O desafio regulatório do hidrogênio sustentável no Brasil

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O Brasil, com sua vasta capacidade de geração de energia renovável, desponta como um dos países de maior potencial para a produção de hidrogênio sustentável, tanto para uso doméstico quanto para exportação. Contudo, o desenvolvimento regulatório e de políticas efetivas para a área contrasta com as expectativas. A normatização específica para geração, classificação, regras de transporte e outros aspectos cruciais ainda está em fase de discussão e elaboração.

Infelizmente, no Brasil, a regulação, em contrassenso ao potencial, não acompanha o desenvolvimento do hidrogênio. Embora o Plano Nacional de Energia 2050 o tenha alçado ao patamar de relevante tecnologia para a descarbonização da matriz energética e ele tenha sido incluído, em 2021, como elemento prioritário pelo Conselho Nacional de Política Energética, ainda não existe regramento específico que garanta a segurança jurídica necessária para investimentos significativos no setor.

Comparativamente, a Europa, da mesma forma que o Brasil, compreendeu a importância do hidrogênio como fonte energética, principalmente por questões geopolíticas, e caminha para concretizar e viabilizar seu avanço. Ao compreenderem o potencial da tecnologia, a União Europeia criou estratégias e planos que já estão sendo colocados em prática a fim de permitir aportes importantes com segurança.

Nesse contexto, foram traçadas diretrizes e prometidas aplicações de recurso vultuosos para seu desenvolvimento, como podemos verificar na Estratégia do Hidrogênio (2020) e na criação do Plano RepowerEU, que, apesar de não ser somente voltado para a produção de hidrogênio sustentável, tem nele um de seus principais alicerces. Em 2023, seguindo o plano de se tornar um importante produtor e consumidor, a Comissão Europeia editou dois importantes normativos buscando complementar e operacionalizar a estratégia do bloco, concedendo maior segurança aos investidores.

Os referidos normativos cuidam de prever as condições necessárias para que o hidrogênio possa ser classificado como renovável, regras para sua produção, estabelecendo critérios técnicos para o processo, além de estabelecer metodologias de cálculo de emissão de gases estufa durante toda a cadeia produtiva.

Por sua vez, os Estados Unidos possuem uma clara política de incentivo e fomento à produção do hidrogênio. Através do Inflation Reduction Act (IRA) e do Infrastructure Investments and Jobs Act (IIJA), os norte-americanos investem na construção de hubs e no desenvolvimento da tecnologia.

Frente ao exposto acima e ao avanço de vários outros grupos e nações na produção e regulamentação, como Austrália e Chile, sendo reconhecidos como grandes potências produtoras, a vantagem brasileira vem sendo rapidamente suplantada.

No Congresso Nacional, tramitam projetos de lei, destacando-se os PL 725/2022, PL 1878/2022 e PL 2308/2023, que visam, cada um à sua forma, estabelecer uma base mínima de segurança para o avanço no setor. Dentre os principais pontos dos projetos, destacamos a definição de hidrogênio verde e de hidrogênio sustentável, assim como aspectos regulatórios.

Além do já exposto, apesar de indicar a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) como a principal agência responsável por regular, autorizar e fiscalizar a produção, importação, exportação, armazenagem e estocagem, há em um dos projetos a criação de competências também para a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico). Isso ocorre devido ao papel interdisciplinar desempenhado pelo hidrogênio, que abrange questões relacionadas à geração de energia, consumo e disponibilidade de água e outros insumos, bem como ao transporte.

A ausência de uma legislação específica levou alguns entes da federação a tomarem a iniciativa de regular a produção do hidrogênio sustentável, adaptando legislações e estruturas já existentes de outros setores, como o do gás natural.

Um exemplo de estado que saiu na frente quanto aos aspectos regulatórios e de viabilização de investimento é o Ceará, que, ao perceber o potencial econômico e energético, agiu rapidamente para atraí-los e garantir segurança jurídica para esses novos empreendimentos.

No entanto, é crucial ressaltar que normas federais e a determinação da agência reguladora responsável são pontos indispensáveis e que devem ser tratados com urgência, principalmente pelo Ceará não ser o único estado que busca de forma autônoma viabilizar a produção e inovação.

A demora para edição de normas gerais para guiar os entes federativos pode resultar em um futuro emaranhado de legislações estaduais, municipais, federais e de normativos de agências reguladoras que podem entrar em conflito e aumentar ainda mais a insegurança do setor.

Não obstante, a infraestrutura existente não é necessariamente adequada ao desempenho da atividade. O transporte e a distribuição, apesar de similares ao gás natural, possuem especificidades químicas e logísticas diferentes. Portanto, o investimento, tanto público quanto privado, bem como a padronização das certificações alinhada à conceitos internacionais, a normatização da infraestrutura, compreendendo fatores ambientais, de geração, distribuição, transporte, captação e uso da água e demais itens da cadeia produtiva, são imprescindíveis para o avanço do Brasil no campo do hidrogênio sustentável.

Desta forma, o trabalho para preencher as lacunas regulatórias exige uma abordagem complexa que contemple, dentre diversas matérias, a competência dos entes federativos, das agências, a conformidade com leis ambientais e normas técnicas além de criar a infraestrutura e conceder incentivos aos investidores. Este é um tema em constante evolução e torna-se imperioso acompanhar as tendências para que possamos contar com uma regulação eficiente do hidrogênio sustentável no Brasil.

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