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Autor: Thacio Fortunato Moreira¹

Resumo
Este artigo tem a missão de abordar um tema de extrema e atual relevância sobre a possibilidade de o condomínio edilício proibir ou autorizar a utilização de plataformas digitais pelos proprietários para locação de suas unidades em contratos de curta duração. Tema relevante diante das novas formas de elaboração e duração dos contratos de locação, tendo uma abordagem à luz da reforma do Código Civil e análise crítica sobre os eventuais limites da convenção condominial em paradigma ao direito de propriedade. Estima-se que a abordagem feita neste artigo tenha o objetivo de elucidar dúvidas atuais que vêm surgindo sobre a legalidade ou não da proibição desse tipo de contrato jurídico, bem como os mecanismos necessários para garantir que a Lei condominial seja respeitada, ainda que, de alguma forma, possa interferir no direito privado de propriedade.

Palavras-chave: Condomínio Edilício. Locação. Plataformas digitais. Proibição.

Abstract
This article aims to address a topic of extreme and current relevance regarding the possibility of a condominium prohibiting or allowing the use of digital platforms by owners for renting their units in short-term contracts. This is a significant issue given the new ways of drafting and the duration of lease agreements, approached in light of the reform of the Civil Code and a critical analysis of the potential limits of condominium bylaws in relation to property rights. It is estimated that the discussion presented in this article seeks to clarify current doubts arising about the legality of prohibiting this type of legal contract, as well as the necessary mechanisms to ensure compliance with condominium law, even if it may, in some way, interfere with private property rights.

Keywords: Condominium Building. Rental. Digital Platforms. Prohibition.

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1. Advogado, Professor universitário, Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas, Pós-graduado em Direito Civil, Especialista em Direito Securitário, Especialista em Direito Condominial e do Consumidor.

 

INTRODUÇÃO

Não é tão recente a viabilidade de locação de imóveis por plataformas digitais, a exemplo da talvez mais famosa e popular Airbnb que, conforme dados extraídos do seu próprio domínio, foi criada em 2008 a partir da ideia de dois designers que tinham um espaço sobrando e hospedaram três viajantes que procuravam um lugar para ficar.²

Até então, a única e possível possibilidade de acomodação de viajantes seria por meio de hospedagens tradicionais em hotéis, pousadas, motéis ou acomodações coletivas, como albergues.

Desde então, a possibilidade de acomodação em locais privados, sem cunho eminentemente hoteleiro, ganhou popularidade entre os viajantes, na medida que ofereciam hospedagem com preço mais barato e com um aspecto residencial. Além disso, a possibilidade de “se sentir em casa” atraiu diversos viajantes por todo mundo e ganhou um considerável apreço por famílias que passaram a preferir esse tipo de acomodação.

Para além desses atrativos, tornou-se mais fácil e conveniente esse tipo de locação, sem maiores burocracias ou exigências, tornando as plataformas que oferecem esse serviço extremamente populares.

Se para os locatários essa facilidade e novo estilo de hospedagem trouxe inúmeros benefícios, para os locadores não foi diferente. Tornou-se, em verdade, uma possibilidade de angariar uma renda extra ou até mesmo fazer desse tipo de novidade um novo negócio.

Sem a necessidade de implementar uma estrutura complexa ou até mesmo uma organização empresarial mais onerosa, a possibilidade de aluguel em plataformas digitais tornou-se uma nova forma de atuação no mercado imobiliário, até mesmo para pessoas sem qualquer experiência neste ramo.

Entretanto, o boom dessa nova modalidade de locação de imóveis residenciais e na forma de contratos de curtíssima duração, fez surgir diversas discussões sobre sua própria legalidade, na medida que o negócio passou a trazer consideráveis situações entre condôminos que merecem atenção.

