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A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a definição do dia 2 de abril como o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, por meio da Resolução 62/139, de 18 de dezembro de 2007. A data tem o objetivo de divulgar informações sobre o autismo e sensibilizar a opinião pública sobre as dificuldades enfrentadas pelas crianças autistas.
Nessa época, o autismo era tratado como uma questão de saúde pública e estava atrelado ao chamado “modelo médico de deficiência”. Contudo, no texto da Resolução 62/139, a ONU já reconhecia o autismo como uma condição permanente e afirmava o direito das crianças autistas a uma vida digna e com o pleno exercício dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com as demais crianças.
Atualmente, os debates sobre autismo incluem questões relacionadas aos autistas adultos, afinal, as crianças crescem e, pasmem, se tornam adolescentes, adultos e até mesmo idosos autistas. Além disso, o foco das discussões deixou de ser apenas os serviços médicos e de saúde, passando a ter destaque temas sobre direitos humanos, liberdades fundamentais e participação plena e igualitária das autistas e dos autistas no mercado de trabalho e na sociedade.
Todos os anos, a ONU realiza um evento para celebrar o Dia Internacional de Conscientização sobre o Autismo, tendo sido escolhido o seguinte tema para 2024: “Da sobrevivência à prosperidade: pessoas autistas trocam ideias sobre sua região”.
A escolha do tema e dos participantes do evento indica a necessidade de protagonismo das pessoas autistas no debate das questões relacionadas ao autismo, pois “17 anos depois, já não se trata apenas de sensibilizar o público, mas de promover a aceitação e a valorização das pessoas autistas e da sua contribuição para a sociedade”.[1]
Para que os adultos autistas não apenas sobrevivam, mas também prosperem, é de extrema importância a garantia ao direito ao trabalho. É necessário registrar que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os fins legais (art. 1º, §2º, Lei 12.764/2012). Portanto, além dos direitos previstos em legislações específicas sobre o autismo, também são assegurados aos autistas os mesmos direitos garantidos às demais pessoas com deficiência.
A Lei 12.764/2012 instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista e incluiu “o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho” entre suas diretrizes (art. 2º, V), considerando o acesso ao mercado de trabalho como um direito dos autistas (art. 3º, IV, “c”).
Ademais, a pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, com o atendimento das regras de acessibilidade, o fornecimento de recursos de tecnologia assistiva e a implementação de adaptações razoáveis no trabalho, conforme descrito no art. 34 e no art. 37, ambos da Lei 13.146/2015.
Entretanto, os autistas enfrentam dificuldades em serem tratados de forma igualitária, incluídos na sociedade e no ambiente de trabalho, bem como no exercício de seus direitos. Isso ocorre porque, mesmo com diversas leis dispondo sobre os direitos dos autistas, por se tratar de uma deficiência invisível, a sociedade tende a compreender menos as dificuldades desse grupo.
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR), o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que ocasiona dificuldades significativas de comunicação e interação social e presença de comportamentos, interesses e pensamentos repetitivos, restritos e estereotipados. Essas características estão presentes desde o período precoce do desenvolvimento, permanecem durante toda a vida e, em conjunto com as barreiras impostas pela sociedade, provocam prejuízos significativos no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.[2]
O DSM-5-TR classifica o autismo em três níveis de acordo com o suporte necessário: nível 1 (precisa de suporte), nível 2 (precisa de suporte substancial) e nível 3 (precisa de suporte muito substancial). Independentemente do nível de suporte, todo autista enfrenta obstáculos cotidianos em uma sociedade que não está interessada ou preparada para lhes garantir espaços acessíveis.
Em razão dessas dificuldades e da necessidade de suporte para algumas atividades, o ambiente de trabalho pode ser adverso ao autista, precisando ser adaptado para permitir a presença do maior número de pessoas neurodivergentes, bem como diminuir e/ou eliminar as desvantagens em relação aos demais trabalhadores.
Nesse sentido, é preciso criar ações e programas buscando a efetiva inclusão dos trabalhadores autistas, bem como implementadas adaptações razoáveis que visem empregar todas as ferramentas disponíveis para ajustar práticas, materiais, ambientes, minimizar as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência e assegurar a igualdade de oportunidades, conforme prevê a Lei Brasileira de Inclusão (art. 3º, VI).
As adaptações devem ser analisadas individualmente e de acordo com as necessidades de cada pessoa. São exemplos de adaptações que podem ser feitas para minimizar as dificuldades de pessoas autistas:
flexibilidade na alteração do ambiente e de horário de trabalho;
possibilidade de trabalho híbrido ou remoto;
redução de carga horária;
utilização de linguagem direta e escrita pelos colegas de trabalho;
ajustes na disponibilização de materiais e na forma de execução de treinamentos;
utilização de tecnologias assistivas;
intervalos para recuperação sensorial.
O caput do art. 4º da Lei 13.146/2015 determina que as pessoas com deficiência têm direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerão nenhuma espécie de discriminação. O conceito de discriminação em razão da deficiência está previsto no § 1º do mesmo artigo e inclui a recusa de adaptações razoáveis como uma das formas de discriminação.
A recusa de adaptações razoáveis pode configurar o crime de discriminação em razão da deficiência, que está previsto no caput art. 88 da Lei 13.146/2015, nestes termos: “Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência”. O crime pode ser cometido por qualquer pessoa. A pena aplicável é reclusão de 1 a 3 anos e multa. Esse tipo penal se consuma com a prática da discriminação e não permite a forma culposa ou a tentativa.
Para implementar as adaptações razoáveis, inicialmente as equipes precisam ser treinadas para compreender a importância da diversidade, da inclusão e do respeito às diferenças. É importante saber que deficiência não é sinônimo de incapacidade e que promover adaptações razoáveis no ambiente de trabalho para atender as necessidades individuais e específicas do trabalhador autista é um direito e não um favor ou um ato de generosidade.
É essencial que os autistas conheçam, cobrem e usufruam dos seus direitos. E, com isso, consigam mostrar suas potencialidades e ocupem cada vez mais espaços de destaque, pois não existe inclusão quando as pessoas com deficiência são limitadas e destinadas a apenas preencheram cotas e exercerem atividades de menor complexidade.
Por fim, esperamos que o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo deixe de ser uma data para sensibilizar sobre as dificuldades enfrentadas pelas pessoas autistas e passe a ser apenas de celebração pela plena realização dos seus direitos. Afinal, não basta sobreviver, é preciso prosperar.
[1] https://www.un.org/es/observances/autism-day
[2] MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS: DSM-5-TR)/ [American Psychiatric Association]; tradução: Daniel Vieira, Marcos Viola Cardoso, Sandra Maria Mallmann da Rosa; revisão técnica: José Alexandre de Souza Crippa, Flávia de Lima Osório, José Diogo Ribeiro de Souza. 5ª edição, texto revisado – Porto Alegre: Artmed, 2023.