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Para cumprir com os compromissos e objetivos climáticos, os países têm buscado reduzir substancialmente as emissões de gases de efeito estufa, revelando-se a necessidade de soluções inovadoras tanto da perspectiva social quanto econômica. Com isso, a tributação do metano está emergindo como uma ferramenta contra as mudanças climáticas, em decorrência do seu potencial em incentivar a redução das emissões deste potente gás de efeito estufa.
O metano é o segundo maior contribuinte para o aquecimento global, ficando atrás apenas do dióxido de carbono (CO₂). No entanto, molécula por molécula, o metano possui um potencial de aquecimento significativamente maior do que o CO₂, o que torna sua gestão e redução uma prioridade para algumas nações.[1]
Nos Estados Unidos, por exemplo, a abordagem para a tributação do metano foi recentemente formalizada através da regra de Cobrança de Emissão de Resíduos (WEC),[2] prevista para implementação em 2024. Esta medida é voltada para grandes emissores, nas indústrias de óleo e gás, que emitam mais de 25 mil toneladas métricas de CO₂ equivalente por ano. A regulamentação impõe uma taxa progressiva sobre as emissões de metano, estabelecendo um custo econômico direto para emissões que excedam os limites estabelecidos.
Apesar de seu potencial positivo, a medida enfrenta críticas devido a necessidade de uma definição mais clara de como as responsabilidades fiscais serão atribuídas, para evitar ambiguidades que possam desincentivar a inovação e a melhoria contínua nas emissões, uma vez que podem onerar demais os contribuintes.[3]
Na Dinamarca, a abordagem para a tributação do metano é mais holística e integrada. A partir de 2030, o país irá taxar os agricultores de gado pelos gases de efeito estufa emitidos por vacas, porcos e ovelhas, por meio de um imposto específico sobre as emissões de metano. Essa estratégia combina medidas fiscais com incentivos para a adoção de práticas agrícolas sustentáveis e tecnologias de baixo carbono.
O modelo dinamarquês inclui subsídios e suporte financeiro para a transição para práticas agrícolas mais verdes, como a melhoria da alimentação do gado para reduzir a emissão de metano. O objetivo é não só impor um custo às emissões, mas também oferecer apoio para a inovação e a implementação de soluções sustentáveis.[4]
No Brasil, a questão do metano também é relevante devido ao papel predominante dos setores de óleo e gás e da agropecuária na economia, ambos contribuindo significativamente para as emissões de gases de efeito estufa. De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG),[5] a agropecuária, especialmente a criação de bovinos e suínos, é responsável por uma parcela considerável das emissões de metano no país.
Não é surpreendente, portanto, que haja discussões sobre a introdução de uma tributação sobre o metano no Brasil. A Emenda Constitucional 132/2023 elevou a defesa do meio ambiente a um princípio do Sistema Tributário Nacional, e o país, um dos signatários da COP 26, está entre os primeiros a iniciar o processo legislativo interno quanto ao metano, lançando o programa Metano Zero. Entre suas diretrizes, o programa prevê o incentivo ao mercado de carbono, incluindo o crédito de metano.[6]
Esses créditos, combinados com outras formas de incentivo, podem funcionar de forma análoga e complementar aos créditos de carbono.[7] Contudo, enfrentam os mesmos desafios relacionados à definição da natureza jurídica desses créditos e sua forma de tributação, o que dificulta a efetiva implementação desse mercado no Brasil.
A legislação brasileira sobre o tema tem sido inconsistente. A Lei 12.187/09, ao instituir a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), especificou que o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) é o local para a negociação de títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas.
O Decreto 11.075/2022, ao definir o crédito de metano, descreve-o como um “ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de metano, reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou regulado”, semelhante ao conceito dado ao crédito de carbono no mesmo documento. Entretanto, a Lei 12.651/2012 já os tratava como ativos intangíveis, definindo o crédito de carbono como “título de direito sobre bem intangível e incorpóreo transacionável”.
Enquanto o Decreto 11.075/2022 descreve os créditos de carbono e metano como ativos financeiros, a Lei 12.651/2012 e a Receita Federal, na SC Disit SRRF06 193/2009, tratam-nos como ativos intangíveis – submetidos à cessão de direitos e não como compra e venda de ativos financeiros. Essa indefinição jurídica é relevante, pois afeta o tratamento contábil e a tributação dos créditos, incluindo a incidência ou não de determinados tributos, como o IOF em certas operações de ativos financeiros.
Sob a perspectiva da EC 132, caso sejam considerados ativos intangíveis, poderiam incidir a CBS e o IBS, conforme os arts. 156-A, §1, I, e 195, § 16, da CF/88. Se considerados ativos mobiliários financeiros, aplicam-se as regras de não incidência do IBS e da CBS do art. 7º do PLP 68/2024.
