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No último dia 24 de abril, o Parlamento Europeu aprovou a Diretiva europeia sobre o dever de diligência em sustentabilidade corporativa (CSDDD, na sigla em inglês). Após intensas discussões, a aprovação foi controversa, conforme evidenciado por uma taxa de rejeição de quase 40%. A aprovação final do Conselho ocorreu em 25 de maio de 2024, e os países membros terão dois anos para incorporá-la à legislação nacional.
Essa legislação exige que as empresas de grande porte que fazem negócios na União Europeia (UE) realizem um amplo exercício de due diligence sobre os impactos ambientais e de direitos humanos de suas operações em toda a sua cadeia de atividades, dentro e fora do território europeu. Inspirada em lei similar da Alemanha (LkSG), a CSDDD estabelece uma nova referência para responsabilidade social e ambiental corporativa.
O impacto dessa lei será de longo alcance, afetando não apenas as empresas dentro e fora da UE diretamente obrigadas a cumprir a lei, mas também subsidiárias de empresas europeias e seus parceiros comerciais em todo o mundo, incluindo contratados e subcontratados.
A grande novidade da CSDDD é que a regra afeta diretamente empresas estrangeiras que fazem negócios na UE, a depender de sua receita. A aplicação da Diretiva é faseada, havendo um período de transição de 5 anos, após o qual seu escopo se estabelece no seguinte:
Para empresas da UE, a Diretiva se aplica àquelas que atendem a dois critérios: (1) média de mais de 1.000 funcionários e (2) um faturamento líquido mundial superior a €450 milhões em cada um dos dois últimos exercícios financeiros.
Para empresas estrangeiras, por exemplo, brasileiras, a Diretiva se aplica a empresas brasileiras se o faturamento líquido gerado na UE exceder €450 milhões em cada um dos dois anos financeiros anteriores ao último ano financeiro.
As empresas controladoras que não atendem aos limites mencionados acima estarão sujeitas ao escopo da Diretiva caso o grupo econômico atinja esses limites de forma consolidada. Nesse caso, a empresa controladora poderá cumprir as obrigações da Diretiva em nome das subsidiárias que também atingem os limites de forma individualizada.
As empresas que usam modelos de franquia ou licenciamento que se baseiam em identidade e métodos comerciais comuns também estão cobertas se o faturamento líquido derivado de royalties for superior a €22,5 milhões e, cumulativamente, se tiverem gerado um faturamento líquido de mais de €80 milhões em todo o mundo (quando se tratar de empresas da UE) ou na UE (quando se tratar de empresas estabelecidas fora da UE).
Embora as pequenas e médias empresas não estejam diretamente incluídas no escopo, elas podem ser afetadas indiretamente caso façam parte da cadeia de valor de empresas dentro do escopo.
O que se espera das empresas?
A Diretiva descreve as etapas essenciais para que as empresas incorporem o dever de devida diligência em seus planos operacionais e estratégicos. Isso inclui identificação, definição de prioridades, prevenção e mitigação de impactos adversos sobre os direitos humanos e o meio ambiente associados às suas próprias operações, bem como às de suas subsidiárias e de seus parceiros comerciais.
De particular relevância, a cadeia de atividades inclui as atividades dos parceiros comerciais à montante (upstream) de uma empresa (fornecedores), bem como aqueles envolvidos à jusante (downstream) na distribuição, transporte e armazenamento de produtos para ou em nome da empresa.
O due diligence deve conter as seguintes ações:
Integrar o due diligence às políticas da empresa: ter uma política interna que garanta uma estruturação de due diligence baseado em riscos que seja devidamente integrado a todas as políticas e sistemas de gerenciamento de riscos relevantes.
Identificação e avaliação de impactos adversos reais e potenciais: garantir que sejam adotadas medidas para identificar e avaliar impactos adversos reais e potenciais decorrentes de suas próprias operações, subsidiárias e parceiros comerciais.
Prevenção e mitigação de possíveis impactos adversos: prevenir e mitigar possíveis impactos adversos. A prevenção poderá incluir planos de ação (inclusive em colaboração com iniciativas multisetoriais), buscar garantias contratuais de parceiros comerciais diretos, fornecer suporte a parceiros comerciais (e.g., tecnologia, capacitação e apoio financeiro) e, como último recurso, abster-se de estabelecer ou expandir as relações existentes com parceiros comerciais de alto risco.