Argumentos como insegurança, depreciação do bem comum, volatilidade do negócio, falta de controle de acesso, descumprimentos reiterados de regras condominiais e até mesmo ilícitos cometidos por inquilinos, levaram o debate para o Superior Tribunal de Justiça, na medida que a legislação até então disponível no sistema jurídico do Brasil não possui qualquer previsibilidade sobre esse tipo de negócio.

E, é partir desse embate que se passa a fazer uma análise jurídica sobre a possibilidade ou não desse tipo de negócio continuar a ter validade jurídica, bem como sobre as formas que os condomínios podem atuar para sua eventual proibição.

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2. https://www.airbnb.com.br/help/article/2503#:~:text=O%20Airbnb%20come%C3%A7ou%20em%202008,de%20diferentes%20pontos%20de%20vista.
  1. A moderna forma de estabelecer o negócio jurídico de Locação e os problemas jurídicos por ela gerados.

Não se discute o fato de a tecnologia ter aproximado cada vez mais as relações sociais dos negócios jurídicos, trazendo maiores facilidades para sua consumação. Prova dessa nova formação de contratos é a expansão dos serviços de entrega de comida via aplicativos bem como de contratação de serviços de transportes.

O fato é que o desenvolvimento cada vez mais acelerado de novas tecnologias tem aproximado o indivíduo de novos formatos de contratação, encurtando barreiras que antes eram, talvez, inatingíveis para alguns segmentos sociais.
Com isso, novos formatos de negócio jurídico vão surgindo diariamente e o direito moderno não pode fechar os olhos para estas novidades tecnológicas.

Não seria diferente em relação à forma de disponibilizar um imóvel originalmente para fins residenciais, porém que neste novo formato, poderia gerar uma renda para seu proprietário. Entretanto, ainda assim, não haveria desconfiguração de sua natureza residencial.

A locação de um imóvel residencial sempre foi uma realidade e ganhou maior legalidade com a promulgação da lei LEI No 8.245, de 1991 que trata justamente sobre a locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes.

Importante esclarecer que nesta própria regulamentação, em seu artigo 3º, há expressa menção de que o “ contrato de locação pode ser ajustado por qualquer prazo”.

Ainda em análise à citada Lei, em seu artigo 48, há também expressa previsão de que “Considera – se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.”

Pois bem, diante desta previsibilidade legal, passou-se a uma discussão jurídica sobre a legalidade das locações por curtíssima temporada, como nos casos daquelas decorridas das plataformas digitais.

Em verdade, é que por meio dessas plataformas, passou-se a normalizar períodos de locação em dias e não mais em períodos. Explica-se, tornou-se comum a locação, por exemplo de apenas um final de semana, ou um determinado período de feriado. Com isso, a rotatividade chamou a atenção dos condôminos que, de certa forma, se viram num cenário no qual não mais se reconhecia a própria sociedade condominial.

Por sociedade condominial pode-se entender a convivência específica dos condôminos que, mesmo sem ter uma relação íntima de amizade com aqueles que ali pudessem conviver, pelo menos tinham o mínimo de conhecimento de quem seriam aqueles indivíduos que estavam frequentando o espaço comum.

Com isso, e por diversos problemas de convivência que passaram a ocorrer por conta da rotatividade, outros problemas passaram a surgir, principalmente, aqueles que traziam algum tipo de desconforto na convivência condominial, a saber exemplificamente: descumprimento das regras da convenção, problemas com barulho, desrespeito à harmonia na convivência, dentre outros.

Para além desses problemas de convivência, outros mais sérios também passaram a surgir, como danos materiais à estrutura dos empreendimentos, atividades ilegais, desrespeito aos demais condôminos e prática de atividades ilegais sem qualquer controle dos próprios residenciais.

Diante de tantas questões, passou-se a questionar a própria legalidade desses tipos de contrato, chegando essa discussão ao poder judiciário que, de forma provocativa, se viu no dever de regulamentar, ainda que em forma de precedentes, essa nova forma de negócio jurídico.

