Varejo têxtil apoia ação contra isenção de impostos para sites estrangeiros

Spread the love

Ingressamos, no final de fevereiro, com petição em nome da ABVTEX (Associação Brasileira do Varejo Têxtil) pleiteando o ingresso da entidade como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta junto ao STF pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) e pela CNC (Confederação Nacional do Comércio) contra a isenção de impostos federais (notadamente o imposto de importação) para sites internacionais de e-commerce – concedida por portaria do Ministério da Fazenda de agosto de 2023.

Falaremos aqui sobre a flagrante inconstitucionalidade, com descumprimento de preceitos fundamentais da nossa Carta Magna, em apoio aos argumentos de CNC e CNI. Inicialmente, cumpre fundamentar a imensa legitimidade – não apenas jurídica, mas econômica e social – da entidade dos varejistas têxteis nacionais em ingressar como amiga da corte e fornecer subsídios ao órgão julgador.

O setor produtivo brasileiro tem sido alvo de verdadeira invasão de produtos estrangeiros proporcionada pelo quadro de absoluta falta de isonomia tributária gerado pela portaria da Fazenda que atropelou princípios sagrados de nossa Constituição.

Infelizmente, a partir de um programa bastante positivo da Receita Federal, o Remessa Conforme – que tinha o relevante objetivo de tirar da clandestinidade estes sites estrangeiros, que até então cresciam com base na fraude caracterizada pela simulação do envio das encomendas por pessoas físicas residentes no exterior a pessoas físicas no Brasil, única modalidade de remessa internacional isenta do imposto de importação –, a portaria da Fazenda produziu, ao isentar do imposto de importação os produtos de valor até US$ 50, uma imensa injustiça tributária, responsável por danos significativos às empresas e aos empregos dos brasileiros.

Dentro do setor produtivo nacional, ninguém foi mais atingido do que o segmento têxtil, especialmente o varejo. Segundo dados da CNI extraídos do ComexStat (o sistema de dados sobre negócios com o Exterior do MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), mais de 50% dos produtos trazidos ao Brasil pelas plataformas internacionais de e-commerce, valendo-se de inaudita isenção de impostos federais até o valor de US$ 50, eram mercadorias de vestuário e acessórios, têxteis, calçados e artefatos de couro – todos eles comercializados pelos varejistas associados da ABVTEX, representantes do setor de moda nacional.

Um detalhe: o sistema do MDIC classifica as importações feitas com isenção pelos sites estrangeiros como “de pequeno valor”. Ocorre que o “pequeno valor” de US$ 50 corresponde a aproximadamente a R$ 250, enquanto o tíquete médio do varejo têxtil brasileiro é de R$ 180. Mais: para obter a isenção do imposto de importação, os sites estrangeiros têm de aderir ao “Remessa”, pagando apenas 17% de imposto estadual (ICMS). Enquanto isso, o segmento têxtil (considerando indústria, distribuição e comércio) arca com uma carga de impostos de mais de 90% em sua cadeia!

Combate ao trabalho escravo e defesa do meio ambiente e consumidor

Antes de passarmos aos argumentos jurídicos, uma última pontuação, desta vez não relacionada aos aspectos nocivos à geração de empego e renda no país acarretados pela esdrúxula e inconstitucional medida da Fazenda.

O segmento de moda brasileiro tem se notabilizado pelo zelo em respeitar princípios éticos na produção e comercialização de seus produtos. A ABVTEX mantém, desde 2010, um programa voltado a implantar padrões de compliance entre fornecedores de moda e seus subcontratados, zelando pelo cumprimento de padrões como a não utilização de trabalho infantil ou análogo à escravidão, respeito à legislação trabalhista e ao meio ambiente.

Não é objeto da discussão no STF, mas vale lembrar que, dentre os progressos do Remessa Conforme na regularização das encomendas trazidas pelos sites estrangeiros, não estão incluídas a sua fiscalização, pelas agências do Poder Público, sobre a segurança dos produtos, toxicidade e danos ao meio ambiente e o cumprimento da lei trabalhista brasileira.

Ao atuar ativamente pela produção de moda com princípios éticos, respeito às leis e regulamentos brasileiros, o Programa ABVTEX promove a qualidade dos produtos, beneficiando e protegendo assim o consumidor local. Surge, então, a pergunta: porque o consumidor brasileiro compra tanto das plataformas internacionais de e-commerce?

