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Em um cenário global onde a sustentabilidade e a inovação se tornaram cruciais para o futuro da saúde, o Brasil destaca-se com um patrimônio inigualável: sua flora medicinal. Entretanto, o uso sustentável desse recurso tem sido limitado por desafios culturais políticos, econômicos e científicos.
Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para grandes empresas do setor
Em 2023, os fitoterápicos representaram apenas 0,6% do faturamento do mercado de medicamentos no Brasil. Dados do Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico (CMED) e do Grupo FarmaBrasil, mostram que o mercado farmacêutico brasileiro faturou cerca de R$ 142,43 bilhões em 2023, um crescimento nominal de 8,53% em relação a 2022. Já os fitoterápicos tiveram queda de 2,10% no faturamento, com redução de 19,58% nas embalagens vendidas. Cerca de 68% das vendas de fitoterápicos foram via distribuidores em 2023, enquanto vendas diretas para farmácias e drogarias corresponderam a 29,54% do faturamento. O governo respondeu por 1,27% do faturamento e apenas 0,48% da quantidade total vendida.
Coordenação política e o poder de compra do governo
As compras públicas de fitoterápicos pelo SUS atendem demandas as demandas sociais, além de fortalecer a reputação internacional da indústria farmacêutica brasileira. O sucesso dependerá de uma regulação simplificada, incentivos adequados e uma colaboração efetiva entre governo, indústria e sociedade.
Com um investimento de R$ 30 milhões e a implementação das recentes diretrizes estratégicas, como a Portaria GM/MS nº 5.619 e o Decreto nº 12.044, o governo reforça o seu papel na coordenação política e compromisso com a agenda da bioeconomia. Essas ações impulsionam o desenvolvimento de um mercado mais sustentável e inclusivo no Brasil, valorizando a biodiversidade e a justiça social.
Tais medidas fornecem aos municípios os recursos necessários para ampliar o acesso da população a tratamentos com plantas medicinais e fitoterápicos pelo SUS. Espera-se que a nova política sirva como uma plataforma para estimular o investimento privado em P&D e inovação em centros de pesquisa do Brasil para produtos baseados na biodiversidade e na geração de empregos qualificados em toda a cadeia produtiva.
Cooperação e perspectivas do setor farmacêutico
Frente aos desafios enfrentados pelo setor, a Sociedade Brasileira de Farmacognosia e a Biominas Brasil estão promovendo o InovaFitoBrasil Summit. Este evento reúne representantes da indústria, governo, investidores, pesquisadores e outros grupos interessados para discutir tendências, debater desafios, apresentar startups e pesquisas inovadoras voltadas ao desenvolvimento de fitoterápicos.
Com o objetivo de ampliar o debate público sobre a bioeconomia e acesso à tratamentos baseados na biodiversidade, esta coluna trará uma série de artigos com dados de mercado, análises do panorama estatal e entrevistas com lideranças dos setores público e privado.
Para inaugurar a série, trago uma entrevista com Reginaldo Arcuri, Presidente Executivo do Grupo FarmaBrasil (GFB), que reúne grandes empresas brasileiras dedicadas à pesquisa e desenvolvimento. Arcuri compartilha sua visão sobre os desafios e as soluções para fortalecer a bioeconomia nacional e expandir o uso de fitoterápicos no Sistema Único de Saúde (SUS).
Dr. Arcuri, como você enxerga a colaboração entre o setor farmacêutico, o governo e as comunidades locais no cumprimento da Lei 13.123/2015? Quais são os maiores desafios que as empresas farmacêuticas enfrentam para alinhar inovação com a repartição justa de benefícios para as comunidades?
A Lei 13.123/2015 trouxe em seu regramento a participação de todos (setor empresarial, setor acadêmico e populações indígenas, comunidades tradicionais e agricultores tradicionais) na gestão dos recursos genéticos nacionais, tanto assim que garantiu (artigo 6º da Lei 13.123/2015) a representação de cada um destes atores no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) – órgão colegiado de caráter deliberativo, normativo, consultivo e recursal, responsável por coordenar a elaboração e a implementação de políticas para a gestão do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado e da repartição de benefícios.
A legislação atual também melhorou muito o ambiente de negócios quando comparada com a legislação anterior (Medida Provisória nº 2.186-16/2001) e, com isso, tem proporcionado ambiente favorável para formalização de novos negócios e para criação de oportunidades para todos os envolvidos. De outra parte, acreditamos ser fundamental a garantia contínua e crescente de estabilidade e de previsibilidade no regramento nacional, para que as empresas possam cada vez mais investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação farmacêutica a partir da utilização dos recursos naturais da biodiversidade brasileira.
