Concessões e PPP’s no saneamento básico: potencial, desafios e controvérsias

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O saneamento básico é um pilar essencial para a saúde pública e o desenvolvimento econômico e social. No Brasil, até 2018, aproximadamente 16% da população ainda não tem acesso a água tratada, e cerca de 50% não possui coleta de esgoto, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento.1

Essa realidade reflete a histórica carência de investimentos públicos no setor, que levaram à criação do Novo Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026/2020).

A legislação visa universalizar o saneamento básico até 2033, incentivando a entrada de empresas privadas por meio de Concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs).Embora o modelo tenha potencial para suprir deficiências, ele, no entanto, também gera desafios e polêmicas.

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A expectativa acerca das concessões e PPPs no setor de saneamento reside na capacidade de mobilizar investimentos do setor privado, que não apenas oferece capital, mas também tecnologia e inovação.

O objetivo é sanar as lacunas deixadas pelo setor público e garantir o atendimento rápido e eficiente à população.

Um exemplo significativo dessa abordagem é a concessão feita na Região Metropolitana de Maceió, onde o setor privado promoveu expansão e modernização do sistema de abastecimento, com resultados perceptíveis na redução das perdas de água e na melhoria dos serviços de coleta e tratamento de esgoto.

Casos como este evidenciam que empresas privadas, orientadas por metas de desempenho, podem aumentar a eficiência e dinamizar economias regionais, gerando empregos e melhorando a saúde pública.

A tecnologia é outro fator importante. As principais concessionárias incorporam tecnologias avançadas de monitoramento digital, que permitem rastrear perdas em tempo real e otimizar o uso de recursos.

Essas práticas resultam não apenas em economia de água, mas também em uma gestão mais eficaz e menos sujeita a falhas. Evidente, portanto, que as inovações nas práticas de saneamento promovidas pelo setor privado destacam o potencial das concessões para trazer uma gestão mais moderna e eficaz ao setor.

Contudo, ao lado desses avanços, o modelo também gera críticas e levanta questionamentos.

Um dos principais desafios está na falta de uniformidade regulatória entre os estados e municípios, o que cria insegurança jurídica e afeta a previsibilidade para investimentos.

Essa falta de padronização das regras tarifárias e dos critérios de fiscalização torna o ambiente regulatório instável, aumentando os riscos para as empresas.

Nesse contexto, a governança fragmentada e os diferentes níveis de regulamentação complicam o planejamento de longo prazo, um aspecto fundamental para contratos de concessão e PPPs, que tipicamente se estendem por décadas.

Outro aspecto sensível é a sustentabilidade financeira dos projetos, especialmente em regiões de baixa densidade populacional ou de baixa capacidade de pagamento. Áreas remotas ou menos desenvolvidas oferecem retorno financeiro reduzido, o que desestimula o interesse privado e torna a implementação de concessões e PPPs um desafio.

Nesse sentido, o Novo Marco Legal busca a implementação de subsídios cruzados, em que recursos gerados em regiões mais rentáveis são usados para custear áreas deficitárias. Contudo, o alcance e a aplicabilidade desse mecanismo ainda são incertos e dependem de uma política de regulação mais abrangente e transparente.

A questão tarifária também é um ponto crítico, pois, embora reguladas, as tarifas cobradas pelas empresas privadas podem ser mais elevadas do que as praticadas pelo setor público, levando a uma exclusão das populações de baixa renda.

Para atender a esses grupos vulneráveis, algumas concessões preveem a implementação de tarifas sociais, mas a eficácia dessas medidas ainda é limitada, e sua implementação em larga escala esbarra em obstáculos administrativos e financeiros.

A polêmica sobre o aumento das tarifas envolve, portanto, a necessidade de políticas públicas de proteção social que sejam aplicáveis e gerenciáveis, a fim de evitar que o modelo de concessão acentue as desigualdades de acesso.

Há também uma questão conceitual sobre a “privatização” de um recurso essencial. Muitos críticos argumentam que o saneamento básico é um direito fundamental e, como tal, deve ser garantido exclusivamente pelo Estado, que pode priorizar o interesse público sem a pressão do lucro.

