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Há um debate acentuado nos dias atuais, e no Brasil em especial, que considera as redes sociais e a liberdade de expressão. Muito mobiliza diferentes atores: autoridades políticas, lideranças do setor de mídia, o Supremo Tribunal Federal, e toma conta dos debates nessas altas esferas, mas também está presente nas discussões do cidadão, nas ruas, no ambiente mais amplo da sociedade.
O que reafirma não apenas que as redes sociais têm muita relevância como plataformas de interação de disseminação de informações, mas também demonstra que discussões jurídicas estão “em alta” junto ao brasileiro.
Em síntese, o debate atual é o seguinte: o direito constitucional à liberdade de expressão pode ser limitado sem que, com isso, se estabeleça censura? A resposta é sim.
A construção dos direitos humanos se deu após a Segunda Guerra Mundial, ocasião em que se verificou que a sobrevivência da humanidade dependeria essencialmente da colaboração de todos os povos e da reorganização das relações internacionais com base no respeito à dignidade humana.
Vislumbrou-se, nesse período, que, sem respeito aos direitos humanos, a coexistência humana seria impossível. E a questão dos direitos do homem, pela primeira vez na história, passou a ser problema de toda a humanidade.
Para Eric Hobsbawn, essa fase do desenvolvimento global trouxe ao homem o senso da catástrofe, do desespero e do medo e fez com que houvesse uma busca pelo Estado Democrático de Direito, pela regulamentação dos direitos do homem e pela democracia[1]. Iniciou-se o que Norberto Bobbio denominou a “era dos direitos”.
Então, a partir desse movimento iniciado com a Declaração do Direitos do Homem e do Cidadão de 1945, é que a nossa Constituição Federal passou a estabelecer direitos fundamentais e valores que devem ser aplicados de forma imediata e mais ampla possível. Entre eles, há o direito à liberdade de expressão.
Ocorre que há situações em que os direitos humanos e fundamentais passam a colidir entre si. Então, como eles devem coexistir, é importante que, diante do caso concreto seja realizado o sopesamento de valores, para que nenhum princípio seja invalidado. É o que ensina Robert Alexy[2]. Para ele, os direitos fundamentais têm irradiação para todos os campos do Direito e diante da colisão de princípios, a solução deve se dar pelo princípio da ponderação, ressaltando-se que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado, aplicando-se os princípios em colisão dentro da lógica de valores estabelecida constitucionalmente.
Afinal, a coexistência de tais valores ficou bem clara no preâmbulo de nossa Carta Constitucional, que assim estabeleceu:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional.”
Então, voltando à declaração do ministro Alexandre de Moraes, diante do rol de direitos e valores constitucionais, não há violação ao direito à liberdade de expressão a imposição de penalidade àqueles de propagam discursos de ódio, agem de forma contrária ao Estado Democrático de Direito e se utilizam do direito de se expressar para agredir pessoas e grupos.
De modo que a liberdade de expressão não é cheque em branco. Não se trata de salvo-conduto para que sejam violados outros direitos de mesmo status constitucional e de igual importância ao nosso ordenamento jurídico. A coexistência e harmonização dos valores é a principal chave para a aplicação dos direitos humanos fundamentais.
Por essa razão, não há censura ao se considerar que o direito à liberdade de expressão não é ilimitado e não cabe o uso de tal liberdade para violação a preceitos de mesma estatura e importância constitucional, ou seja, a dignidade da pessoa humana, a paz e a igualdade.
É que a plenitude do direito à liberdade de expressão nos obriga a situá-lo entre os demais direitos constitucionais, assegurando que tal liberdade seja exercida sem violação aos valores fundantes do nosso Estado Democrático de Direito.
[1] HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos – o breve século XX: 1914-1991. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 98 e 113/114.
[2] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 337.