Exame de recentes propostas de regulamentação das emendas ao orçamento

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Nos últimos dias, foram apresentados os projetos de lei complementar (PLPs) 172 e 175, ambos de 2024.[1] O primeiro, no Senado, e o segundo, na Câmara dos Deputados.

As iniciativas, não idênticas, mas similares quanto aos seus dispositivos, visam, ao que parece, a contornar os problemas apontados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em recentes decisões, acerca da execução de emendas parlamentares ao orçamento da União.

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As proposições, num rápido exame, apresentam um aspecto positivo, um indiferente e um discutível. Seus saldos, porém, não se afiguram neutros. Pesa, desfavoravelmente, não ser por elas possível mudar o cerne da questão, qual seja: o fato de as emendas ao orçamento serem tratadas, por dispositivos constitucionais, como entes autônomos, com vida para além do processo legislativo.

Em recentes julgamentos, já no segundo semestre de 2024, o STF pôs em xeque questões associadas à execução de programação oriunda de emendas orçamentárias e fixou as linhas pelas quais tais questões devam ser contornadas.[2] Em suma, os problemas identificados pela corte referem-se ao caráter quase absoluto atribuído à noção de obrigatoriedade associada a tal execução.

Pulverizada entre milhares de emendas, parte das ações estatais teria de ser executada de qualquer forma, ainda que normas aplicáveis ou um sentido de planejamento recomendassem não o fazer em dado momento.

Em face disso, o STF fixou o entendimento de que as programações decorrentes de emendas ao orçamento, em que pesem algumas particularidades, sujeitam-se às mesmas balizas legais e técnicas a que se submete o resto (consistente na maior parcela) da programação.

Depois, a corte determinou a suspensão do arranjo vigente, o qual atribui a tais emendas um caráter impositivo praticamente absoluto, até que os poderes executivo e legislativo encontrem forma de regular a matéria de modo diverso, conforme princípios gerais de direito financeiro (planejamento, transparência, impessoalidade etc.).

Os PLPs 172 e 175, ao que tudo indica, almejam ser uma saída para o imbróglio. De positivo, delineiam alguma regulamentação para as denominadas “emendas Pix”. Tais emendas, de iniciativa individual (de cada congressista), viabilizam a transferência especial de recursos federais para estados e municípios, a teor do disposto no art. 166-A da Constituição, de forma direta, sem maiores formalidades ou amarras legais e sem a indicação da finalidade a que os valores se destinam.

Numa tentativa de tornar esse procedimento mais transparente, os referidos projetos de lei trazem dispositivos que, se aprovados, obrigariam: a) o autor da emenda a informar o seu objeto; b) o beneficiário dela a informar “a agência e a conta corrente específica” para o depósito dos recursos; e c) os órgãos executores a comunicar o pagamento de tais recursos aos competentes órgãos de controle externo, aí incluído o Tribunal de Contas da União (TCU).

Positiva que seja a abordagem em relação às ditas “emendas Pix”, se essas providências atenderiam às demandas feitas pelo STF é algo a ser discutido no eventual trâmite dos projetos de lei.

Para além do que dispõem sobre tais emendas, os PLPs 172 e 175 não parecem trazer melhorias significativas e, numa ou outra questão, podem vir a gerar insegurança jurídica. Várias de suas disposições consistem em normas de processo legislativo e de execução referentes aos outros tipos de emendas (as individuais não classificadas como “Pix” e as coletivas, essas últimas de iniciativa das bancadas estaduais ou das comissões permanentes).

No que tange à fase de execução da programação orçamentária definida por essas emendas, os projetos em comento estabelecem regras que, de modo geral, já fazem parte do arcabouço normativo aplicável ao tema. Tal é o caso, por exemplo, do artigo 17 do PLP 172, onde se diz que “[a] fiscalização da execução das emendas parlamentares será realizada pelo Tribunal de Contas da União, pelos tribunais de contas estaduais e municipais, quando for o caso, e pelos órgãos de controle interno competentes”.

Nesse ponto, o dispositivo apenas corrobora o que já consta de normas vigentes, como os artigos 70 e 71 da Constituição, os quais tratam da “fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta”. Salvo melhor juízo, essa parece ser uma tônica dos dois projetos de lei.

Já no que toca ao processamento legislativo das emendas, os projetos trazem inovações que, boas ou não, seriam próprias de resolução do Congresso Nacional (ou, o que dá no mesmo, de seu regimento comum), não de projeto de lei. Isso, a teor do disposto no caput do art. 166 da Constituição.

