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Comumente atribui-se ao setor público a missão de solucionar os mais complexos problemas que impactam a sociedade em diversos segmentos — uma incumbência que muitos consideram a própria razão de ser do Estado. Tal responsabilidade, porém, leva governantes e administradores públicos a constatar um paradoxo inconveniente: apesar de seus múltiplos esforços, com frequência os problemas que eles tentam resolver com tanto empenho permanecem sem solução; ou deterioram-se ainda mais após a intervenção pública.
Problemas de alta complexidade são abundantes nas sociedades modernas, pois são o resultado visível de diversas desordens e variáveis invisíveis. Escassez de recursos, transformações tecnológicas contínuas em descompasso com absorção de mão-de-obra, informalidade, desatualização das malhas de infraestrutura, prestação deficitária de serviços públicos e ineficiência sistemática em áreas como saúde, educação ou segurança são exemplos de desafios cotidianos quem assombram sociedades por todo o mundo.
Mas não jogue a toalha, pelo menos não ainda. Constatar a complexidade dos problemas não implica concluir que eles sejam irremediáveis. A única conclusão razoável é que a seara é muito grande para que governantes ou administradores públicos resolvam sozinhos problemas de tamanha dificuldade por conta própria. Logo, por consequência, caberia ao setor público, antes de tudo, adotar uma corajosa mudança de postura: admitir sua incapacidade de solucionar tais males; e comunicar sua constatação de forma clara.
Por que a mudança de postura é tão importante? Porque, em democracias modernas, as soluções mais inovadoras para problemas complexos são criadas na perspectiva de ecossistemas — isto é, em redes interdependentes que conectam cidadãos e organizações com as diversas formas de produção de conhecimento e tecnologia disponíveis. Assim, enquanto o setor público mantiver o storytelling de que tem tudo sob controle, os stakeholders jamais contribuirão com seus recursos e expertise, algo fundamental para a formulação das soluções de ecossistema de que precisamos.
Seguindo-se à nova postura, surge a necessidade de sondar as vocações em jogo. Sejam econômicas, sociais ou ambientais, cada território é dotado de particularidades que favorecem o seu desenvolvimento em determinada direção. E que fique claro: essa aferição não se inicia no âmbito do setor público — caso o fosse, o ecossistema local seria novamente substituído (e sufocado) pela atuação isolada da administração pública. As vocações de uma região são preestabelecidas pelo conhecimento e descobertas acumulados pelos stakeholders.
A experiência consolidada de atores como universidades e centros de pesquisa, think tanks, organizações intermediárias ou de fomento, empreendedores, fundações públicas e privadas, organizações não-governamentais e lideranças comunitárias e formadores de opinião, compõem uma base extensa de dados. E somente com base na expertise dos que vivem o problema em questão é que o setor público pode realizar algo verdadeiramente inovador: compreender a dimensão e as variáveis do problema para elaborar soluções de longo-prazo, resilientes e sustentáveis.
No contexto da medição dos dados, surge o último fator das soluções de ecossistema: o estabelecimento de indicadores claros para que tanto o setor público como os stakeholders sejam capazes de acompanhar o desempenho da estratégia (e suas adaptações ou pivotagens) ao longo do tempo. É fundamental, especialmente em economias de escassez, que se evite o desperdício de recursos humanos, financeiros e materiais — e o caminho mais eficiente para tal é a medição de dados. As soluções públicas não devem nascer de apostas, mas da interpretação inegociável dos dados.
As soluções de ecossistema são a grande fronteira para que o setor público possa finalmente endereçar desafios complexos de forma eficiente. Grandes revitalizações urbanas, incremento da infraestrutura, atração de novas tecnologias e fomento à inovação requerem serendipidade e sucessivas interações entre o conhecimento e os recursos compartilhados pelos stakeholders. Nesses ambientes, a disrupção torna-se uma tendência e permite tanto a resolução do problema original como também o surgimento de tecnologias, formas de fazer negócio ou mesmo novas indústrias inteiras, impactando positivamente todo o conjunto da sociedade.
Um estudo de caso que ilustra a utilização de soluções de ecossistema no enfrentamento de problemas complexos é o planejamento do hub de negócios de inteligência artificial na cidade de San Jose. Apesar de sua localização privilegiada como a “capital do Vale do Silício,” a cidade tem buscado atrair mais oportunidades econômicas e gerar mais postos de trabalho. Historicamente, San Jose sofre com o descompasso entre o número de habitantes e as oportunidades em matéria de empregabilidade, o que impacta sua receita, capacidade de investimento e prestação de serviços públicos.
Buscando endereçar tais problemas, a cidade planeja implementar uma solução de ecossistema que impacte o curso da empregabilidade local. Após consistente engajamento com stakeholders, identificou-se a popularização da IA como uma das vocações regionais a serem exploradas. Então, em um grande formato de inovação aberta, em outubro de 2023 San Jose assinou um memorando de intenções com a Plug and Play Tech Center — uma gigante internacional do gerenciamento de aceleradoras — para criar um programa de aceleração de negócios de IA, aproveitando que o conhecimento ainda se encontra em estágio inicial.
Atores como a San Jose State University, entidades do setor imobiliário, organizações sem fins lucrativos e órgãos públicos devem ser impactados pelo afluxo de tecnologia, oferta de capital, e rede de negócios a ser formada na região. A solução acarretará não somente a criação de novos postos de trabalho e geração de riqueza, mas também o aumento da pesquisa e da capacidade de investimento local, a revitalização do centro da cidade de San Jose, e o impacto positivo na qualidade de vida dos cidadãos.
Como se vê, as soluções de ecossistema são a nova fronteira que se apresenta diante do setor público e, portanto, desafiam sua autoimagem e capacidade de cooperação, as concepções enraizadas em sua cultura administrativa e, ainda, os interesses ligados à manutenção do status quo. Mas, acima de tudo, soluções de ecossistema representam mais do que um convite à experimentação e inovação — são uma oportunidade civilizacional sem precedentes, por meio das quais o setor público pode atualizar (ou refundar?) as bases de seu relacionamento com a sociedade a que serve.