Permanência de big techs em alto risco é a principal batalha em PL que regula IA

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O último relatório do senador Eduardo Gomes (PL-TO) para o Projeto de Lei 2338/2023 (Marco Legal da Inteligência Artificial) será palco da principal batalha política com empresas de provedores de aplicações de internet desde o sepultamento do PL 2630/2020 (PL das Fake News) na Câmara dos Deputados. A disputa, que mais uma vez opõe o governo federal às big techs, envolve a classificação como “alto risco” dos sistemas de IA que fundamentam o modelo de negócios dessas companhias.

As empresas de tecnologia pressionam há meses pela retirada do inciso XIII do artigo 14 do relatório de Gomes. O texto em questão diz que os deveres e obrigações dos sistemas de alto risco terão de ser cumpridos por aqueles que usam IA para fazer a “curadoria, difusão, recomendação e distribuição, em grande escala e significativamente automatizada, de conteúdo por provedores de aplicação de internet, com objetivo de maximização do tempo de uso e engajamento das pessoas ou grupos afetados”.

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A última versão deste inciso salienta que o alto risco se aplica quando “o funcionamento desses sistemas puder representar riscos relevantes à liberdade de expressão e acesso à informação e aos demais direitos fundamentais”. O uso do termo “liberdade de expressão” neste trecho — e em outras passagens do relatório — foi pensado por Gomes para atrair votos de senadores da oposição ao projeto. O governo considerou a estratégia satisfatória.

A relevância do inciso para as empresas deixou em segundo plano a discordância que elas nutrem com relação aos “direitos de autor e conexos” na criação de um marco regulatório para a IA. Chegou-se ao entendimento no Palácio do Planalto de que as matrizes dessas companhias serão essencialmente contra discussões sobre direitos autorais e que, portanto, não faria sentido empilhar concessões em outras áreas. Foi assim que o inciso XIII tornou-se um ponto inegociável para o governo federal.

Na semana passada, uma reunião entre Gomes e representantes de big techs foi classificada como “trágica” pelos participantes. Desde então, o senador tem dito a diversas pessoas que se reuniu, neste último ano, com dezenas de diretores e gerentes dessas empresas, mas que nunca conheceu nenhum presidente ou vice-presidente, em uma referência às constantes e variadas críticas que escuta das companhias.

Nesta quinta-feira (28/11), ao discursar antes da leitura do relatório na Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA), Gomes mandou recados aos opositores do relatório. Sem nomeá-los, disse que “as críticas recebidas, mesmo as mais duras e até as injustas, foram todas processadas e consideradas”. Afirmou, ainda, que o consenso alcançado não deveria representar unanimidade e que o “processo democrático e inclusivo fortalece a legitimidade do texto que apresentamos hoje”.

Para o governo, o momento não poderia ser mais favorável para esta queda de braço. Na quarta-feira (27/11), o Planalto obteve sua primeira vitória contra as plataformas digitais desde o início do governo Lula, ao liderar a articulação que aprovou o PL 2628/2022. O texto, relatado por Flávio Arns (PSB-PR) e que era terminativo na Comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado, institui novas proteções para crianças e adolescentes no ambiente digital. Ao tomar conhecimento de queixas da ANPD sobre um dispositivo que alteraria a LGPD, o que poderia deixar a votação para o ano que vem, o governo pactuou a retirada do artigo com a Autoridade e conseguiu pautar a deliberação em dois turnos no colegiado. Não houve nenhum voto contrário.

Além disso, as plataformas digitais estão emparedadas pelo STF com o julgamento da inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. A tendência é de que, mesmo com um eventual pedido de vista, parte dos ministros do Supremo antecipe os votos para formar maioria e dar nova interpretação ao texto.

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A importância de uma vitória sobre as big techs para o governo ficou evidente nas reuniões que fecharam o apoio de diferentes ministérios ao relatório. O inciso XIII e a presença da seção em favor dos direitos autorais foi um consenso entre as pastas, que, por vezes, atuam como vários governos em um só. Cabe, aqui, o destaque para a ascensão de um novo player no campo digital: o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, arbitrou diferenças entre os ministérios em prol de uma posição única do governo sobre o parecer de Gomes.

Durigan, que antes trabalhava como diretor de políticas públicas do WhatsApp no Brasil, mostrou-se um aliado dos setores que defendiam temas sensíveis às big techs e garantiu, além das pautas já citadas, a citação à “integridade da informação” no relatório final.

O peso que Durigan teve nas negociações é relevante porque a Fazenda capitaneará no Legislativo, em 2025, outras discussões que envolverão as plataformas digitais, como a tributação das big techs, a regulação concorrencial de mercados digitais, a tributação mínima de multinacionais e a elaboração de uma política nacional de data centers.

Há a expectativa de que o Senado não crie problemas para os direitos autorais no PL 2338/2023, afinal, o texto ainda passará por alterações na Câmara. Fato é que, se o governo conseguir garantir a preservação do inciso XIII nas votações do relatório na CTIA e no plenário, será um forte indício de que os ventos poderão mudar na correlação de forças que as big techs estabeleceram no Congresso até então. A CTIA deve deliberar sobre o texto na terça-feira (3/12).

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