Empreendedorismo social sob o olhar do Global Innovation Index 2024

Spread the love

O Índice Global da Inovação (GII, em inglês) publicado anualmente pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) se propõe apresentar um ranking de inovação, considerando diferentes indicadores.

Nos artigos anteriores desta série sobre o GII 2024, procurou-se abordar a avaliação do Brasil, os diferenciais das nações mais inovadoras, os rumos da inovação global e onde estão localizados os centros de ciência e tecnologia.

Assine a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas no seu email

Para além das costumeiras avaliações anuais, a cada edição o GII se debruça sobre um tema especial. Em 2024, a OMPI escolheu o tema empreendedorismo social, que analisou organizações dedicadas a temas como pobreza, meio ambiente, racismo e outras formas de preconceito. Este último artigo da série especial analisa esta seção do GII.

Conceito, origem e relevância regional

Como pontuou o GII 2024, o empreendedorismo social e as empresas sociais são conceitos econômicos relativamente recentes, que têm atraído atenção desde os anos 2000. Tais organizações vêm recebendo atenção de pesquisadores pelos números apresentados: estima-se haver entre 10 e 11 milhões de empresas sociais em atividade e 30 milhões de empreendedores sociais no mundo atualmente. Em termos financeiros, acredita-se que o empreendedorismo social contribui com US$ 2 trilhões para o PIB global[1].

Ainda que o empreendedorismo social seja um fenômeno difundido, há grandes dificuldades em conceituar uma organização sob estes moldes. De um lado, são organizações que objetivam endereçar problemas sociais e ambientais, sem que o lucro seja o principal propósito; de outro, adotam modelos empresariais tradicionais (ou muito próximos a estes) para sua atividade.

Ou seja, são organizações híbridas, que transitam entre o terceiro setor e o mercado privado. Por isso, comumente vivem dilemas que derivam desse arranjo singular, como a escolha entre sucesso financeiro e maior impacto social; beneficiários vs. investidores; impacto positivo de longo prazo vs. sobrevivência organizacional de curto prazo. Para enfrentar tais desafios, propostas inovadoras e o estabelecimento de redes e alianças são relevantes.

Por exemplo, em 2020, o Fórum Econômico Mundial criou a Catalyst 2030, rede de colaboração formada por empresas, governos, empreendedores e universidades, que objetiva fomentar coletivamente a atuação social para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU. Conforme dados do seu site[2], atualmente a Catalyst 2030 endereça 17 ODSs e conta com 3.530 organizações e 5.258 indivíduos, em 143 países.

Para além destas redes, a OMPI identificou também que há um papel relevante no suporte a organizações sociais desempenhado pelas fundações filantrópicas, por governos (em especial Coreia do Sul e Reino Unido, que possuem marcos regulatórios legais robustos), universidades e associações profissionais, que frequentemente congregam centros de disseminação de informações e ambientes de trocas entre tais empreendedores.

Em maior ou menor medida, é consenso que existem empreendedores sociais em todo o mundo. Além disso, mesmo com dificuldade de obtenção fidedigna de dados (não existem definições jurídicas claras sobre a forma de organização destas iniciativas ou critérios mínimos de classificação), já é possível perceber discrepâncias regionais entre a prevalência deste perfil frente a empresas tradicionais.

Na avaliação do GII 2024, o Brasil está bastante bem colocado no quesito de prevalência de empreendedorismo social: ocupa a 2ª posição. Também há confirmação de que, se a China possui maiores números absolutos de empresas sociais (2 milhões), os EUA registram a maior taxa de empreendedorismo social, com 38 empresas sociais para cada 10.000 habitantes. Ambientes mais favoráveis para empreendedorismo e inovação em geral se refletem também na maior abertura para empreendedores sociais, ainda que níveis acentuados de desigualdade ou questões sociais a serem combatidas também se coloquem como combustível adicional para o surgimento deste tipo de empreendedor.

Empreendedorismo social, inovação e propriedade intelectual

Empresas sociais já atuam de forma inovadora ao trazer sua missão imiscuída na forma como operam. O GII 2024 identificou quatro rotas tradicionalmente adotadas por empresas sociais para congregar suas missões (consumidores, empregados, produtos e serviços, ecossistema) e cada uma delas leva a diferentes atividades inovadoras.

