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A sustentabilidade deixou de ser uma mera tendência para se consolidar como um imperativo, complexo e de longo prazo, especialmente para as empresas estatais. Muito além de um foco restrito à preservação ambiental, esse conceito holístico abrange a busca pela equidade social e o desenvolvimento econômico, com ênfase nas necessidades atuais sem comprometer as necessidades das gerações futuras.
Para as empresas estatais, adotar essa agenda de maneira plena oferece a chance de inovar, explorando novas oportunidades de negócios que gerem valor à sociedade como um todo. No entanto, a incorporação dessa pauta também traz riscos e dilemas, muitas vezes desafiadores – nem sempre positivos – e que demandam uma cuidadosa reflexão e adaptação.
O tema está ganhando ainda mais relevância à medida que as empresas estatais ampliam sua participação na economia global. Entre 2000 e 2023, o número de estatais entre as 500 maiores empresas do mundo saltou de 34 para 126, acumulando US$ 53,5 trilhões em ativos e mais de US$ 12 trilhões em receita. No ano passado, 12% da capitalização de mercado global era de empresas com mais de 25% de participação do Estado[1].
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Pensando nesses números, entendemos que as estatais possuem papel crucial em setores intensivos em carbono, como energia e transporte, tornando-se fundamentais no apoio aos esforços nacionais de descarbonização. Além disso, atuam em áreas estratégicas como finanças e prestação de serviços públicos, essenciais para o desenvolvimento sustentável.
Com essa crescente importância, essas empresas enfrentam pressões para adotar práticas sustentáveis e de gestão responsável, especialmente na atual “era da mudança climática” que tem implicações significativas na qualidade de vida da população, sobretudo, dos segmentos mais vulneráveis.
Nesse cenário, os governos podem exercer diversas funções que incluem: estabelecer metas climáticas ambiciosas, implementar políticas adequadas – como mecanismos de precificação de carbono e regulamentações –, facilitar a cooperação internacional por meio de acordos e iniciativas globais, desenvolver infraestrutura resiliente ao clima e incentivar mudanças comportamentais.
No caso específico das empresas estatais, o desafio é incorporar de forma definitiva a sustentabilidade e a transição para uma economia de baixo carbono em seus processos, práticas corporativas e políticas públicas. Essa integração é necessária para atender às demandas internacionais, às expectativas dos consumidores/cidadãos e às exigências dos acionistas, quando a empresa é listada na bolsa de valores.
Portanto, qual o caminho devemos seguir? Para responder essa pergunta nada trivial, a recente publicação da Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE)[2] traz alguns caminhos promissores que os governos pelo mundo vêm adotando para avançar nessa agenda, com especial atenção ao papel das empresas estatais nesse processo. A figura a seguir organiza as iniciativas em quatro frentes principais:
No setor financeiro, a sustentabilidade pode e tem sido utilizada para definir os critérios e decisões de investimentos em projetos que canalizam recursos e valorizam o processo de transição justa. Com exemplo, no ano passado, o setor público emitiu US$ 394 bilhões em títulos verdes, refletindo a crescente preocupação dos governos com fatores de sustentabilidade na gestão da dívida soberana.
Nessa seara de finanças sustentáveis, seguindo as experiências da União Europeia, o governo tem avançado no plano de ação da Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB) de modo a implementar um sistema de classificação com critérios para definir atividades e setores econômicos que mais contribuem para uma economia ambientalmente integrada[3].
Em paralelo, a política de compra (sustainable public procurement) serve como um instrumento para influenciar a prestação de serviços e, principalmente, a produção de bens ecologicamente responsáveis. Também com vistas a equilibrar aspectos econômicos, sociais e ambientais, a estratégia de aquisição pública verde (green public procurement) foca na compra governamental de produtos e serviços ambientalmente menos impactantes quando se considera todo longo do ciclo de vida envolvido e já é implementada pelas empresas estatais em quase todos os países que compõem a OCDE.
A terceira frente refere-se às políticas de clima e sustentabilidade que são incorporadas tanto pelas empresas estatais como também incentivadas nas parcerias público-privadas (PPPs), mobilizando recursos e expertise do setor privado para avançar em metas de sustentabilidade e desenvolvimento, sobretudo, nos setores de energia, transporte e serviços públicos essenciais (água e saneamento).
Ademais, os governos têm aprovado políticas de propriedade estatal aliado a esse propósito, como a Finlândia que incluiu os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nas missões das estatais, a Suíça que estabeleceu metas específicas nessa seara para suas empresas em mandatos de quatro anos após consulta intergovernamental e posterior aprovação do Conselho Federal, bem como a Alemanha com seu Código de Sustentabilidade aplicável tanto a empresas públicas quanto às privadas.
A última vertente de atuação envolve produção e disseminação de dados e construção de capacidades nas estatais para estabelecer expectativas claras sobre as metas de sustentabilidade, mediante treinamentos, materiais educacionais, eventos de capacitação e manuais. Na Suécia, por exemplo, todas as empresas controladas pelo Estado devem reportar dados e informações sobre clima e sustentabilidade, enquanto o governo holandês criou o Manual de Sustentabilidade, em 2022, que visa facilitar a implementação de dessa política nas suas estatais.
Embora a proliferação dessa agenda seja intensa e abrangente nas empresas estatais pelo mundo, esse processo não é isento de obstáculos e riscos. Primeiro, a incapacidade de se adaptar rapidamente às exigências do mercado pode levar à perda de valor de mercado e até a boicotes dos consumidores. A ausência de uma legislação clara e específica sobre compras verdes e sustentabilidade nas decisões corporativas também representa um risco para dirigentes, conselheiros e funcionários, que ficam mais vulneráveis a processos por órgãos de controle e a danos à reputação institucional da empresa.
Esse cenário gera incertezas e eventual postura aversa a inovação na gestão das estatais. Por fim, implementar práticas e políticas de sustentabilidade, especialmente diante dos altos custos associados à transição para uma economia de baixo carbono não é simples. Despesas com mobiliário, equipamentos e veículos sustentáveis tendem a ser mais onerosos, reduzindo a lucratividade, causando déficits e limitando a capacidade de novos investimentos. Isso pode resultar em perda de competitividade e participação de mercado, já que empresas privadas, sem a obrigação de seguir essas diretrizes, podem ser mais eficientes.
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Em síntese, a sustentabilidade evolui como um fenômeno irreversível, sobretudo, para empresas estatais em setores de alta emissão de carbono. As exigências, inerentes de uma economia global cada dia mais interconectada, têm levado os governos ao redor do mundo a adotar medidas efetivas para estimular suas empresas a incorporarem práticas sustentáveis.
No entanto, trata-se de um processo necessário, mas ainda em curso, na medida os altos custos de transição para uma economia de baixo carbono e a ausência de legislação específica para essas corporações ainda representam desafios significativos para as estatais, que precisam equilibrar a pressão por resultados financeiros e o compromisso com a sustentabilidade no seu sentido ampliado, enfrentando riscos de perda de legitimidade, eficiência, competitividade e participação de mercado.
Portanto, a priorização dessa agenda abre um terreno fértil para o setor público, em especial a essas empresas, de liderar pelo exemplo, fazendo o diferencial nos seus modelos de negócios e contribuindo para influenciar positivamente os demais agentes econômicos.
[1] OECD (2024), OECD Guidelines on Corporate Governance of State-Owned Enterprises 2024, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/18a24f43-en.
[2] OECD (2024), Ownership and Governance of State-Owned Enterprises 2024, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/395c9956-en.
[3] https://www.bcb.gov.br/noticiablogbc/17/noticia.