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Enxergar a corrupção como sistema em vez de mero “esquema” é o primeiro passo para compreender o problema. Vamos ao segundo. Como agir?
Há diversas formas de se intervir num sistema. Lembrando que um sistema é composto de elementos, interconexões e propósito. Normalmente a primeira reação é tentar mudar os elementos do sistema. É o modo mais óbvio de se tentar resolver um problema pois é a parte mais visível de um sistema. Porém também é o menos eficaz quando se lida com temas complexos.
Esse instinto de se consertar um sistema a partir da mudança de seus elementos vem da nossa visão mecanicista, segundo a qual o mundo funciona como uma máquina, previsível e organizada (características dos sistemas simples) e que, portanto, bastaria substituir algumas peças para resolver o problema. Entretanto, corrigir um ou alguns elementos não resulta em melhora do sistema.
O desempenho de um sistema é proporcional a como seus elementos se relacionam e não à performance isolada de um deles. É por essa razão que o problema da corrupção sistêmica não pode ser resolvido apenas com a eliminação de um “supervilão”, supostamente a fonte de todos os males. Tampouco haverá um super-herói capaz de individualmente resolver o problema da corrupção sistêmica. Em outras palavras, quando se trata de combater a corrupção sistêmica “we don’t need another hero”.
Não obstante, é o que frequentemente acontece quando uma empresa apresenta baixo desempenho e troca-se seu CEO. Ou, por exemplo, logo que um time perde um certo número de partidas e já se cogita trocar seu técnico. Simples mudanças nos elementos de um sistema complexo, como uma empresa ou um time de futebol, geralmente são respostas imediatistas que isoladamente terão pouco efeito na solução do problema.
Geralmente, quando a troca de um líder nos exemplos acima surte efeito, é porque a mudança desse elemento proporcionou efeitos de segunda ordem, muitas vezes de forma involuntária. Isto é, a mudança de um elemento do sistema pode gerar significativas repercussões para as interconexões do sistema ou a chegada de um novo líder pode causar ajustes no propósito do sistema. Nesses casos a mudança de um elemento do sistema causou, como efeito colateral, uma melhora no problema. Contudo, nem sempre se pode contar com o acaso. O ideal é que se identifique o problema e se atue no sistema de modo consciente. Investigar as interconexões e o propósito do sistema, embora mais desafiador, é o melhor caminho a seguir.
No caso dos sistemas complexos as intervenções mais eficazes são feitas nas partes menos visíveis do sistema, quais sejam: no propósito e nas interconexões.
No primeiro caso, a primeira providência é avaliar se o propósito almejado do sistema é realmente o que ele faz na prática (POSIWID[1]). No segundo, investigar as interconexões e interdependências do sistema é a verdadeira forma de se lidar com problemas complexos, pois é aqui onde encontramos as informações necessárias para compreender os sistemas.
Aplicando esse raciocínio para um cenário de corrupção sistêmica percebe-se que, em vez de apenas substituir os integrantes corruptos de um parlamento nas próximas eleições (elementos), é preciso também intervir no relacionamento dos parlamentares com seus eleitores, com os doadores de campanha e integrantes dos demais poderes (interconexões).
Ademais, é preciso verificar se o propósito do sistema (representar os interesses do povo e do Estado) está alinhando com o que o sistema faz de fato. Vale repetir, o propósito de um sistema é o que ele efetivamente faz e não o que formalmente está nos seus estatutos ou o que seus elementos dizem ou prometem fazer. Portanto, se um grupo de pessoas se reúne sob o signo de “partido político” com o propósito de desviar dinheiro público, seu propósito é o crime e não a política.
Intervenções nas interconexões ou no propósito de um sistema possuem ainda outra grande vantagem quando comparadas com a simples mudança dos elementos do sistema. Como os sistemas complexos têm comportamento não-linear pode-se obter grandes mudanças com pequenas intervenções. Uma intervenção certeira em uma das interconexões de um sistema complexo pode representar significativas mudanças com pouco emprego de energia. Em outras palavras, as interconexões são o local onde as intervenções possuem grande poder de alavancagem.
Combater os esquemas de corrupção por meio de ações judiciais é imprescindível. Contudo, é preciso ter em mente que esse tipo de intervenção, em regra, atinge apenas os elementos do sistema criminoso que gera a corrupção. Nesse caso, os avanços são lentos e os ganhos lineares. Por outro lado, quando se intervém nas interconexões e no propósito do sistema pode-se conseguir rápidas mudanças e ganhos exponenciais.
[1] “The Purpose Of a System Is What It Does (POSIWID): o propósito de um Sistema é o que ele faz (de fato).
POSIWID é uma heurística de pensamento sistêmico cunhada por Stafford Beer, que observou que “não há sentido em afirmar que o propósito de um sistema é fazer o que ele constantemente falha em fazer”. O termo é amplamente utilizado por teóricos de sistemas, e é geralmente invocado para combater a noção de que o propósito de um sistema pode ser lido a partir das intenções daqueles que o projetam, operam ou o promovem. Quando os efeitos colaterais ou consequências não intencionais de um sistema revelam que seu comportamento é mal compreendido, então a perspectiva POSIWID pode equilibrar entendimentos políticos do comportamento do sistema com uma visão mais direta e descritiva.
(in https://en.wikipedia.org/w/index.php?title=The_purpose_of_a_system_is_what_it_does&oldid=1115506480, acessado em 7 de Agosto de 2023.)