         2. O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema

Não se discute que o negócio jurídico consumado para se gerar uma renda decorrente de locação de imóveis residenciais por meio de plataformas digitais exige, sobretudo, um respeito à autonomia privada do titular do direito de propriedade do imóvel.

Neste cenário, o que se discute atualmente é a possibilidade do condomínio edilício ter o poder de proibir os condôminos de utilizarem essas plataformas para disponibilizarem seus imóveis para fins de locação de curta temporada.

É certo que, atualmente, não há qualquer legislação que impeça essa prática. Muito pelo contrário, a lei de locação não estipula um prazo mínimo do contrato de temporada, mas sim, um prazo máximo de 90 dias.

Diante dos impasses que surgiram em virtude de problemas advindos desse tipo de negócio jurídico, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a rotatividade de curta temporada configuraria atividade comercial incompatível com a natureza jurídica residencial do Condomínio Edilício. Vejamos:

“Direito civil. Recurso especial. Condomínio edilício residencial. Ação de obrigação de não fazer. Locação fracionada de imóvel para pessoas sem vínculo entre si, por curtos períodos. Contratações concomitantes, independentes e informais, por prazos variados. Oferta por meio de plataformas digitais especializadas diversas. Hospedagem atípica. Uso não residencial da unidade condominial. Alta rotatividade, com potencial ameaça à segurança, ao sossego e à saúde dos condôminos. Contrariedade à convenção de condomínio que prevê destinação residencial. Recurso improvido. 1. Os conceitos de domicílio e residência (CC/2002, arts. 70 a 78), centrados na ideia de permanência e habitualidade, não se coadunam com as características de transitoriedade, eventualidade e temporariedade efêmera, presentes na hospedagem, particularmente naqueles moldes anunciados por meio de plataformas digitais de hospedagem. 2. Na hipótese, tem-se um contrato atípico de hospedagem, que se equipara à nova modalidade surgida nos dias atuais, marcados pelos influxos da avançada tecnologia e pelas facilidades de comunicação e acesso proporcionadas pela rede mundial da internet, e que se vem tornando bastante popular, de um lado, como forma de incremento ou complementação de renda de senhorios, e, de outro, de obtenção, por viajantes e outros interessados, de acolhida e abrigo de reduzido custo. 3. Trata-se de modalidade singela e inovadora de hospedagem de pessoas, sem vínculo entre si, em ambientes físicos de estrutura típica residencial familiar, exercida sem inerente profissionalismo por aquele que atua na produção desse serviço para os interessados, sendo a atividade comumente anunciada por meio de plataformas digitais variadas. As ofertas são feitas por proprietários ou possuidores de imóveis de padrão residencial, dotados de espaços ociosos, aptos ou adaptados para acomodar, com certa privacidade e limitado conforto, o interessado, atendendo, geralmente, à demanda de pessoas menos exigentes, como jovens estudantes ou viajantes, estes por motivação turística ou laboral, atraídos pelos baixos preços cobrados. 4. Embora aparentemente lícita, essa peculiar recente forma de hospedagem não encontra, ainda, clara definição doutrinária, nem tem legislação reguladora no Brasil, e, registre-se, não se confunde com aquelas espécies tradicionais de locação, regidas pela Lei 8.245/91, nem mesmo com aquela menos antiga, genericamente denominada de aluguel por temporada (art. 48 da Lei de Locações). 5. Diferentemente do caso sob exame, a locação por temporada não prevê aluguel informal e fracionado de quartos existentes num imóvel para hospedagem de distintas pessoas estranhas entre si, mas sim a locação plena e formalizada de imóvel adequado a servir de residência temporária para determinado locatário e, por óbvio, seus familiares ou amigos, por prazo não superior a noventa dias. 6. Tampouco a nova modalidade de hospedagem se enquadra dentre os usuais tipos de hospedagem ofertados, de modo formal e profissionalizado, por hotéis, pousadas, hospedarias, motéis e outros estabelecimentos da rede tradicional provisora de alojamento, conforto e variados serviços à clientela, regida pela Lei 11.771/2008. 7. O direito de o proprietário condômino usar, gozar e dispor livremente do seu bem imóvel, nos termos dos arts. 1.228 e 1.335 do Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/64, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no Condomínio, de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício. 8. O Código Civil, em seus arts. 1.333 e 1.334, concede autonomia e força normativa à convenção de condomínio regularmente aprovada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente. Portanto, existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se indevido o uso de unidades particulares que, por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela finalidade (CC/2002, arts. 1.332, III, e 1.336, IV). 9. Não obstante, ressalva-se a possibilidade de os próprios condôminos de um condomínio edilício de fim residencial deliberarem em assembleia, por maioria qualificada (de dois terços das frações ideais), permitir a utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem atípica, por intermédio de plataformas digitais ou outra modalidade de oferta, ampliando o uso para além do estritamente residencial e, posteriormente, querendo, incorporarem essa modificação à Convenção do Condomínio. 10. Recurso especial desprovido” (REsp 1819075/RS, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo, j. 20.04.2021, DJe 27.05.2021).

