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Estudos, entrevistas e relatos levados aos órgãos de controle reforçam um diagnóstico que ainda permeia o serviço público, em diferentes níveis: vítimas de assédio sexual ou moral sofrem com a falta de locais adequados de acolhimento; enfrentam dificuldades para denunciar com segurança; e, muitas vezes, ficam com a sensação de impunidade. Isso sem contar a necessidade de treinamento de gestores para lidar com o tema.
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Esse quadro é reconhecido, publicamente, por servidores envolvidos diretamente com políticas públicas de enfrentamento ao assédio e por estudiosos que mergulham fundo no assunto. E deve nortear o Plano de Enfrentamento ao Assédio e à Discriminação na Administração Pública Federal, cujo lançamento está atrasado por causa das divergências dentro do próprio governo a respeito de seu conteúdo.
A proposta tem 3 grandes pilares: prevenção, acolhimento e governança.
O combate ao assédio e à discriminação ganhou peso institucional desde o início do governo. Em julho de 2023, um grupo de trabalho, com a participação de 9 ministérios, foi criado para definir os principais aspectos de um plano de combate ao assédio nos órgãos da administração federal. Em fevereiro, o GT encerrou os trabalhos. No GT, os debates revelaram o que seria considerado prioritário para enfrentar o assédio e a discriminação.
Entre outros pontos, foi proposta a criação de uma rede federal de prevenção e combate ao assédio, em Brasília e nos órgãos federais nos estados, como as universidades, como explicou, na semana passada, a secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres do Ministério da Mulher, Denise Motta Dau, durante o 1º Congresso Internacional de Enfrentamento ao Assédio e à Discriminação no Serviço Público, promovido pelo Sinditamaraty.
“O plano proposto prevê a criação de uma rede federal de prevenção, de canais de acolhimento, de fortalecimento das ouvidorias e de governança, formada por um comitê gestor que vai acompanhar, dentro de cada órgão, de cada esfera do governo federal, a implementação desses comitês. Então, a partir do decreto, todos os órgãos terão que formar seus próprios comitês. Propomos ainda que sejam criados comitês estaduais de acompanhamento”, afirmou Denise Motta Dau.
Ainda de acordo com a secretária, o plano prevê “o acolhimento sensível e humanizado, sigiloso, e com pessoas qualificadas, que representem a diversidade expressa na administração pública federal”.
Porém, a rede federal deve ter uma estruturação mais genérica, se comparada à proposta alinhada no grupo de trabalho, de acordo com autoridades ouvidas pelo JOTA. O governo também analisa aspectos jurídicos e políticos que podem limitar o alcance dessa rede de prevenção.
Maria Rita Pinheiro, assessora da Secretária de Relações do Trabalho do Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) e integrante do GT, reconhece que há grande ansiedade pelo lançamento do plano. E ressalta que, mais importante que tratar da punição de quem assedia, é prevenir a violência.
“A punição é necessária, mas ela só acontece se você tiver falhado no começo. A prevenção pressupõe sensibilizar os gestores, com capacitação e formação dos servidores, a começar pelo momento em que ele entra no serviço público”, afirmou Maria Rita, no evento do Sinditamaraty, onde também salientou o medo que as vítimas têm hoje para denunciar a prática de abusos.
“A gente percebeu no percurso que muita gente não denuncia por medo, por insegurança, por não confiar nos canais, por acreditar que os canais não são adequados o suficiente… Então é determinante que a pessoa se sinta acolhida. Ela não pode ser revitimizada.”
Entre outros temas, o Executivo discute – e deve incorporar ao texto – medidas cautelares para proteger a vítima de assédio. Outro assunto complexo e polêmico que está sob análise trata de como coibir o uso abusivo das denúncias e como lidar com as falsas acusações.
Saia-justa no governo
Embora o assédio e a discriminação no lugar de trabalho sejam temas antigos, a decisão de enfrentá-los expõe uma série de dificuldades administrativas e legais que apareceram ao longo dos últimos meses. No Executivo, o governo chegou a realizar um levantamento, inspirado em iniciativa semelhante feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujo objetivo seria identificar os pontos mais importantes para o Plano de Enfrentamento ao Assédio.
A ideia era conhecer a percepção de servidores e colaboradores acerca dos principais problemas relacionados ao assédio e à discriminação no serviço público. Porém, esse processo, que começou em setembro de 2023, mas não teve seu resultado validado pelo governo, embora as informações dessa iniciativa tenham sido discutidos nos bastidores do GT e indicado, por exemplo, o medo dos servidores em denunciar casos de assédio moral e sexual.
O Ministério da Gestão e da Inovação afirma que não se trata de uma pesquisa, e sim, de uma enquete “cujo resultado poderia gerar sinalização, por vezes, equivocada”. Por isso, sustenta o MGI, o trabalho foi descartado. “A enquete não foi adequadamente qualificada, e a divulgação do seu resultado traria distorções críticas, direcionando o olhar dos membros do GTI para uma realidade empírica de uma amostra não representativa”, afirmou o MGI, ao negar pedido do JOTA, feito por meio da Lei de Acesso à Informação, sobre os dados do levantamento.
Na resposta, o MGI sustenta ainda que, com o descarte da enquete, “adotou-se como metodologia de trabalho a realização de reuniões e oficinas, com participação de especialistas de diversos órgãos públicos; abertura de espaço de escuta com diferentes atores, em painéis específicos, oportunidade em que se fez coleta das melhores práticas de prevenção dentro do contexto organizacional”.
Sem prioridade no Congresso
Já no Congresso, o combate ao assédio e à discriminação no local de trabalho se apresenta por meio da proposta de ratificação da convenção 190 da Organização Mundial do Trabalho. Essa convenção amplia os conceitos relacionados à violência e ao assédio e aponta o papel dos empregadores na prevenção dessa prática, além de definir “medidas práticas para lidar com casos de violação”.
A convenção foi aprovada na OIT em 2019 e já foi subscrita por 39 países. Em março de 2023, o presidente Lula encaminhou ao Congresso mensagem para que o Brasil também ratificasse esse instrumento, considerado prioritário pelo movimento sindical, que tem no combate ao assédio um dos pilares de sua atuação.
Na avaliação do Executivo, a ratificação da Convenção 190 atuaria de forma complementar ao Plano de Combate ao Assédio e à Discriminação. Servidores ligados ao desenvolvimento do plano explicam que o decreto que trata de prevenção, acolhimento e governança, conjugado à ratificação da Convenção 190, amplia o debate sobre o tema e fortalece a cultura de combate ao assédio.
Porém, a tramitação dessa matéria praticamente não avançou na Câmara dos Deputados. Na verdade, empacou na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.
Há um ano, a deputada Fernanda Melchiona (PSol-RS) foi designada relatora da proposta. Em setembro, a mensagem presidencial foi retirada de pauta. Em março deste ano, a relatora saiu da comissão. Atualmente, a ratificação da convenção 190 está sob a relatoria do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), sem perspectiva de avanço.