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O Direito Civil brasileiro nasce significativamente marcado pela ideia de responsabilização civil, isto é, pelo objetivo de atribuir certos deveres às pessoas e empresas durante a sua atuação. 

Por meio dessa atribuição de responsabilidade, o Direito visa pacificar as relações sociais, trazendo segurança jurídica, a fim de que cada cidadão conheça de antemão as consequências de sua conduta. 

Entretanto, o tipo de responsabilidade aplicável a cada dano causado pode ser muito diferente, levando a consequências jurídicas distintas para o seu causador. Por isso, é que se estabeleceu no Direito brasileiro a responsabilidade civil subjetiva e objetiva. 

Compreender e dominar esses conceitos é fundamental para o profissional do Direito. Além de encontrarem previsão ao longo de vários dispositivos legais, os tipos de responsabilidade civil contêm consequências práticas substancialmente distintas para cada caso concreto.

O que é responsabilidade Civil?

A responsabilidade civil é um ramo do Direito que trata da obrigação de reparar danos causados a terceiros. Essa obrigação pode surgir de atos ilícitos (como negligência ou imprudência), atos lícitos que causam prejuízo, ou por força de contrato ou lei. O objetivo principal da responsabilidade civil é restaurar a situação ao estado anterior ao dano, geralmente por meio de indenizações.

Ela pode ser dividida em:

  1. Responsabilidade Civil Subjetiva: exige a comprovação de culpa (dolo ou negligência) do agente causador do dano.
  2. Responsabilidade Civil Objetiva: baseia-se no risco, dispensando a necessidade de provar culpa, como ocorre em atividades consideradas perigosas ou em relações de consumo.

Importância da Responsabilidade Civil 

Como todos sabemos, ninguém pode deixar de cumprir a lei alegando que a desconhece, uma vez que essa obrigação possui aplicabilidade geral. Por isso, é importante que os indivíduos, empresas e profissionais liberais compreendam as responsabilidades civis às quais estão submetidos na legislação.

Ainda mais importante do que isso, é o manejo adequado deste conhecimento pelos profissionais do Direito durante a análise de (i) novos produtos e serviços inseridos no mercado, (ii) demandas contratuais e (iii) reclamações de clientes e consumidores. 

Tendo em vista que essas questões integram o dia a dia da maior parte dos profissionais do Direito, trataremos de suas principais nuances sob a ótica do Direito Civil e, também, do Direito do Consumidor.  

Responsabilidade Civil Subjetiva: “Culpa” e “Dano” no Direito Civil

Conforme dispõe o artigo 186 do Código Civil, a responsabilidade civil subjetiva, ou responsabilidade civil clássica, como também é conhecida, acontece quando um determinado indivíduo causa dano a outra pessoa e fica obrigado a indenizá-la.

Para que a responsabilização civil seja classificada como “subjetiva”, é necessário que se comprove a existência dos seguintes elementos centrais:

  • Conduta (ação ou omissão)
  • Culpa (comportamento negligente, imprudente ou imperito)
  • Dano (prejuízo efetivamente causado na esfera material ou moral)
  • Nexo Causal (relação de causa e efeito entre a conduta praticada e seu resultado)

Assim, apenas restará configurado o dever de indenizar, caso efetivamente comprovados os requisitos mencionados, com especial atenção para a existência do dano. Isso porque, sem o prejuízo (dano) causado à outra parte, não há dever de indenização.

Dentre todos esses elementos, o mais importante para caracterizarmos a responsabilidade civil subjetiva é existência da culpa. Caso seja necessário demonstrar que o agente atuou com negligência, imprudência ou imperícia, a responsabilidade será de tipo subjetivo. Essa é justamente a “subjetividade” requerida neste tipo de responsabilização: o elemento volitivo (relativo à vontade psíquica) presente na conduta daquele que causa o dano.

Por isso, sempre que nos referimos à regra geral estabelecida no Código Civil – a regra da responsabilidade subjetiva – será necessário comprovar não somente o dano suportado pela vítima, mas, também aquilo que se passava no universo mental do causador (negligência, imprudência ou imperícia).  