Caso a empresa social tenha como propósito impactar positivamente seus consumidores, a inovação consistirá em desenvolver formas de educar tais cidadãos e criar processos para alcançar consumidores potencialmente excluídos do consumo tradicional. São aquelas empresas que tipicamente atuam em prol de consumidores sem acesso a produtos ou serviços essenciais (como microfinanciamento) ou que se propõem apresentar soluções acessíveis para comunidades marginalizadas.

Se a empresa social se dedica a trazer benefícios para seus empregados, a inovação se dará nos modelos de capacitação e treinamento, além de processos desenvolvidos para tornar tais atividades mais efetivas ou melhorias em recrutamento e seleção. Nesse caso, podemos imaginar empresas sociais dedicadas a empregar apenas populações marginalizadas ou sem capacidades formais de trabalho. Ou ainda aquelas que preparam pessoas à margem do mercado em razão de preconceito, estigma ou baixa escolaridade para um cenário de pleno emprego.

Se o foco é trazer ao mercado produtos ou serviços que tenham impacto positivo na sociedade, as atividades de inovação são mais próximas das tradicionais e visam desenvolver atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), invenção de produtos ou serviços inovadores ou ativos de propriedade intelectual que permitam surgimento destes.

Como exemplo, teríamos empresas sociais dedicadas a apresentar produtos com menor impacto ambiental ou processos industriais sustentáveis para adoção pelas empresas tradicionais. Nessa hipótese, costumar haver intensa colaboração da empresa social com a comunidade que se beneficiará dos produtos/serviços a serem desenvolvidos.

Por fim, empresas sociais voltadas para mudanças positivas nos ecossistemas em que se inserem trazem processos inovadores justamente para o contexto em que atuam. São organizações voltadas a advogar por mudanças regulatórias, suporte a P&D ou investimento em difusão de conhecimento e educação. Para estas empresas, a inovação se dá na atuação colaborativa junto aos demais atores do ecossistema, visando mudanças benéficas a todos, sem a competição existente nos mercados tradicionais.

Embora exista reconhecimento dos diferentes processos inovadores adotados pelas empresas sociais, não se tem uma percepção concreta do uso da propriedade intelectual para impulsionar sua atividade. E aqui pode haver uma oportunidade desperdiçada: empresas sociais devem se beneficiar de atividades de P&D, de processos de inovação estruturados, da exclusividade patentária e, ainda, da maior identidade por meio de marcas registradas. Assim, mais robustez e maiores condições de financiamento e retorno podem ser esperadas.

Conclusão

Empresas e empreendedores sociais são fenômenos recentes que rapidamente estão surgindo em diversos países do mundo. Com propósito de trazer mudanças positivas para grandes desafios sociais e ambientais enfrentados pela humanidade, há imenso potencial de atuação para tais organizações. Os benefícios decorrentes do sucesso destas iniciativas são perceptíveis.

Na mesma proporção do impacto dessas iniciativas, há os desafios para fomentar o ecossistema em que tais atores estão inseridos. Dificuldades de definição das características destas organizações acarretam olhar menos customizado na criação de políticas públicas ou regulamentação adequada. É preciso desenhar modelos regulatórios específicos e, preferencialmente, harmonizados para melhor mensurar sua incidência e progresso. Há ainda necessidade de melhorar mecanismos de financiamento e ampliar redes de troca de informações.

Quanto às empresas sociais, cabe um olhar mais atento para os processos e atividades inovadoras desempenhadas, para entender como a propriedade intelectual pode ser aliada na melhor estruturação de seus negócios.

São desafios atuais para um novo cenário econômico, que não deve perder relevância nos próximos anos. A construção colaborativa de ambientes propícios para empresas sociais é desafiadora, mas promete ser recompensada pelos benefícios e progressos em médio e longo prazos.


[1] Conforme dados da Foundation for Social Entrepreneurship, do Fórum Econômico Global 2024 e do British Council and Social Enterprise do Reino Unido (2022).

[2] Acessível pelo endereço https://catalyst2030.net/

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *