Negativa de recursos trabalhistas em razão do preparo efetuado por terceiros

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Algumas turmas do Tribunal Superior do Trabalho (TST), fundamentando-se em interpretação embasada em trecho da Súmula 128, inciso I, por ele próprio editada, a qual assevera que “é ônus da parte recorrente efetuar os depósitos”, têm decidido que o recolhimento de preparo recursal (custas e/ou depósito recursal) realizado por terceiros invalida o preparo recursal, ainda que efetuado por empresa do mesmo grupo econômico, pelos advogados ou escritórios de advocacia que patrocinam e representam as partes recorrentes. O rigor do entendimento tem provocado debates e, também, grande insegurança jurídica.

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Embora compreensível o referido posicionamento quando direcionado ao preparo realizado por parte totalmente estranha à lide, a diretriz inova em prejuízo aos jurisdicionados, já que não há em nosso ordenamento jurídico qualquer dispositivo legal que impossibilite tal prática.

Pelo contrário, o princípio de instrumentalidade das formas, previsto no art. 188 do Código de Processo Civil (CPC), assevera que os atos processuais, ainda que realizados de modo diverso ao previsto pela lei, serão considerados válidos se atingirem sua finalidade – e a finalidade essencial do depósito recursal nada mais é do que a garantia da execução do processo e a segurança financeira de eventuais créditos devidos à parte contrária.

Portanto, é completamente possível entender que, recolhido corretamente o valor, apresentadas as guias em nome da parte recorrente e devidamente identificado o processo, o recolhimento, independentemente de não ter sido feito diretamente pela parte, cumpre plenamente sua finalidade.

Este rigor excessivo, aplicado para negar o conhecimento de recurso por conta de mera formalidade, atenta também contra o princípio da aparência, que objetiva a proteção à boa-fé de terceiros, contra o princípio da razoabilidade, pois ocupa-se de mera formalidade em detrimento da discussão jurídica que se pretende travar, ignorando o fato de que o valor foi corretamente destinado ao feito e, ainda, contra o princípio da vedação à decisão surpresa, visto que, de acordo com a sistemática processual vigente, é condição essencial para a validade do processo que a decisão seja fruto da participação e influência das partes, devendo estas se manifestarem antes de qualquer decisão em caráter terminativo ou definitivo.

A principal e mais grave insegurança jurídica, porém, surge da extensão do entendimento inclusive aos advogados, patronos das partes, regularmente constituídos nos autos e com amplos poderes para adotar todas as medidas necessárias para defender os interesses de seus clientes.

Sem a quebra do respeito àqueles que pensam de forma distinta, entendemos que considerar nulo o depósito realizado por advogados legalmente constituídos, representantes formais das partes, com procuração válida, não apenas carece de respaldo legal expresso e cerceia o exercício do direito ao contraditório e ampla defesa previsto na Constituição Federal, mas, também, afronta cabalmente as disposições que instituem a advocacia como múnus público.

Ao se recusar receber o recurso cujo preparo tenha sido efetuado por causídico constituído nos autos, a Justiça do Trabalho parte da premissa de má-fé (ou de mera desconfiança) não apenas em relação à parte recorrente, mas também em relação a seus advogados.

Nunca é demais relembrar que o magistrado não é o único ator na administração da justiça. A Constituição Federal e o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) enumeram, em muitos de seus dispositivos, a importância do papel do advogado enquanto representante dos interesses de seu cliente, na busca pela efetividade do processo.

Mais do que isso, a Lei 11.925/2009 reconheceu, especificamente para fins de condução do processo trabalhista, a fé-pública nas declarações e atos do advogado, sob pena de responsabilização pessoal, tendo alterado diretamente o artigo 830 da CLT para autorizar que o advogado ateste a autenticidade de documentos, por exemplo.

É, para se dizer o mínimo, contraditório entender que o advogado possa postular em nome de seu cliente e praticar todos os atos processuais e de representação, inclusive declarando autênticas cópias e documentos, mas, não possa realizar mero ato de pagamento de guia em seu favor.

Se por um lado a Justiça do Trabalho tem como princípios norteadores a celeridade e a eficácia processuais, impor restrições tão rígidas acarreta somente obstáculos desnecessários. Mesmo em outras esferas do Judiciário, como a Justiça Comum e a Justiça Criminal, é possibilitado o recolhimento de custas por terceiros, desde que o valor seja corretamente vinculado ao processo.

A repercussão e preocupação são tamanhas que a OAB de São Paulo, por meio de sua Comissão da Advocacia Trabalhista, também destacou, em nota técnica própria, o entendimento de que é errônea a interpretação da Súmula 128 conferida pelo TST, sendo urgente a necessidade de revisão e uniformização jurisprudencial diante da insegurança gerada pela falta de convergência e previsibilidade nas decisões entre diferentes turmas do TST, bem como dos TRTs, acarretando prejuízos tanto aos advogados quanto às partes que buscam recorrer de decisões desfavoráveis – sejam elas empresas ou trabalhadores.

É imprescindível que o TST proceda à revisão de seu posicionamento, não apenas visando garantir segurança jurídica, mas, também em respeito aos princípios processuais fundamentais, consolidando jurisprudência mais coerente e menos formalista.

O preparo recursal, ainda que não efetuado diretamente pela parte recorrente, não compromete a higidez do processo, pelo contrário: assegura a interposição dos recursos e o acesso à Justiça, sobretudo ao duplo grau de jurisdição, propiciando que suas análises ocorram com base no mérito da causa, sem que formalidades excessivas inviabilizem o direito de defesa e a busca por justiça.

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