Respostas podem ser encontradas em recente pesquisa do Instituto Locomotiva junto a mais de 2.000 consumidores de todo o país. Mesmo entre os entrevistados que afirmam comprar nestes sites, 84% dizem que, “se pudessem escolher”, prefeririam comprar de quem gera “emprego e renda” para os brasileiros. Se não o fazem, é devido à gritante (e inconstitucional, como veremos a partir de agora) assimetria tributária gerada pela medida da Fazenda em favor dos e-commerces estrangeiros em relação ao varejo e à indústria nacionais.

A tríade de princípios constitucionais fundamentais feridos pela portaria da Fazenda

A ação direta de inconstitucionalidade de CNC e CNI é construída de maneira sólida pelos colegas que representam as entidades junto ao STF. De maneira resumidíssima, são três as ofensas apontadas à Carta Política e seus princípios fundamentais perpetradas pela portaria da Fazenda.

A ADI pontua, como primeira ofensa, a violação ao princípio da isonomia, previsto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal e cuja aplicação ao direito tributário está densificada pelo artigo 150, II, também da Constituição. Isso porque o prestígio à indústria estrangeira com a concessão de isenção do imposto de importação configura tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente.

A segunda pontuação dá conta de que a tributação diferenciada concedida aos bens estrangeiros gera expressiva distorção mercadológica, alçando-os a condição privilegiada em relação aos seus pares nacionais, em prejuízo ao princípio da livre concorrência garantido pelo artigo 170, IV, da Constituição. E finalmente, a ADI destaca a evidente ofensa ao artigo 219 da Constituição, o qual pontifica que “o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País…”.

De fato, consideramos que há dois nortes que devem reger o poder do Estado em aplicar medidas de desoneração fiscal – poder este que está sujeito a limitações constitucionais que impõem a observância de um amplo espectro de valores e princípios.

Uma medida de desoneração deve sempre levar em conta sua adequação como um meio para atingimento de um fim almejado – ou seja, deve obedecer a um juízo de proporcionalidade. Mas não só. Deve também haver coerência entre a norma tributária e os critérios utilizados para a instituição de diferenciações entre os sujeitos: o juízo, aqui, é de ordem da razoabilidade. No caso da medida que beneficiou as plataformas estrangeiras de e-commerce, não há dúvida de que nenhum dos dois postulados foi atendido.

Decerto que o estabelecimento de privilégio à importação de bens não é medida necessária à ampliação de acesso ao consumo. Se o objetivo fosse permitir maior acesso às classes menos favorecidas a determinados produtos, bastaria ao governo desonerar o setor produtivo brasileiro, utilizando, por exemplo, o IPI.

Igualmente, não é proporcional, em sentido estrito, uma medida que traz consigo mais danos (à isonomia, ao mercado nacional e à livre-concorrência) que benefícios à ordem social – e constitucional – brasileira. Segundo estimativas do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), em 2023, aproximadamente 554,2 mil empregos teriam sido ser perdidos em consequência da disparidade tributária promovida pela medida da Fazenda. Além disso, mais de R$ 65 bilhões teriam deixado de ser arrecadados em impostos (o de importação, à frente) no mesmo ano.

No que diz respeito à razoabilidade, melhor sorte não assiste à interpretação das disposições cuja inconstitucionalidade se aponta, já que promovem vantagem tributária a importadores nas remessas de mercadorias ao Brasil, estabelecendo disparidade de tratamento em relação às condições de produção do mercado interno. E isso muito especialmente à luz do artigo 150, II da Constituição, segundo o qual é vedado “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente…”.

Enfim, a distorção causada pela desoneração concedida às importações objeto da ADI de CNI e CNC é uma discriminação inconstitucional que deve ser reconhecida pela Corte Suprema. Ao ingressar como amicus curiae nessa disputa, espera-se poder contribuir com argumentos jurídicos, com fatos e dados econômicos e sociais, graças à (triste) legitimidade de quem tem sido a maior vítima desta injustiça que pisoteia princípios fundamentais da nossa Carta Magna – o varejo têxtil.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *