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A Lei 8.429/1992 estabelece, no art. 17: “a ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei.” Assim, a ação de improbidade administrativa deve, em princípio, seguir o rito do Código de Processo Civil, exceto quando houver disposição específica em contrário na própria Lei de Improbidade.
Portanto, a oitiva do réu em juízo, a princípio, seria regida pelos artigos 385 e seguintes do Código de Processo Civil, que tratam do depoimento pessoal da parte adversária no processo. O réu, quando convocado, é obrigado a depor (art. 385), com a advertência de que a recusa ou ausência poderá resultar em confissão. Esse contexto caracteriza a oitiva do réu como um depoimento pessoal obrigatório.
No entanto, o § 18 do art. 17 da Lei de Improbidade Administrativa estabelece que: “ao réu será assegurado o direito de ser interrogado sobre os fatos de que trata a ação, e a sua recusa ou o seu silêncio não implicarão confissão.” O § 19 do mesmo artigo também prevê que: “não se aplicam na ação de improbidade administrativa: I – a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia; II – a imposição de ônus da prova ao réu, na forma dos §§ 1º e 2º do art. 373 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)”.
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Essas disposições alteram a natureza jurídica da oitiva do réu em ações de improbidade administrativa, conferindo ao réu o direito de ser ouvido sem a obrigação de prestar depoimento ou falar a verdade, preservando-se o seu direito ao silêncio.
A ação de improbidade administrativa protege a probidade administrativa, um bem jurídico de natureza indisponível e de interesse social, cuja violação pode resultar em sanções, algumas das quais afetam direitos fundamentais do réu, como seus direitos políticos. Esse contexto exige que o Estado busque meios processuais para alcançar a verdade dos fatos, visto que não é admitido na ação de improbidade administrativa a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia, nem a transferência ao réu do ônus da prova nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 373 do Código de Processo Civil.
Dessa forma, a oitiva do réu em juízo assume a natureza de interrogatório, sendo um ato de defesa que resguarda os direitos e garantias fundamentais do acusado, como o contraditório pleno e a ampla defesa. Assim, o réu possui o direito ao silêncio, enquanto o Estado deve empreender os esforços necessários para buscar a verdade dos fatos.
Tradicionalmente, o princípio do contraditório se baseia em dois direitos: o direito à informação e o direito à reação. O direito à informação assegura que as partes tenham ciência das ações processuais da parte contrária, permitindo a avaliação das estratégias de defesa. O direito à reação possibilita que as partes se manifestem processualmente para contestar as alegações adversárias, com plena participação em audiências e atos processuais[1].
Atualmente, o princípio do contraditório abrange uma dimensão mais ampla, fundada na democracia deliberativa, que adiciona o direito de influência e o dever de colaboração. Nessa perspectiva, as partes não são apenas destinatárias das normas, mas também agentes que contribuem para as decisões políticas e jurídicas, com legitimidade para discutir as decisões a serem tomadas.
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A dimensão material do contraditório, ligada ao princípio democrático, confere às partes o poder de influenciar a decisão final, tornando a ampla defesa o aspecto substancial desse princípio[2]. Esse entendimento fundamenta-se na teoria do discurso[3], segundo a qual a legitimidade de um ordenamento jurídico decorre da participação ativa dos cidadãos na criação e no controle das normas que os vinculam[4].
Esse entendimento ampliado do contraditório se aplica à ação de improbidade administrativa, na qual o réu exerce plenamente o direito de defesa, podendo ser interrogado em juízo como forma de exercer seu direito de reação e influenciar a decisão final. A oitiva do réu, portanto, deixa de ser um mero depoimento pessoal obrigatório e passa a ser um direito de participação, em consonância com o princípio do contraditório e da ampla defesa, assegurando ao réu a possibilidade de uma defesa robusta e integral.
[1] Cabral, A. do P. (2010) – Nulidades no processo moderno. Contraditório, Proteção da Confiança e Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 104.
[2] Didier Jr., F. (2015) Curso de Direito Processual Civil. 17 ed. Salvador: Juspodivm, v. 1, p. 86.
[3] Teoria advinda da democracia deliberativa, que se sustenta na ideia de que a legitimidade advém do discurso. Em uma sociedade democrática, os cidadãos atuam como atores, não apenas como destinatários das normas. Desse modo, são os cidadãos que devem decidir sobre o direito, sendo, por conseguinte, controlável o procedimento. É necessária a participação dos cidadãos na formação do direito.
[4] Cabral, A. do P. (2010) – Nulidades no processo moderno. Contraditório, Proteção da Confiança e Validade Prima Facie dos Atos Processuais. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 109.