Brasil precisa aprovar o Estatuto dos Direitos do Paciente

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Segundos dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 1 em cada 10 pacientes sofre danos no contexto dos cuidados em saúde e mais de 3 milhões de mortes ocorrem anualmente devido a cuidados inseguros. Nos países de rendimento baixo a médio, cerca de 4 em cada 100 pacientes morrem devido a cuidados inseguros, sendo que mais de 50% dos danos são evitáveis.

Os eventos adversos comuns que podem resultar em danos evitáveis ao paciente são erros de medicação, procedimentos cirúrgicos inseguros, infecções associadas aos cuidados, erros de diagnóstico, quedas de pacientes, úlceras de pressão, identificação incorreta de pacientes, transfusão de sangue insegura e tromboembolismo venoso.

A OMS aponta que o engajamento dos pacientes, quando realizado de forma adequada, pode reduzir as consequências negativas dos danos em até 15%[1]. Como se nota, a segurança do paciente, que diz respeito aos danos e às mortes associados aos cuidados em saúde, é uma das questões de saúde pública mais importantes na atualidade. No Brasil, mortes evitáveis de pacientes também são uma realidade, desse modo, é imperioso que esse tema ganhe visibilidade e um arcabouço normativo próprio que preveja os direitos dos pacientes ao cuidado seguro.

Durante a ocorrência da pandemia da Covid-19, notícias sobre a prescrição de procedimentos e medicamentos para a Covid-19 sem o consentimento de pacientes e familiares, dentre outros relatos, foram veiculadas no país. Desse modo, as práticas que vieram a público sobre esse tema conduzem à reflexão sobre os direitos dos pacientes, a deformação na formação de profissionais de saúde, a desconexão dos conselhos profissionais de saúde com os direitos dos pacientes e a falta de respeito ao direito ao consentimento informado.

Há relatos constantes de violações de direitos dos pacientes no Brasil e sem uma lei específica de caráter nacional, esses casos são tratados como crime ou infringência ao direito do consumidor, o que não confere uma resposta adequada aos pacientes e não contribui para a prevenção de novas violações. Ademais, não há uma política pública destinada à promoção dos direitos dos pacientes, nem mecanismos de recebimento de queixas dos pacientes e de sua resolução. Há ouvidorias, mas essas não resolvem as queixas dos pacientes, assim, esses têm que buscar o Poder Judiciário, o que é custoso e demorado.

As legislações nacionais de direitos do paciente começaram a ser adotadas na década de noventa, a Finlândia foi o primeiro país a contar com uma, e o Brasil até hoje não possui uma legislação nacional. Ao redor do mundo, há países que já versaram sobre os direitos dos pacientes, tais como: Equador, Argentina, Chile, Reino Unido, Hungria, Bélgica, Espanha, Estônia, Lituânia, Holanda, Eslováquia, Finlândia, Dinamarca, África do Sul, Quênia, Uganda, Israel[2].

As evidências internacionais demonstram que a relação entre profissional de saúde e paciente é assimétrica[3] e propícia a abusos, portanto, a lei é essencial para se criar uma cultura de respeito ao paciente no contexto dos cuidados em saúde e prevenir a ocorrência de tais abusos. A história da humanidade demonstra que relações assimétricas demandam lei para equilibrá-las.

Uma lei nacional de direitos do paciente tem como escopo precípuo assegurar a dignidade do paciente quando se encontra sob cuidados em saúde, o que consiste em fazer a sua voz ser escutada, assegurar que as decisões sejam tomadas de forma compartilhada e atender às suas necessidades.[4]

A lei nacional de direitos do paciente enuncia para os pacientes aquilo que podem exigir dos profissionais de saúde, e para esses, determina as condutas que devem adotar em relação aos pacientes. Isto é, reforça questões éticas na esfera dos cuidados em saúde. Essa legislação é aplicada a todos os serviços de saúde, públicos e privados, de modo a garantir direitos a todos os pacientes, independentemente se consumidores, crianças ou qualquer outra condição particular.

No Brasil, em atraso injustificado, não há lei nacional de direito do paciente, não há política institucional nos hospitais e operadoras de planos de saúde e política pública no Ministério da Saúde referentes a esses direitos. Desse modo, é imperativo que seja aprovado o PL 2242/2022 – Estatuto dos Direitos do Paciente, que se encontra no Senado.

