antes de preparar esta coluna procurei cercar-me de dados para referendar percepções que emergiram de uma experiência recente ao desembarcar no Aeroporto Internacional de Guarulhos, quando fui encaminhado para a inspeção de bagagem enquanto várias pessoas à minha frente, com perfil de classe média alta, puxavam malas pesadas e foram ignoradas pelo servidor que escolhia quais viajantes recém-desembarcados de longos voos intercontinentais deviam passar pela sala da receita.
Lembrei-me que um conhecido já idoso, de feições árabes, recentemente passou pela mesma experiência. Também veio à memória o caso da ex-BBB Gleici Damasceno, que reclamou de racismo quando foi abordada pela Receita no aeroporto. Olhei ao meu redor, e as pessoas que lá estavam poderiam entrar tranquilamente naquilo que os aporofóbicos rotulariam de visual de rodoviária — o suprassumo do preconceito de classe escancarado desde a ascensão da chamada classe C durante os anos dourados do boom de commodities propiciado pela expansão da China.
Devemos, portanto, cobrar do Ministério Público que pergunte à Receita: qual é o critério de seleção para passar por inspeção? Há algum trabalho de inteligência por trás da triagem ou os servidores escolhem os viajantes com base em seus preconceitos que refletem formas estruturais de discriminação? Como pagador de impostos, gostaria de saber.
Nos aeroportos, a Receita Federal é a Suécia inspecionando a Belíndia. Segundo levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), cerca de 57% dos auditores fiscais do órgão são homens brancos. A branquitude masculina da Receita perde apenas para a Polícia Federal. É o perfil médio daqueles que aderiram à extrema direita na última década.
Ademais causa espécie o nível de despreparo de fiscais que não sabem distinguir um produto usado saído do Brasil de um novo adquirido no exterior. A servidora que me atendeu me perguntou se um laptop usado, com seis anos de uso, todo arranhado, tinha acabado de ser adquirido novo no exterior. Talvez fosse o caso de a Receita instituir novamente a declaração de saída de produtos eletrônicos do país, que emiti na primeira vez que fui ao exterior em 2004 para registrar um gravador de fita cassete.
Antes que o leitor pense que estamos falando de algo análogo a um perrengue chique ou na linha White/Middle-Class People’s problems, vamos lembrar que hoje as viagens internacionais não são acessíveis apenas à classe média alta – em sua maioria branca. Lembre-se do ex-ministro da Economia no governo Bolsonaro, Paulo Guedes, reclamando que empregadas domésticas passaram a ir a Disney. Quiçá a Receita, com seu perfil demográfico elitista, tenha incorporado uma herança guedista — ou será gadista? — e aplique racial profiling aos viajantes, inclusive cidadãos brasileiros.
O que vi talvez ainda explique por que o Aeroporto de Guarulhos virou, segundo amplamente divulgado pela imprensa, rota do tráfico internacional. Em vez de trabalhar com inteligência, o serviço público federal age com base em estereótipos. Quando o serviço civil falha, os militares — ainda que sem a qualificação desejável — são convocados, tal como ocorreu na operação de garantia de lei e ordem criada especificamente para o aeroporto e outros pontos aduaneiros do Sudeste em novembro passado.
Como bom pagador de impostos, declarei à Receita o valor excedido nas vezes em que cheguei ao Brasil com o limite acima de compras permitido. Desta vez, não tinha sido o caso. No mundo anglo-saxão, diz-se que não pode haver impostos sem representação. No Brasil, o pagamento de impostos referente à bagagem acompanhada é fundamentado na discriminação?
Enquanto o recrutamento de servidores da Receita não é mais diversificado por razões estruturais, seria salutar que a repartição provesse treinamento para tornar seus servidores cientes de seus vieses de raça, classe e gênero. Democracia em que servidores tratam cidadãos — seus verdadeiros patrões — como se estivessem organizados em castas resume-se a um arremedo de oligarquia.