Neste sentido, a culpa se refere à intenção do agente durante ato, representada por um agir negligente, imprudente ou imperito. Os elementos da culpa podem ser explicados sinteticamente da seguinte forma:

  • Negligência é a qualidade daquele que age sem o cuidado e atenção devidos;
  • Imprudência é o comportamento de caráter precipitado ou arriscado e,
  • Imperícia é a atuação sem o conhecimento, aptidão ou habilidades técnicas necessárias. 

Exemplos de Responsabilidade Civil Subjetiva

Exemplo clássico dessa espécie de responsabilização também denominada “subjetiva”, no Direito brasileiro, é a situação na qual um condutor desatento provoca colisão com um veículo de terceiro. 

No caso em tela, além de configurada a conduta negligente pela desatenção do motorista, há nexo de causalidade, isto é, causa e efeito entre a conduta e o prejuízo causado ao outro condutor. Em conclusão evidente, aplica-se o dever de indenizar na medida da extensão do dano. 

Ainda na esteira da responsabilidade civil clássica ou subjetiva, podemos citar os exemplos de profissionais liberais como médicos, dentistas e advogados que, em regra, serão responsáveis pelos danos que causarem de modo subjetivo, ou seja, desde que demonstrada a ação ou omissão, a culpa, o nexo de causalidade e o dano. Assim, o profissional que presta serviço insuficiente ou defeituoso poderá responder na medida do dano causado.

Responsabilidade Civil Objetiva

Agora sabemos o que é responsabilidade de tipo subjetivo e porque ela carrega esse nome. Sabemos, também, que este tipo de responsabilidade é a regra geral no Direito Civil brasileiro, insculpida no artigo 186 deste diploma. Entretanto, para sabermos quando ela se aplica, é necessário nos voltarmos à legislação brasileira. 

Se a responsabilidade subjetiva é a regra geral do Direito Civil, isso quer dizer que a responsabilidade objetiva (ou de tipo objetivo) será uma exceção à essa regra.  Temos duas hipóteses para a aplicação dessa exceção, conforme prevê o artigo 927 do Código Civil

Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifos nossos).

A expressão “independentemente de culpa” é fundamental para o significado deste dispositivo legal. Por meio dela, o legislador afirma que haverá responsabilidade objetiva, isto é, responsabilidade que não depende da demonstração de culpa (negligência, imprudência ou imperícia) nas hipóteses ali previstas. Essas hipóteses são: nos casos em que a lei especificar ou quando a atividade exercida pelo agente gerar risco.

Gênese do conceito de Responsabilidade Civil Objetiva

Na virada para o século XXI, a partir das mudanças ocasionadas pela produção industrial em larga escala, a consequente degradação do meio ambiente e a precarização do trabalho, juristas começaram a refletir sobre um novo modelo de responsabilização civil.

A pergunta que guia essas discussões, pode ser traduzida nos seguintes termos: o Direito deve exigir a comprovação de culpa para responsabilizar atividades que já produzem risco por si só? O risco inerente a certas atividades não deveria afastar a necessidade de comprovação de culpa (negligência, imprudência, imperícia)? Nesses casos, não estaríamos perante a hipótese de “risco do negócio”? 

Essas reflexões têm como gênese a ideia de que hoje habitamos em uma “Sociedade de Risco”, expressão cunhada pelo sociólogo alemão Ulrich Beck. Trata-se de uma sociedade que se organiza sobre um modelo econômico de risco e que responde a esse modelo específico.

Com base nessa ideia, todas as relações sociais, incluindo o próprio Direito, seriam regidas por essa lógica, o que trouxe algumas novas teorias também para o campo da hermenêutica jurídica.

Para grande parte dos juristas que abordaram esse “movimento”, não seria adequado requerer a comprovação de culpa de agentes que realizam atividades arriscadas por si mesmas: esses agentes já assumem o risco de condenação quando se propõem a realizar essas atividades.

Por isso, deveriam ser responsabilizados objetivamente, ou seja, sem que haja demonstração da sua negligência, imprudência ou imperícia na realização dessas atividades, basta apenas a comprovação do dano suportado pela vítima. 