Outro desafio é a mensuração dos créditos de metano em relação aos créditos de carbono. Se a ideia é que esses créditos sejam comercializados e utilizados com o mesmo fim, é essencial estabelecer claramente a equivalência de carbono para o metano.
A legislação norte-americana, por exemplo, definiu que a WEC (Wellhead Emissions Charge) será aplicada apenas às emissões de metano que excedam determinados limites, variando conforme o tipo de instalação.[8] Por exemplo, instalações de produção não são tributadas sobre emissões até 0,2% do gás natural vendido, enquanto outras instalações têm um limite de 0,05%. Instalações que queimam gás associado enfrentam uma tributação mais rigorosa do que aquelas que o vendem.
Além disso, existem três isenções fiscais que podem reduzir o imposto: (i) isenção de conformidade regulatória para instalações que atendem aos padrões de emissão da EPA, (ii) redução fiscal parcial para instalações que não vendem gás associado devido a atrasos na obtenção de permissões de infraestrutura e (iii) redução fiscal para poços abandonados e tampados.
Além disso, caso o Brasil siga os passos internacionais e avance com a implementação de uma tributação direta sobre a emissão de metano, é importante considerar o potencial impacto nos custos de produção e nos preços dos produtos finais, especialmente considerando a importância dos setores agropecuário e de óleo e gás na economia brasileira. Uma abordagem equilibrada, que combine tributação com incentivos para práticas mais sustentáveis, pode ser uma alternativa viável.
Como alternativa à tributação direta, que pode gerar o aumento do custo da emissão e por consequência de produtos finais, pode-se considerar um modelo de cap and trade[9], no qual existe um teto de emissão, que sirva como base para concessão de incentivos e benefícios fiscais pode ser uma saída, a exemplo do modelo dinamarquês, no que se refere aos incentivos fiscais para a transição para práticas agrícolas mais verdes funciona como um benchmark.
Assim, com a reforma tributária em andamento e a pretensão brasileira de se tornar líder global na agenda climática, bem como o fato de que sediaremos a COP 30[10], é preciso que o Executivo e o Legislativo tenham cautela ao tentar tirar o atraso normativo com a imposição de medidas coercitivas e inflexíveis, ainda que com o objetivo de reduzir a emissão de gases poluentes.
O ideal é aproveitar o momento de reforma para criar regras específicas para esses créditos, levando em conta as peculiaridades desse mercado e os objetivos ambientais a serem alcançados com esses instrumentos, sem trazer prejuízos ao mercado e respeitando aos comandos e proteções constitucionais de defesa do meio ambiente.
[1]https://www.epa.gov/gmi/importance-methane
[2] https://www.govinfo.gov/content/pkg/FR-2024-01-26/pdf/2024-00938.pdf
[3] https://www.velaw.com/insights/the-epas-methane-waste-emission-charge-a-tax-by-any-other-name/
[4] https://www.npr.org/2024/06/27/nx-s1-5021147/denmark-carbon-tax-cows-pigs-farms-worlds-first
[6] Art. 4º, I, Portaria MMA nº 71/2022.
[7] Em apertada síntese, o sistema de créditos de carbono visa reduzir emissões de gases de efeito estufa criando um mercado onde países ou empresas que reduzem suas emissões recebem créditos. Esses créditos podem ser vendidos para outros que não conseguiram cumprir suas metas. O sistema busca fazer com que empresas poluidoras internalizem os custos da poluição e apoia setores menos desenvolvidos tecnologicamente, permitindo-lhes comprar créditos de empresas mais avançadas. O governo estabelece um limite de emissão e distribui certificados, que indicam quanto cada empresa pode poluir anualmente. Se ultrapassarem esse limite, devem adquirir créditos extras. Os créditos podem ser negociados em mercados regulados ou voluntários, sendo o mercado regulado obrigatório para partes com metas ambientais, enquanto o voluntário está aberto a qualquer pessoa ou entidade interessada.
[8] https://www.govinfo.gov/content/pkg/FR-2024-01-26/pdf/2024-00938.pdf
[9] https://www.jota.info/coberturas-especiais/ambiente-negocios-oportunidades/regulacao-do-mercado-de-carbono-avanca-mas-ainda-sobram-arestas-a-aparar-28052024#:~:text=De%20modo%20geral%2C%20a%20inten%C3%A7%C3%A3o,o%20de%20cap%20and%20trade.
[10] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/12/12/brasil-e-confirmado-como-sede-da-cop-30-em-2025