Corrupção, o eixo pouco visível do tráfico de animais silvestres

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Recentemente, o Fantástico, da TV Globo, veiculou duas reportagens especiais sobre o tráfico de animais silvestres que demonstraram a íntima relação entre esse crime ambiental e organizações criminosas.

Esse é um crime que representa uma séria ameaça à biodiversidade, já que 18% dos vertebrados silvestres são comercializados, principalmente aves e mamíferos. E essas espécies comercializadas sofreram uma redução média de 62% da população quando comparados os locais onde ocorre e onde não ocorre o comércio de espécies.

Aqui vale destacar outro elemento nessa equação: o tráfico de animais silvestres é viabilizado por corrupção, fraude e lavagem de dinheiro.

A primeira reportagem do Fantástico chamou atenção para casos recentes de tráfico internacional de animais silvestres que reacenderam o alerta sobre a proteção da fauna brasileira[1]. As imagens de animais como micos-leões-dourados e araras-de-lear sendo vítimas de maus-tratos comoveram o país. A reportagem mostrou como o tráfico de animais é conduzido por organizações criminosas que contam com integrantes com funções definidas, desde a captura, passando pelo transporte até o “esquentamento” desses animais com documentos falsos. Apesar disso, como denunciado pelo programa, os traficantes são liberados após concordarem em se apresentar à Justiça.

Já a segunda reportagem apresentou áudios e vídeos que demonstram como agem quadrilhas especializadas em tráfico de animais silvestres no Brasil[2]. Segundo o Fantástico, a polícia identificou 27 grupos em aplicativos de mensagens com aproximadamente 20 mil integrantes, o que demonstra a força desse comércio clandestino.

As organizações criminosas envolvidas no tráfico de animais são caracterizadas pelo grande investimento financeiro, gestão do tipo empresarial e equipamentos sofisticados. Contudo, mesmo com todo esse investimento, o crime não seria viável sem a corrupção de agentes públicos, a prática de fraude e a lavagem de ativos.

Foi o que se viu, por exemplo, no caso da cobra naja que picou um estudante de medicina veterinária em 2020, condenado por tráfico de animais silvestres. O caso revelou a corrupção de uma coordenadora do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), vinculado ao Ibama no Distrito Federal, acusada de emitir licenças de transportes fraudulentas para dissimular a origem legal de animais silvestres, a chamada “lavagem ou esquentamento de animais” (que entra na categoria do crime de lavagem).

A servidora foi demitida após processo disciplinar conduzido pela corregedoria do Ibama. No mesmo caso, um policial militar, familiar do estudante, foi condenado por fraude processual, por retirar animais que remanesciam no apartamento do estudante e transportá-los para outro local, no dia seguinte à picada da cobra.

Outra característica marcante do tráfico de animais silvestres é que muitos traficantes se dedicam por décadas à atividade ilegal, de forma habitual, o que evidencia a impunidade como marca desse crime. Foi o que aconteceu com o maior traficante brasileiro de animais, que dedicou vinte anos à atividade clandestina, até ser finalmente condenado por lavagem de dinheiro.

Até 2017, o Ibama havia apreendido com esse traficante, um funcionário público, 3.755 animais – a maioria deles aves –, mas acredita-se que o número de animais traficados por esse indivíduo tenha sido cem vezes o número de animais apreendidos. O Ministério Público Federal calculou que o traficante obteve mais de R$ 1,3 milhão com a atividade ilegal. Até 2018, a soma de todas as multas ambientais impostas ao infrator já ultrapassava R$ 9 milhões.

Depois de ter sido autuado e detido 14 vezes pelo crime ambiental, o traficante não foi preso por praticar crimes ambientais – cuja pena é ínfima–, mas pelo crime de lavagem, que tem uma pena muito mais rigorosa. Ele foi condenado a 12 anos de prisão porque, segundo a sentença condenatória, adquiriu carros usando o dinheiro obtido através do tráfico de animais silvestres e ocultou a propriedade desses bens usando o nome de familiares como “laranjas”. Ele ainda perdeu o cargo público, três carros e uma casa.

Aumentar as penas para o tráfico de animais não é a única alternativa possível para combater esse crime. Uma abordagem anticorrupção e antilavagem do tráfico de animais silvestres aponta para as seguintes recomendações:

(i) promover a investigação da ocorrência de organizações criminosas, fraude, corrupção e lavagem de valores e bens, incluindo a lavagem de animais, e outros crimes associados ao tráfico de animais;
(ii) implementar programas de integridade para servidores públicos em órgãos ambientais;
(iii) aumentar a transparência de dados sobre apreensões, autos de infração, multas etc;
(iv) reforçar os sistemas públicos de controle de transporte e comércio de animais contra fraude e lavagem, principalmente no caso de aves, que são os animais mais traficados;
(v) regulamentar o sistema antilavagem de dinheiro para identificar e coibir a movimentação de valores provenientes do tráfico de animais silvestres;
(vi) não utilizar Termos de Ocorrência Circunstanciados, transações penais e acordo de não persecução penal em casos de traficantes habituais e de organizações criminosas.

[1] Disponível em: < https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2024/03/11/casos-recentes-de-trafico-internacional-de-animais-silvestres-reacendem-alerta-contra-fauna-brasileira-veja-flagrantes.ghtml >. Acesso em: 10 abr. 2024.

[2] Disponível em: < https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2024/03/17/audios-e-videos-exclusivos-mostram-como-agiam-quadrilhas-especializadas-em-trafico-de-animais-silvestres-no-brasil.ghtml >. Acesso em: 10 abr. 2024.

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