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A edição das Normas de Referência da Agência Nacional de Água e Saneamento Básico (ANA), desde a entrada em vigor da Lei n° 14.026/2020, que atribui esta competência para o órgão, representam um importante marco na agenda regulatória do setor, sobretudo com relação à padronização e melhoria da segurança jurídico-institucional relacionada à adequada prestação desses serviços para a população.
Neste contexto, para que o avanço da agenda regulatória do saneamento básico possa contribuir com um ambiente institucional que proporcione orientações positivas na prestação desses serviços, é fundamental que essa atividade normativa esteja atenta aos desafios que se apresentam como já urgentes atualmente. Exemplo disso são os impactos decorrentes das mudanças climáticas e a consequente necessidade de adaptação da infraestrutura de prestação de serviços públicos por nossas cidades.
As mudanças climáticas, cabe realçar, já são uma realidade que tem trazido consequências extremas. Tal fato pode ser constatado por exemplos diversos, que vão desde o aumento das cheias e inundações de cidades, até a secas prolongadas e ondas de calor que impactam diretamente nos serviços ligados ao saneamento básico, seja pela redução da disponibilidade de água para abastecimento, sobrecarga dos sistemas de esgoto e de microdrenagem, bem como a deterioração da qualidade hídrica.
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Dessa maneira, a agenda regulatória do saneamento básico deve seguir atenta a esta já urgente realidade. Para o futuro próximo, serão bem-vindas disposições que reflitam a necessidade de adaptações de sistemas de saneamento básico às mudanças climáticas, favorecendo intervenções que privilegiem o desenvolvimento de infraestrutura resiliente, além de soluções que apresentem condições e instrumentos para que os titulares e os operadores destes serviços possam se planejar adequadamente e adotar as medidas necessárias para mitigação e contenção dos efeitos de eventos climáticos extremos.
Nesse sentido, o desenvolvimento de disposições que busquem estimular a implementação de sistemas de drenagem, o investimento de tecnologias de reuso de água, bem como o estímulo da adoção de soluções de infraestrutura verde, por exemplo, são medidas que se mostram não somente válidas, mas necessárias, para que a agenda regulatória do setor de saneamento se mostre de fato efetiva e positiva aos desafios concretos de nossa realidade atual.
Há que se observar, contudo, que alguns esforços já têm sido empreendidos nessa direção. A Norma de Referência ANA nº 05 (NR 5) por exemplo, que trata da matriz de riscos para contratos de prestação de serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, aborda de forma objetiva riscos associados às mudanças climáticas. É o que se verifica pelas disposições que tratam do risco de escassez crítica de recursos hídricos nos corpos que abastecem a área de concessão, quando resultar em redução da captação de vazão por um período superior a noventa dias.
A norma orienta pela alocação deste risco ao Poder Público, exceto nos casos em que sua a materialização ocorra por um período inferior aos noventa dias indicados, quando a orientação é de que a responsabilidade recaia sobre o prestador, assegurando-se um justo equilíbrio entre as partes diante de situações adversas dessa natureza.
Chama a atenção, contudo, que tanto a NR 5 como outras normas posteriores que considerarão a emergência climática em suas disposições, naturalmente não foram consideradas na estruturação de contratos de saneamento anteriores à sua vigência, o que revela outro desafio para a agenda regulatória do setor. Isto porque, são vários os contratos anteriores a este contexto, mas cuja vigência se estenderá por décadas, que carecem de mecanismos adequados para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas.
Embora essa limitação se justifique pela dificuldade em reconfigurar a distribuição de riscos e obrigações de contratos em execução, é fundamental reconhecer que a ocorrência de eventos climáticos extremos é cada vez mais frequente. Isso demanda especial atenção na gestão e revisão dos contratos de parceria que não preveem ações para mitigar ou conter os efetivos danos decorrentes de riscos relacionados às mudanças climáticas, de modo a reconfigurar a classificação genérica dos eventos climáticos extremos como hipóteses de caso fortuito, o que exige uma abordagem contratual mais proativa, coordenada e adaptativa para um concreto enfrentamento institucional destes desafios.
Foi à luz desse contexto que contribuímos na Consulta Pública nº 5/2024 da ANA, cujo objetivo era colher contribuições para a definição da sua agenda regulatória para o biênio 2025-2026. A sugestão foi que, dada a relevância do tema, seja considerada a elaboração de norma de referência que oriente uma adequada incorporação de eventos decorrentes de mudanças climáticas em contratos de concessão e PPP já em execução, que tenha por objeto a prestação de serviços de saneamento básico por meio de revisão específica para este fim.
Essa medida é fundamental, pois embora exista um crescente consenso acerca da importância de se investir em infraestrutura adaptativa às mudanças climáticas, a preocupação ainda não tem sido adequadamente refletida no plexo de obrigações e na alocação de riscos de contratos de parceria para serviços de saneamento básico. Como consequência disso, há uma lacuna sobre a gestão eficaz dos riscos climáticos nestes arranjos, o que dificulta a colaboração proativa das partes envolvidas e limita a implementação de soluções que mitiguem os impactos e planejem efetivamente as ações de contenção relacionadas aos eventos climáticos extremos.
Por isso, é imprescindível que a agenda regulatória do saneamento básico se atente a tamanhos desafios. Serão bem-vindas, por exemplo, orientações sobre as melhores ações para revisão e otimização dos contratos de parceria já em execução para que incluam, tanto em seu escopo obrigacional como em sua matriz de alocação de riscos, ações de prevenção, mitigação e contenção de riscos relacionados a eventos climáticos extremos.
Essa atividade contribuiria decisivamente para o desenvolvimento sustentável do setor de saneamento, ajustando-se à realidade contemporânea e promovendo a resiliência necessária para o futuro de nossas cidades. Além disso, permitiria que a revisão dos contratos de parceria em razão da necessidade de sua adaptação às mudanças climáticas ocorresse com níveis significativos de transparência e objetividade, conferindo a devida segurança jurídica para realização destes ajustes.
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Diante deste panorama, importa concluir que as mudanças climáticas já não são uma ameaça distante, mas uma realidade concreta que já afeta de modo direto a nossa sociedade e, de modo bastante sensível, o setor do saneamento básico. Por isso, defende-se que a padronização regulatória promovida pela ANA incorpore de modo decisivo e substancial as ações relacionadas à otimização dos contratos de parceria para que passem a contemplar obrigações e riscos relacionados às mudanças climáticas. Isto, não somente com relação aos contratos em fase de estruturação, mas também com relação às parcerias em execução.
O fomento ao desenvolvimento de infraestrutura resiliente, ao uso de tecnologias criativas, adaptativas e inovadoras, como sistemas de reuso de água, infraestrutura verde e à escolha por soluções baseadas na natureza, diante de um contexto de segurança sobre a alocação de riscos e obrigações relacionados a eventos climáticos, são elementos essenciais para que as externalidades positivadas derivadas das parcerias de saneamento básico sejam maximizadas à população.
Para tanto, é necessário que a estratégia regulatória integre de maneira objetiva as consequências e as ações de prevenção, mitigação e contenção das mudanças climáticas, de modo a garantir não apenas a qualidade e a universalidade na prestação dos serviços de saneamento básico, mas principalmente um futuro mais seguro e sustentável para nossas cidades.