Esse é precisamente o conceito de responsabilidade objetiva: uma responsabilidade que se aplica “automaticamente” e desde que demonstrado o dano e o nexo causal. Trata-se de uma responsabilidade que não necessita da comprovação do agir culposo. Logo, não investiga os elementos volitivos do ato.

Teoria do Risco

É importante destacarmos que dentro da “teoria do risco” insculpida no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, existem algumas modalidades importantes a considerar. Não é nosso objetivo esgotar o tema, razão pela qual apresentamos uma breve explicação sobre as principais delas:

(i) Teoria do Risco Integral: é a forma de responsabilidade objetiva original, na qual basta configurar o dano para que surja o dever de indenizar, mesmo que o prejuízo decorra de culpa exclusiva da vítima, ou de fato de terceiro, conforme artigo 927, parágrafo único do Código Civil acima mencionado;

(ii) Teoria do Risco Profissional: impõe o dever de indenizar pelo empregador sempre que o dano causado ao empregado ou a terceiro decorra da atividade laborativa da vítima;

(iii) Teoria do Risco Proveito: prevê a responsabilização em decorrência de acidente de trabalho em atividade na qual uma pessoa física ou jurídica obtenha vantagem econômica;

(iv) Teoria do risco criado: reconhece a responsabilização em face da criação de risco no desenvolvimento de atividade exercida pelo funcionário;

(v) Teoria do Risco Excepcional: impõe o dever de indenizar em razão de excepcionais riscos apresentados em situações extremas, como aquelas relacionadas à produção de materiais radioativos ou explosivos, redes elétricas, etc.

Em todas essas situações ou teorias, a responsabilidade não dependerá da comprovação de culpa, mas, se aplicará objetivamente. A partir disso, podemos compreender que a responsabilidade objetiva possui apenas três elementos caracterizadores (e não quatro, como ocorre com a responsabilidade subjetiva). São eles:

  • Conduta
  • Dano
  • Nexo Causal

Note que no elemento “conduta”, não é necessária a investigação acerca da culpa, mas, apenas, uma conduta capaz de causar o dano e que tenha relação com ele. 

Exemplos de Responsabilidade Civil Objetiva

Um dos exemplos clássicos de responsabilidade objetiva pela Teoria do Risco Profissional consiste na responsabilidade civil do empregador por acidente de trabalho típico.

Caso a atividade profissional desempenhada pelo empregado implique em risco por si mesma, a responsabilidade por eventuais danos sofridos pelo empregado será objetiva e não haverá a necessidade de demonstrar a culpa de qualquer das partes. 

Responsabilidade Civil consumerista

Anteriormente argumentamos que a responsabilidade objetiva é a exceção no Direito Civil, podendo ocorrer quando (i) prevista em lei ou (ii) quando a atividade implicar em risco. No que tange às possibilidades de responsabilização objetiva previstas em lei, temos dois casos importantes no Direito: (i) o acidente de consumo e (ii) os atos de pessoas de pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos.

Conforme previsto nos artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, quando uma empresa causa dano ao consumidor por meio de produto e/ou serviço “defeituoso”, deverá indenizá-lo sem que exista a necessidade de comprovação de culpa. Trata-se, de hipótese de responsabilidade civil objetiva, prevista expressamente pelo legislador. 

Assim, enquanto na responsabilidade civil clássica a “culpa” do fornecedor deverá ser comprovada, na responsabilidade prevista pelo CDC não há essa necessidade, aplicando-se a responsabilidade “automaticamente”, tão logo verificado o dano ao consumidor.

Além disso, considerando que o consumidor é considerado parte vulnerável na relação jurídica, é dever do prestador de serviços provar que não contribuiu para o dano causado e que se trata de fato atribuível ao próprio consumidor ou cliente, por exemplo, conforme previsto no artigo 14, §3º do CDC.

Leia também: Direito e tecnologia: oportunidades para transformar o mundo jurídico

Em relação às pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos, vale ressaltar que, conforme previsto pelo artigo 37, §6º da Constituição Federal de 1988, a responsabilidade gerada por esses entes do Estado também será objetiva, em regra.