Com base na experiência das empresas associadas ao GFB, como a biodiversidade brasileira está sendo integrada ao desenvolvimento de novos medicamentos fitoterápicos? Que oportunidades você vê para a indústria farmacêutica no Brasil no uso sustentável desses recursos?
A biodiversidade brasileira é uma fonte rica de compostos bioativos que podem ser explorados para o desenvolvimento de novos medicamentos. A vasta diversidade de plantas e organismos no Brasil oferece um campo fértil para a descoberta de novos princípios ativos farmacêuticos. Isso representa uma oportunidade significativa para a indústria farmacêutica inovar e criar tratamentos mais eficazes para diversas doenças.
A biodiversidade brasileira pode ser integrada à bioeconomia, promovendo o uso sustentável dos recursos naturais. Isso não só impulsiona a inovação farmacêutica, mas também contribui para o desenvolvimento econômico sustentável, criando empregos e fortalecendo a economia local. É importante contar com parcerias internacionais para alavancar o potencial da biodiversidade brasileira. Tais colaborações podem facilitar o acesso a tecnologias avançadas e mercados globais, além de promover a troca de conhecimento.
A utilização sustentável da biodiversidade pode melhorar a reputação das empresas farmacêuticas brasileiras no cenário global. O compromisso com práticas sustentáveis e a conservação da biodiversidade são cada vez mais valorizados por consumidores e investidores, oferecendo uma vantagem competitiva para as empresas que adotam essas práticas.
A integração da biodiversidade brasileira na produção de fitoterápicos é um processo rico e multifacetado. Há uma necessidade de melhorar a qualidade dos produtos fitoterápicos brasileiros. Isso envolve o desenvolvimento de padrões rigorosos de controle de qualidade, que são essenciais para garantir a eficácia e a segurança dos fitoterápicos. A biodiversidade brasileira oferece uma vasta gama de plantas medicinais que podem ser exploradas para este fim, mas é crucial que o desenvolvimento desses produtos siga diretrizes científicas robustas.
A integração da biodiversidade na produção de fitoterápicos envolve a colaboração entre ciência, conhecimento tradicional e inovação tecnológica. O Brasil, com sua rica biodiversidade, tem o potencial de liderar o desenvolvimento de fitoterápicos no cenário global, mas isso requer investimentos em pesquisa, desenvolvimento de políticas sustentáveis e parcerias entre o setor público e privado. Esses esforços podem não apenas impulsionar a economia, mas também promover a saúde pública e a conservação ambiental.
Na sua opinião, como as compras públicas de fitoterápicos pelo SUS podem ajudar a gerar previsibilidade para os investimentos da indústria farmacêutica com interesse em P,D&I em fitoterapia? Quais mecanismos que poderiam ser implementados para aumentar a confiança do setor privado em investir em fitoterápicos para o SUS?
Compras públicas pelo SUS garantem uma demanda constante e previsível para os fitoterápicos. Isso pode incentivar empresas a investir em Pesquisa, Desenvolvimento e Comercialização de Inovação (P,DCI) ao saberem que há um mercado garantido para seus produtos. Ao priorizar fitoterápicos, o SUS pode incentivar a produção local, reduzindo a dependência de importações e fortalecendo a cadeia produtiva nacional. Isso pode atrair investimentos para infraestrutura e desenvolvimento de novos produtos.
Entre os mecanismos para aumentar a confiança do setor privado estão o de oferecer incentivos fiscais e subsídios para empresas que investem em P,DCI de fitoterápicos pode reduzir os custos iniciais e aumentar o retorno sobre o investimento; melhorar a transparência nos processos de aprovação e compra de fitoterápicos e simplificar a regulamentação pode reduzir barreiras de entrada e aumentar a atratividade do mercado; e Investir em programas de educação para profissionais de saúde e consumidores pode aumentar a aceitação e o uso de fitoterápicos, ampliando o mercado potencial.
Dr. Arcuri, considerando sua experiência, quais são hoje os principais obstáculos que você enxerga para a ampliação das compras públicas de fitoterápicos pelo SUS?
Os principais obstáculos incluem as incertezas regulatórias, confiança nos produtos e o financiamento. A complexidade dos processos regulatórios para a aprovação e registro de fitoterápicos pode atrasar sua disponibilização no SUS. A ausência de normatização e padronização clara para fitoterápicos pode dificultar sua incorporação nos sistemas de saúde. A falta de confiança nos fitoterápicos, muitas vezes devido a informações inconsistentes sobre seus benefícios e riscos, pode ser um obstáculo significativo. Por outro lado, as restrições orçamentárias podem limitar a capacidade do SUS de expandir suas compras.