Para esses críticos, conceder o saneamento ao setor privado cria riscos de monopólios locais e potencial aumento de tarifas, uma vez que a concorrência é limitada após a concessão do serviço.

A experiência internacional sugere que a privatização do saneamento pode levar a problemas como o subinvestimento em áreas mais pobres e conflitos entre interesses comerciais e o bem-estar público.

A experiência das concessões e PPPs no saneamento básico brasileiro, entretanto, sugere que o setor privado pode ser um aliado na busca pela universalização dos serviços, desde que o ambiente regulatório seja robusto e as parcerias sejam bem estruturadas.

Além disso, o fato é que a realidade normativa do Brasil permite essa privatização, exigindo medidas para fortalecer seus pontos vulneráveis.

Atualmente, o governo federal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) promovem diversas iniciativas em concessões e PPPs, totalizando cerca de R$ 8,8 bilhões em projetos de água e esgoto que estão em diferentes estágios de desenvolvimento. Os projetos destacam-se em municípios como Campinas (SP), Marília (SP), Governador Valadares (MG), e Imperatriz (MA), que já estão estruturando novas PPPs para melhorar o serviço local.

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De acordo com o iRadarPPP, um índice que monitora os investimentos em infraestrutura no Brasil, estima-se um aumento no interesse de investidores privados devido às mudanças regulatórias implementadas recentemente, como a obrigatoriedade de comprovação de capacidade econômico-financeira e apoio técnico às prefeituras que buscam parcerias. Esses ajustes buscam melhorar a segurança jurídica e atrair novos investimentos privados, essenciais para a universalização do saneamento e para enfrentar as deficiências históricas do setor público no país.

Com esses avanços e iniciativas, o Brasil caminha para um modelo de saneamento que integra tanto o setor privado quanto uma governança pública aprimorada, ainda que obstáculos como a regulamentação fragmentada e questões tarifárias sigam como desafios críticos para o futuro.

Para isso, é fundamental que o governo estabeleça uma regulamentação uniforme e que os municípios e estados tenham capacidade técnica para acompanhar e fiscalizar os contratos.

Esse acompanhamento exige não apenas recursos humanos qualificados, mas também políticas de transparência e sistemas de auditoria independentes, que garantam que os serviços atendam a padrões de qualidade e que as metas contratuais sejam cumpridas.

Em conclusão, as concessões e PPPs representam uma alternativa promissora para expandir o saneamento básico no Brasil, mas o modelo exige um equilíbrio delicado entre eficiência econômica e responsabilidade social.

Para que as parcerias sejam eficazes, é essencial que as políticas públicas e o arcabouço regulatório evoluam para assegurar o cumprimento dos contratos e proteger o interesse público.

A universalização do saneamento é um objetivo complexo, que demanda mais do que parcerias: exige uma governança eficaz, uma regulação confiável e uma visão que priorize a inclusão e a sustentabilidade dos recursos hídricos no longo prazo.

Referências

Albuquerque, R. (2021). Regulação e segurança jurídica no saneamento básico brasileiro. Revista de Infraestrutura, 18(2), 45-66.

Campos, L., & Almeida, T. (2023). O impacto da privatização no saneamento básico: um estudo comparado entre Brasil e América Latina. Estudos em Desenvolvimento e Meio Ambiente, 11(1), 70-89.

Gomes, J. (2022). Desafios tarifários nas concessões de saneamento básico: uma análise das políticas de tarifa social. Revista Brasileira de Políticas Públicas, 14(3), 90-108.

Pinto, M., & Silva, C. (2023). Parcerias Público-Privadas e a universalização do saneamento no Brasil: entre potencialidades e limitações. Saneamento e Sociedade, 9(1), 35-52.

Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). (2023). Relatório anual do saneamento no Brasil. Ministério do Desenvolvimento Regional.

https://radarppp.com/informacao/iradarppp/

1 https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/06/24/raio-x-do-saneamento-no-brasil-16percent-nao-tem-agua-tratada-e-47percent-nao-tem-acesso-a-rede-de-esgoto.ghtml

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