Além dessas hipóteses de responsabilidade civil de tipo objetivo, podemos encontrar outras na legislação e na doutrina, bem como novas criações jurisprudenciais com base na Teoria do Risco.

Considerando as relações sociais continuamente marcadas por crises globais e assunção de riscos diversos pelas empresas, esse tema tende a se tornar cada vez mais controverso. Esse debate sobre responsabilidade civil subjetiva e objetiva impõe a necessidade de acompanhamento da pauta pelos profissionais do Direito, com especial atenção para novos precedentes emergindo dos tribunais. 

Em conclusão,  a responsabilidade civil consumerista é um “tipo” de responsabilidade civil objetiva e, diferentemente do que ocorre na responsabilidade civil clássica (subjetiva), as normas consumeristas possuem caráter mais restritivo e protetivo sobre a liberdade de contratar no mercado, partindo sempre da premissa de que há uma relação de assimetria entre as partes, na qual uma delas se encontra em posição de vulnerabilidade. 

Nestes casos, a relação jurídica não será “puramente civil” e subjetiva, mas, sim, objetiva e regulada pelas normas consumeristas aplicáveis.

Equiparação de Empresas a “Consumidores”

Em regra, haverá a aplicação do CDC nas relações que envolvam o fornecimento de produto ou serviço para um consumidor final, isto é, para uma pessoa física ou jurídica que se utilize destes sem a finalidade de inseri-los em sua cadeia produtiva com o objetivo de produzir lucro. Neste sentido, o consumidor final é caracterizado como aquele que:

[…] retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico) e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é consumidor final, ele está transformando o bem, utilizando o bem, incluindo o serviço contratado no seu, para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor, utilizando-o no seu serviço de construção, nos seus cálculos do preço, como insumo da sua produção. (grifos nossos).

Entretanto, o conceito de “consumidor final” foi relativizado pela jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especialmente, a partir de 2016, possibilitando algumas exceções nas quais pessoas jurídicas são equiparadas a consumidores. Isso quer dizer que, em alguns casos, empresas que se utilizem de produtos ou serviços que integram sua cadeia de negócios serão consideradas consumidoras e, portanto, beneficiadas pelas normas do CDC.

Segundo dispõe a “teoria finalista mitigada ou aprofundada” do STJ, isso ocorrerá sempre que verificada a vulnerabilidade técnica, jurídica, econômica ou informacional da empresa adquirente dos produtos ou serviços no caso concreto. 

Logo, ainda que a relação seja estabelecida entre duas empresas, poderá ocorrer que uma delas seja caracterizada como “consumidora”, pois se encontra em posição de desvantagem na contratação do produto ou serviço, seja do ponto de vista técnico, informacional, jurídico, etc. 

Como exemplos, podemos citar empresas que contratam serviços tecnológicos sem a necessária compreensão técnica específica sobre o objeto contratado vindo a enfrentar problemas posteriores. Considerando a posição de “desvantagem” técnica e informacional da empresa neste caso, poderá ocorrer sua equiparação como consumidora.

O mesmo ocorre na maioria dos casos envolvendo empresas que contratam serviços bancários perante grandes instituições financeiras vindo a alegar posteriormente que são consumidoras devido a hipossuficiência jurídica, econômica e informacional. 

Principais diferenças entre Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva

Como vimos ao longo do artigo, a responsabilidade civil subjetiva exige a comprovação de culpa ou dolo, sendo a regra geral no Direito Civil, enquanto a objetiva independe de culpa, bastando demonstrar o dano e o nexo causal, geralmente baseada em leis específicas ou no princípio do risco.

Na subjetiva, o ônus da prova recai sobre o lesado, enquanto na objetiva é simplificado, aplicando-se frequentemente em casos de relações de consumo e atividades de risco.

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Fontes:

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n.

BECK, ULRICH. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião. Nascimento. Editora 34, São Paulo: 2010.

TARTUCE, Flávio. Manual de Responsabilidade Civil – Vol. Único. São Paulo: Método, 2018. 

MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª Ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2006.

NEY JUNIOR, Nelson; ANDRADE, Rosa Maria de. Código civil comentado. 13. Ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2019.

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