Para superar esses obstáculos, é essencial que o governo e as instituições de saúde trabalhem juntos para simplificar os processos regulatórios, garantir a segurança e eficácia dos fitoterápicos por meio de pesquisas robustas, e promover a educação e capacitação de profissionais de saúde. Além disso, aumentar a conscientização pública sobre os benefícios dos fitoterápicos pode ajudar a melhorar sua aceitação e integração no SUS e garantir recursos com a integração de um plano de longo prazo.
A Lei nº 13.123/2015 tem sido elogiada por promover a repartição justa de benefícios, mas também criticada por sua complexidade. Você acredita que há espaço para simplificações regulatórias que poderiam facilitar o uso da biodiversidade pela indústria farmacêutica sem comprometer os direitos das comunidades?
De fato, avaliamos que a regulamentação brasileira sobre acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado tornou-se, em alguns pontos, complexa e difícil de se navegar para as empresas, especialmente para as PMEs. Além disso, há lacunas que precisam ser preenchidas para que as empresas possam operar com segurança jurídica como, por exemplo, a definição de responsabilidades em caso de parcerias com entidades estrangeiras para fins de cadastro de acesso junto ao SISGEN, a oficialização de listas para consulta da origem das espécies, entre outas.
O GFB entende que a conservação e o uso sustentável da biodiversidade, bem como a repartição dos benefícios decorrentes da sua utilização, são fundamentais para impulsionar a inovação, fortalecer a indústria nacional e desenvolver as cadeias regionais de bioeconomia. Por isso, participamos ativamente da construção e da implementação das leis e políticas voltadas para a promoção desses objetivos.
Nesta linha, o GFB tem participado ativamente dos fóruns de discussão sobre a temática e tem endereçado os pleitos do setor. A título de exemplo, uma das principais pautas que será tratada na COP16 é a repartição de benefícios em DSI (sequenciamento digital). Nesta linha, o GFB já enviou oficialmente seu posicionamento ao MRE de modo a contribuir com a discussão e auxiliar o Estado brasileiro na construção dos seus posicionamentos sobre o tema.
Você acredita que os incentivos atuais, como as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) e a Lei do Bem, poderiam atender ao setor de fitoterápicos e atrair mais empresas para o Brasil? Onde o governo pode melhorar para atrair mais investimentos?
As PDPs podem promover a pesquisa de novos fitoterápicos, aproveitando a biodiversidade brasileira e incentivando parcerias com universidades e institutos de pesquisa. Ao garantir demanda por parte do SUS, as PDPs podem ajudar a estabilizar a cadeia de produção de fitoterápicos, oferecendo previsibilidade e segurança para as empresas investirem. Facilitam, ainda, a transferência de tecnologia, permitindo que empresas brasileiras acessem tecnologias avançadas e desenvolvam produtos inovadores.
Ao oferecer deduções fiscais, a Lei do Bem pode reduzir os custos associados à pesquisa e desenvolvimento de novos fitoterápicos, tornando o investimento mais atraente para empresas. Com incentivos fiscais, as empresas podem se sentir mais encorajadas a investir em inovação, explorando novos usos e formulações de plantas medicinais brasileiras. A combinação de incentivos fiscais e a rica biodiversidade do Brasil pode atrair investimentos estrangeiros, interessados em desenvolver produtos fitoterápicos inovadores.
Entre as melhorias necessárias é importante simplificar os processos regulatórios para a aprovação de fitoterápicos para acelerar a entrada de novos produtos no mercado; investir em infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento pode criar um ambiente mais favorável para a inovação no setor; criar programas de capacitação para profissionais da área podem garantir que o setor tenha mão de obra qualificada para sustentar o crescimento e a inovação.
Em tempos de restrições orçamentárias, como o Ministério da Saúde pode assegurar a previsibilidade financeira para garantir que as compras de fitoterápicos no SUS continuem de forma estável?
