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Como sabemos que o Sol não vai se apagar amanhã? E depois de amanhã? Da mesma forma, podemos ter certeza de que vamos amanhecer na mesma ordem política em que adormecemos? Um edifício não colapsa de uma hora para outra. Tal como na transformação de estruturas rochosas na natureza, a erosão da democracia liberal é resultado de atritos de longa duração. Porém, é neste 5 de novembro de 2024 que a humanidade pode entrar num ponto de não retorno em relação àquele regime político que se demonstrou nos últimos 80 anos ser o pior de todos se desconsiderarmos as demais alternativas já testadas.
Isso porque o candidato do partido Republicano e ex-presidente Donald Trump, que chega ao dia das eleições presidenciais dos Estados Unidos empatado tecnicamente com a vice-presidente e candidata democrata Kamala Harris, já deu inúmeras demonstrações de que se opõe à noção de democracia liberal que ganhou corpo no pós-Segunda Guerra Mundial e cujo princípio básico é o antimajoritarianismo—ou seja, a oposição a tudo que não valoriza e protege os indivíduos perante tiranias, independentemente de sua origem e características do grupo identitário a qual pertencem.
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Para além dos jargões de Ciência Política, o Trumpismo representa o retorno a uma era em que pode até haver alternância de poder, mas as forças políticas se eximem de qualquer responsabilidade acerca de desigualdades materiais e simbólicas, ignorando o papel do Estado em reparar agressões históricas. Tal cenário será realidade caso não apenas se Trump retornar à Casa Branca. Ainda que Harris vença, isso se dará por margem estreita, o que manterá o ex-presidente republicano e seus seguidores na ribalta por mais ciclos políticos, influenciando embates em torno de modelos de sociedade ao redor do mundo, inclusive no Brasil, onde o ex-presidente Jair Bolsonaro é considerado o Trump dos Trópicos.
Trump é, portanto, referência para reacionários, no sentido de rejeitarem as conquistas políticas da modernidade. Negam, por exemplo, a igualdade de fato entre indivíduos, pois querem usar o Estado para impor seus projetos messiânicos e supremacistas. Não vejo nessa tendência um retorno imediato ao nazi-fascismo, tal como sugerido pela própria adversária democrata e o presidente Lula, que apoia Harris.
Como costuma ser o autoritarismo em nossos tempos, a ação de Trump num eventual segundo mandato tende a ser sutil, em ações inicialmente pontuais, como o banimento de leituras que questionam hierarquias construídas a partir do colonialismo europeu e chanceladas por ideias que não mais encontram eco em debates acadêmicos sérios, mas ainda fazem a cabeça da direita radical. É o caso do racismo científico, que associa a determinadas populações características inerentes, como a violência — a qual ironicamente foi mais praticada por aqueles que, em nome da civilização, subjugaram outros povos.
Quer saber se você vai perder ou não com a ascensão de uma direita que é radical, por negar o liberalismo, e extrema, por querer em última instância o fim da democracia? Olhe-se no espelho e pense na sua aparência, na sua cor de pele, na história de sua família e reflita e se questione o que aconteceria com você e seus próximos caso um projeto de extermínio em massa viesse a acontecer. Você seria mandado para um forno tal como judeus, ciganos e portadores de deficiência foram pelas mãos de Hitler e seus seguidores?
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Se a resposta é sim, afaste-se desse cálice que promete soluções simples para problemas complexos, isso para não citar a falha de caráter que representa o apoio a aniquilar culturas e seres humanos. Se isso não lhe convencer, faça um cálculo utilitário: o radicalismo político não leva a lugar algum. Não deu certo antes e não vai dar novamente. O preço para perceber isso consiste em testemunharmos e sofrermos alguma política de extermínio?
Mais fácil que cair em si, talvez seja nos acostumarmos às sevícias que, sob nossos olhos, não causam dores porque não nos atingem de imediato ou, com argumentos canhestros, parecem-nos um castigo divino contra aqueles que seriam infiéis ou até mesmo considerados biologicamente inferiores e, portanto, indignos de integrar a nação.
Quem quer que ganhe em 5 de novembro será por mera sorte, haja vista as pesquisas que demonstram haver empate técnico em Estados-chave para a vitória no colégio eleitoral. Do mesmo modo que a derrota do nazi-fascismo não era inevitável na Segunda Guerra Mundial, não temos a garantia da democracia para sempre, tampouco sabemos se haverá mais sangue derramado em nome de loucuras que julgávamos mortas.
Elas, porém, foram ressuscitadas com a chancela de líderes como Trump—um falso profeta da democracia, que usa seus instrumentos mais nobres, dentre eles a soberania popular e a liberdade de expressão, para aniquilá-la em nome de eleitores não tão inocentes assim. Senão todos, boa parte sabe pelo que votam: a desumanização do diferente, a raiva contra os que se levantaram contra séculos de exploração. Enfim, rejeitam a promessa de um liberalismo verdadeiramente universal, que nos unifica nas diferenças e as reconhece, rejeitando apagá-las com canetadas e banhos de sangue.