Solucionar, minimizar e remediar impactos adversos reais: isso é exigido independentemente de o impacto ser causado apenas pela empresa, subsidiária ou parceiros comerciais, isoladamente ou em conjunto, por meio de atos ou omissões. Quando o impacto adverso é atribuído exclusivamente a um parceiro comercial, a empresa pode considerar a possibilidade de oferecer remediação voluntária ou usar sua influência econômica para garantir que o parceiro comercial adote medidas corretivas adequadas.
Engajamento com as partes interessadas: envolver-se ativamente com as partes interessadas em todos os estágios do processo de devida diligência, especialmente para coletar as informações necessárias para identificar impactos adversos e para desenvolver planos de prevenção e de ação corretiva.
Procedimentos de reclamação: estabelecer um mecanismo de reclamação que permita que indivíduos ou organizações reportem situações de não conformidade de forma confidencial ou anônima. Serão permitidos procedimentos colaborativos para estruturar mecanismos de reclamações, inclusive aqueles estabelecidos em colaboração com outras empresas, por meio de associações (multi)setoriais, inclusive mecanismos com abrangência global.
Plano de mitigação da mudança climática: estabelecer um plano de mitigação da mudança climática consistente com a transição para uma economia sustentável e a neutralidade climática. O plano deve conter metas com prazos definidos de 2030 a 2050, e com a definição das principais ações e alocação de investimentos.
Monitoramento e relatórios: monitorar e publicar relatórios periódicos de acesso público.
Aspectos ambientais e de direitos humanos abrangidos?
A Diretiva fornece informações valiosas sobre o escopo dos direitos humanos e aspectos ambientais. Com relação aos direitos humanos, a Diretiva abrange uma ampla gama de direitos e proibições estabelecidos em tratados internacionais de direitos humanos, tais como a garantia de condições de trabalho justas, salários justos e adequados, igualdade, acesso a moradia adequada para os trabalhadores, liberdade de reunião e associação (incluindo o direito de se filiar a sindicatos, fazer greves e participar de negociações coletivas), bem como o cumprimento integral das proibições contra tortura, tratamento degradante, trabalho infantil, trabalho forçado, escravidão e comércio de escravos, entre outros.
O dever de diligência ambiental deve abranger o uso e o descarte responsável, particularmente de substâncias como mercúrio, produtos químicos perigosos como amianto e substâncias que contribuem para a destruição da camada de ozônio, como os clorofluorcarbonos (CFCs). Também inclui a conformidade com os regulamentos sobre a importação/exportação de resíduos perigosos e medidas para evitar a poluição causada por navios.
O que acontece se as empresas não estiverem em conformidade?
A CSDDD estabelece consequências claras e mensuráveis para as empresas que não cumprirem as normas.
Responsabilidade civil: a Diretiva estabelece regras gerais sobre responsabilidade civil e prazos de prescrição para garantir que as empresas sejam responsabilizadas quando, intencionalmente ou por negligência, deixarem de cumprir as disposições e, consequentemente, causarem danos a pessoas físicas ou jurídicas. Se o dano for causado conjuntamente pela empresa e sua subsidiária ou parceiro comercial (in)direto, as partes envolvidas serão solidariamente responsáveis.
Multas administrativas: as autoridades nacionais de supervisão terão o poder de estabelecer multas proporcionais à gravidade da infração. Com relação a casos mais graves, a multa máxima deverá ser de no mínimo de 5% do faturamento líquido mundial da empresa.
Exclusão dos procedimentos de compras públicas: a conformidade com as obrigações da Diretiva pode ser um dos critérios de adjudicação para contratos públicos e de concessão.
Principais conclusões
A implementação das disposições da Diretiva será feita de forma faseada em um período de cinco anos, sendo que as empresas de maior parte estarão sujeitas a um cronograma de conformidade mais curto. As extensas obrigações estabelecidas pela Diretiva exigem que as empresas desenvolvam programas de due diligence abrangentes e totalmente integrados à cadeia de valor. Isso significa que, apesar do período de implementação longo (3 a 5 anos), especialmente para empresas com cadeias de valor complexas, é fundamental começar a estruturar tais programas o quanto antes. Iniciar o diálogo com parceiros comerciais, grupos multisetoriais e fóruns do setor facilitará a estruturação e a alocação eficaz dos recursos necessários para se adequar às exigências da Diretiva.