Para assegurar a previsibilidade financeira e garantir que as compras de fitoterápicos pelo SUS continuem de forma estável, especialmente em tempos de restrições orçamentárias, o Ministério da Saúde pode adotar várias estratégias, como: buscar parcerias com o setor privado e organizações internacionais para cofinanciar a produção e aquisição de fitoterápicos; oferecer incentivos fiscais para empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento de fitoterápicos, estimulando o setor; promover programas de educação para profissionais de saúde e a população sobre os benefícios e o uso adequado de fitoterápicos; implementar compras centralizadas para reduzir custos através de economias de escala; desenvolver normas e certificações para garantir a qualidade e a segurança dos fitoterápicos, aumentando a confiança e a aceitação pública; financiar pesquisas que comprovem a eficácia e segurança dos fitoterápicos, fortalecendo sua aceitação no mercado e no sistema de saúde; colaborar com universidades e institutos de pesquisa para desenvolver novas formulações e usos terapêuticos de fitoterápicos; criar um plano de longo prazo que alinhe os objetivos de saúde pública com a sustentabilidade financeira dos fitoterápicos; estabelecer sistemas de monitoramento e avaliação para garantir que as políticas implementadas sejam eficazes e ajustadas conforme necessário.
O Brasil tem uma posição relevante no cenário global devido à sua biodiversidade. Como você vê a importância da sustentabilidade na produção farmacêutica e o papel da biodiversidade na construção da reputação internacional das empresas farmacêuticas brasileiras? O Governo e a sociedade de forma geral têm uma visão clara sobre os esforços do setor farmacêutico frente aos desafios ambientais e outras metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)?
A sustentabilidade na produção farmacêutica e o uso responsável da biodiversidade são fundamentais para construir e manter uma reputação positiva no mercado global. As empresas brasileiras têm a oportunidade de se destacar ao adotar práticas sustentáveis e explorar a rica biodiversidade do país de maneira inovadora e responsável. Isso não apenas beneficia o meio ambiente e a sociedade, mas também fortalece a posição competitiva das empresas no cenário internacional. A exploração sustentável desses recursos pode posicionar o Brasil como um líder em inovação farmacêutica global.
O governo e a sociedade têm uma visão crescente sobre os esforços do setor farmacêutico em relação aos desafios ambientais e às metas dos ODS. No entanto, a percepção pode variar dependendo da transparência das práticas das empresas e da eficácia das políticas públicas em promover a sustentabilidade. A conscientização e a pressão por práticas mais responsáveis estão aumentando, incentivando o setor farmacêutico a alinhar suas operações com as metas globais de desenvolvimento sustentável.
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Como o senhor vê o papel do país no cenário internacional de inovação farmacêutica baseada em recursos naturais? O GFB tem promovido alianças globais ou parcerias que possam alavancar o potencial da bioeconomia brasileira?
O Brasil é um país muito privilegiado sob esta perspectiva. Dados oficiais apontam que o Brasil, que ocupa quase metade da América do Sul, é o país com a maior biodiversidade do mundo. São mais de 116.000 espécies animais e mais de 46.000 espécies vegetais conhecidas no País, espalhadas pelos seis biomas terrestres e três grandes ecossistemas marinhos.
Diante destes dados, acreditamos que o Brasil, sendo um país megadiverso, deve ocupar o papel de protagonista no cenário internacional de inovação farmacêutica baseada em recursos.
Sobre as alianças – e sem prejuízo das iniciativas implementadas pelas empresas associadas ao GFB para realização de investimentos e parcerias que viabilizem a realização de pesquisa e de desenvolvimento em biodiversidade brasileira para maior aproveitamento dos recursos genéticos nacionais – realizamos diversas iniciativas de cooperação. Um bom exemplo foi a recente visita ao CBA – Centro de Bionegócios da Amazônia (vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços – MDIC), no intuito de promover um intercâmbio de conhecimentos e experiências, bem como de conhecer de perto as atividades e iniciativas desenvolvidas pelo Centro, especialmente no que tange à conservação e pesquisa da biodiversidade amazônica.
O Brasil tem um papel significativo a desempenhar no cenário internacional de inovação farmacêutica baseada em recursos naturais, graças à sua rica biodiversidade e crescente capacidade tecnológica. No entanto, para maximizar esse potencial, é essencial investir em pesquisa e desenvolvimento, promover parcerias estratégicas e implementar políticas públicas eficazes que incentivem a inovação sustentável. Isso não só fortalecerá a posição do Brasil no mercado global, mas também contribuirá para o desenvolvimento econômico e social do país.
Conclusões
As compras públicas de fitoterápicos pelo SUS são uma oportunidade real para integrar a agenda da bioeconomia ao setor de saúde e agricultura, fomentar a inovação e gerar mais empregos em toda a cadeia produtiva. É fundamental que essas ações direcionem melhor a agenda de diálogos entre o governo, indústria e sociedade, trabalhando juntos para construir um ambiente favorável ao crescimento desse setor, garantindo que as comunidades detentoras do conhecimento tradicional associado ou agricultor tradicional colham os frutos desse desenvolvimento.
Agradecimentos: Antonio Carlos F. Teixeira pela revisão.