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Os comentários de Elon Musk sobre a atuação do Judiciário no Brasil movimentaram a pauta de regulação de plataformas nesta semana, adicionando mais um capítulo ao círculo vicioso do debate, que se estende desde 2020.
Apesar de ser um dos itens prioritários na agenda legislativa, a regulação de plataformas sempre foi permeada por uma sequência de debates acirrados, seguidos por períodos de silêncio, mantendo o Brasil em um impasse regulatório. Esse vácuo legislativo vem sendo apontado como um problema crescente. Nos últimos anos, o ministro Alexandre de Moraes tem sido uma voz ativa, pressionando por uma regulação robusta antes e após as eleições gerais de 2022, em uma tentativa de conter a disseminação de conteúdos ilegais e de discursos de ódio, sobretudo quando os ministros e as cortes passaram a ser os principais alvos dos ataques.
Na falta de uma legislação abrangente, tem-se observado um aumento nas decisões judiciais que expandem e tensionam jurisprudências existentes, como a flexibilização da necessidade de URLs específicas para a remoção de conteúdos considerados “idênticos” em contextos eleitorais.
Embora vise agilizar o combate à desinformação e ao abuso nas plataformas, esse movimento do Judiciário reforçou a percepção sobre o caráter precário da intervenção judicial na esfera pública tendo por base fundamental a reinterpretação de leis já existentes. Ou seja, a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) destaca, por meio de decisões e de declarações de alguns de seus ministros, a necessidade de reformas legislativas no âmbito das plataformas digitais.
Governança de conteúdo e plataformas digitais
Não é coincidência que a nova crise sobre regulação de plataformas no Brasil tenha começado no X (antigo Twitter). Desde que Elon Musk comprou a plataforma, ele vem introduzindo novas práticas de gestão.
Uma das primeiras decisões de Musk foi demitir grande parte dos trabalhadores da empresa, inclusive de segurança e confiança (safety & trust). A plataforma também vem adotando práticas sobre governança de conteúdo que contrastam drasticamente (e propositalmente) com os padrões da indústria de mídias sociais.
A cereja do bolo é o fato de Elon Musk, enquanto dono do X, utilizar a plataforma para vocalizar posicionamentos ideológicos e, por vezes, atacar lideranças políticas, além de processar organizações sem fins lucrativos, como aconteceu com o Center for Countering Digital Hate, no Reino Unido. Esse cenário todo serve como um lembrete pungente da necessidade de uma regulação específica para essa indústria, que equilibre a liberdade de expressão e a responsabilidade das plataformas.
Nesta semana, após os ataques de Musk, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), decidiu criar um grupo de trabalho para debater a regulação de plataformas. Segundo ele, o GT deve ter duração de 30 a 45 dias e resultar em um texto que possa ser levado à votação no plenário. O movimento, entretanto, pode fazer com que o PL 2630/2020, relatado por Orlando Silva (PC do B-SP), seja engavetado. Neste contexto, emergem duas leituras possíveis.
Por um lado, o Congresso parece estar em busca de uma solução que preserve a harmonia entre os Poderes e os interesses de diferentes atores da sociedade, reconhecendo a pressão do Judiciário por uma regulação efetiva. Por outro, essa manobra pode ser interpretada como uma tentativa de prolongar a ausência de uma regulação concreta, aumentando a pressão sobre o STF e prolongando o impasse regulatório.
Embora o PL 2630, conforme apresentado pelo deputado Orlando Silva, represente a proposta mais concreta de regulação até o momento – e na nossa visão a melhor solução –, alguns pontos ainda careciam de ajustes, especialmente nos aspectos relacionados à autoridade reguladora e à imunidade parlamentar.
Apesar disso, seu texto acumulou uma vasta gama de discussões e contribuições de especialistas e da sociedade civil, avançando em aspectos como transparência, prestação de contas e garantias procedimentais para o usuário. Trata-se, portanto, de um ponto de partida sólido para a elaboração de uma legislação mais abrangente e politicamente viável.
A disputa em torno da regulação das plataformas digitais no Brasil retrata a complexidade do equilíbrio entre liberdade de expressão, responsabilidade das plataformas e os esforços para conter discursos prejudiciais online – e como tudo isso desenha uma complexa arena de disputa política.
À medida que o debate avança, torna-se cada vez mais evidente que uma solução Legislativa é necessária, não apenas para resolver disputas atuais, mas também para estabelecer um marco regulatório que assegure a proteção dos direitos fundamentais em um cenário em que a esfera pública é cada vez mais influenciada por redes sociais e serviços privados na internet.
Ainda assim, se há urgência para regular as plataformas, melhor seria partir de uma proposta que já foi alvo de longas deliberações e contribuições de toda a sociedade, em grande espectro ideológico. A noção de que um grupo de trabalho possa gerar um novo texto preocupa e introduz um novo grau de incerteza para o futuro da regulação de plataformas no nosso país.