Neste mesmo sentido, a Terceira Turma do STJ, por unanimidade, entendeu no julgamento do Recurso Especial 1.884.483/PR, que “ no sentido de que o condomínio que possui destinação exclusivamente residencial pode proibir a locação de unidade autônoma por curto período de tempo. Digno de registro, outrossim, o acórdão unânime em 2023, explicitando que “nos termos da jurisprudência desta Corte, a exploração econômica de unidades autônomas mediante locação por curto ou curtíssimo prazo, caracterizadas pela eventualidade e pela transitoriedade, não se compatibiliza com a destinação exclusivamente residencial atribuída ao condomínio réu.” (AgInt nos EDcl no REsp n. 1.933.270/RJ, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 10/3/2023).

Diante dessas importantes decisões, caberá ao condomínio, em assembleia específica, discutir sobre a possibilidade de proibição ou não desse tipo de prática comercial em suas dependências.

Ressalta-se, entretanto, que esse posicionamento da Corte Superior decorre de um momento no qual não há na legislação qualquer orientação em sentido contrário. Ou seja, decorre de uma interpretação da legislação até então vigente no país, o que poderá ser modificado pela nova redação do código civil que atualmente tramita no Senado Federal.

 3. Previsão na reforma do Código Civil

Atualmente em trâmite no Senado Federal, a nova redação do Código civil não deixou de lado essa importante discussão. Entretanto, ainda sem uma efetivação do que, de fato, será aprovado e posteriormente colocado em prática.

Algumas vertentes podem ser adotadas quando da aprovação do texto final do codex, como por exemplo a impossibilidade de o condomínio proibir o condômino de celebrar contrato de hospedagem atípica por meio de plataforma digital ou outra modalidade de oferta, sendo nula de pleno direito qualquer deliberação nesse sentido;

Destaca-se, entretanto, que a comissão responsável pela revisão do código civil vem se inclinando em entender pertinente que o silêncio da convenção de condomínio ou ausência de deliberação assemblear está a indicar a proibição, ou seja, apenas regra autorizativa específica da hospedagem atípica viabilizaria o ato negocial.

Conclusão

O tema proposto é relevante, na medida que afeta atualmente um grandioso mercado negocial e que precisa ser analisado de uma forma muito cuidadosa para evitar que de um lado o direito de propriedade não seja desconsiderado, mas também de outro lado que a natureza jurídica do condomínio edilício não seja relativizada.

De qualquer forma, conforme indicado na introdução deste artigo, não pode o direito moderno fechar os olhos para as novas formas de consumação dos negócios jurídicos, devendo encontrar meios para sua efetividade, fiscalização e, principalmente, garantia de que a legislação deverá ser cumprida de forma integral.

 

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