O PL 2242 se fundamenta nos direitos humanos previstos nos tratados ratificados pelo Estado brasileiro, e prevê uma série direitos, tais como direito de indicar livremente um representante em qualquer momento de seus cuidados em saúde; direito ao atendimento de qualidade, com profissionais adequados e capacitados; direito de que sua segurança seja assegurada, o que implica ambiente, procedimentos e insumos seguros; direito de envolver-se ativamente em seus cuidados em saúde, participando da decisão sobre seus cuidados em saúde e do plano terapêutico; direito à informação sobre sua condição de saúde, o tratamento e eventuais alternativas, os riscos e benefícios dos procedimentos, e os efeitos adversos dos medicamentos; direito a não ser discriminado; e o direito à confidencialidade de suas informações pessoais.

O PL 2242 foi aprovado na Câmara dos Deputados mediante o empenho de deputados federais de distintos partidos e vertentes, o que reflete seu caráter suprapartidário e o fato de ser de interesse de toda população brasileira. Do mesmo modo, importante ressaltar que a Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente liderou um movimento em torno de associações de pacientes e outros representantes de organizações de saúde em prol da sua aprovação.

É sabido que uma lei sozinha não transforma a realidade, mas a história tem demonstrado que mudanças culturais profundas, notadamente quando dizem respeito a relações assimétricas e de poder, demandam instrumentos legais para impulsioná-las. Assim, espera que o PL 2242/22 tenha os seguintes impactos:

a) educação – o Estatuto deverá ser integrado à formação dos profissionais de saúde, constituindo uma ética básica e obrigatória para todos os serviços de saúde do país;
b) sociedade civil – as associações de pacientes terão o Estatuto como uma ferramenta para reivindicar que a voz do paciente seja escutada e suas decisões respeitadas, promovendo a sua participação e engajamento nas decisões que lhes afetem;
c) políticas públicas – o Estatuto deverá ser introduzido de forma transversal nas políticas públicas de saúde, de modo que o respeito ao paciente seja seu vetor central, assim como deverá ser objeto de política própria para que a sociedade se conscientize sobre os direitos do paciente e o Estado garanta a sua efetivação;
d) hospitais e demais serviços de saúde – o Estatuto deverá ser introduzido como uma política institucional de qualidade do cuidado de saúde, que contemplará estratégias de educação para que os direitos dos pacientes sejam respeitados, conformando uma nova cultura nos serviços de saúde do país.

Espera-se que o Senado encampe essa luta de todos nós, uma vez que a condição de paciente atravessa todos os seres humanos, haja vista que o processo de adoecimento nos une e expõe nossa fragilidade inerente.

O PL 2242/22 irá inaugurar uma nova etapa no caminho do respeito a todas as pessoas no âmbito do cuidado de saúde, fortalecendo nossos laços sociais e contribuindo para a construção de uma sociedade mais capacitada para lidar com os desafios que emergem do adoecimento. Em última instância, as leis de direitos do paciente são uma ferramenta para mitigar o sofrimento, reconhecendo a potência dos pacientes em meio a um contexto de tanta fragilidade. Fazer escutar a voz do paciente para que seja um agente do seu próprio cuidado é uma tarefa de todos nós.

[1] WORLD HEATLH ORGANIZATION. Patient Safety. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/patient-safety. Acesso em: 29 mai. 2024.

[2] ALBUQUERQUE, Aline. Manual de Direito do Paciente. Belo Horizonte: CEI, 2020.

[3] DROZDOWSKA, Urszula. Patients’ rights protection model in the patients’ rights and patients’ rights Ombudsman Act of. 6.11.2008. Disponível em: https://repozytorium.uwb.edu.pl/jspui/bitstream/11320/5917/1/BSP_8_2010_U_Drozdowska_Patients%27_rights_protection_model_in_the_Patients%27_Rights_and_Patients%27_Rights_Ombudsman_Act_of_6_11_2008.pdf. Acesso em:

[4] KHADEMI, Mojgan; MOHAMMADI, Eesa; VANAKI, Zohreh. On the violation of hospitalized patients’ rights: A qualitative study. Nurs Ethics, v. 26, n. 2, 2019, p. 576-586.

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