Nesse caso, na hipótese de um dos dois projetos de lei transformar-se em norma jurídica com o texto original, estar-se-ia diante de insegurança a afetar as bases de aprovação do orçamento da União. Assim seria porque, de um lado, haveria o risco de declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos atinentes aos trâmites congressuais. De outro, porque, em face de conflito entre procedimentos definidos em diplomas legais distintos, poderiam emergir insuperáveis divergências interpretativas.

Ante uma situação concreta, alguns poderiam entender que a solução passaria pela aplicação da nova lei, sendo ela a norma mais recente, ao passo que outros defenderiam a aplicação do disposto no regimento comum. De uma forma ou de outra, estariam lançadas notas que, a despeito do intuito de melhorar o processo, torná-lo-iam mais confuso.

Uma fonte particular de confusão residiria na indicação de prioridades a serem observadas nos trâmites legislativos do orçamento anual. Tanto o PLP 172, em seu art. 9º, quanto o PLP 175, no art. 3º, §3º, estabelecem que tal indicação deva ser feita, até 30 de setembro de cada ano, pelos “órgãos executores de políticas públicas”.

O objetivo, nesse caso, pelo menos segundo a justificação que acompanha o PLP 172, é o de alinhar “as emendas parlamentares e as políticas públicas”. Os dispositivos mencionados, dessa forma, facilitariam “a compatibilização das emendas com os planos governamentais, promovendo uma alocação mais eficiente dos recursos”.

O propósito, obviamente, é alvissareiro. Entretanto, não deveria ser objeto do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias, peças cujas funções incluem a de estabelecer prioridades para a administração pública, a teor do que dispõe o art. 165, §§ 1º e 2º, da Constituição? Em vez da criação do tal mecanismo de indicação de prioridades, mais adequado seria avaliar como dar maior efetividade ao que já preveem as normas vigentes sobre o assunto.

Ao fim e ao cabo, a grande questão a ser resolvida não estaria ao alcance dos PLPs 172 ou 175, de 2024, ou de qualquer peça infraconstitucional. Claro, há meios de incrementar a transparência associada às emendas parlamentares por meio de alterações nas normas internas do Congresso (naquilo que se refere ao processo legislativo) ou por meio de edição de lei complementar (naquilo que diz respeito à fase de execução do orçamento).

A questão de fundo, porém, restaria intocada. Trata-se da estatura que, nos últimos dez anos, deu-se às emendas ao orçamento. Como dito em outras oportunidades, de um instrumento de processo legislativo, elas passaram, nesse período, a gozar de força normativa própria.[3]

Ocorre que emendas são apenas mecanismos à disposição dos parlamentares para a sugestão de alguma mudança numa proposição em trâmite nas casas legislativas. Após um projeto de lei ser aprovado e transformado em norma jurídica, ninguém cogita de vincular trechos da nova peça legal às emendas que deram origem a tais trechos e aos autores de tais emendas.

Isso, entretanto, é o que se passa em relação ao orçamento federal pelo arranjo dado ao tema por dispositivos constantes, notadamente, dos artigos 166 e 166-A da Constituição. Nesse caso, a correção de rota só poderia ser objeto de uma emenda constitucional.

Os rumos que serão dados aos PLPs 172 e 175 não são conhecidos. Pode ser que um ou outro seja rapidamente aprovado. Pode ser também que ambos acabem relegados a segundo plano ou que sejam preteridos por uma terceira proposição. De todo modo, indo ou não adiante, vale o exame dos projetos numa tentativa de chamar a atenção para, pelo menos, dois pontos.

Um deles consiste em evitar situações que possam gerar insegurança jurídica, como tratar questões de processo legislativo orçamentário, próprias de resoluções do Congresso, em lei. O outro consiste em avaliar a mudança do modelo vigente para as emendas ao orçamento por meio de alteração no texto da Constituição. Seria pertinente levar esses dois pontos em consideração quando do trâmite dos PLPs 172 e 175 ou de qualquer proposta similar.

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As opiniões aqui expressadas e os erros porventura existentes são de exclusiva responsabilidade do autor


[1] Ver Projeto de Lei Complementar no 172, de 2024, Atividade Legislativa, Senado Federal, <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/165925>, acesso em 30/10/2024; PLP 175/2024, Câmara dos Deputados, <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2417358>, acesso em 3/10/2024.

[2] Ver as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) n. 7688, 7695 (sobre as chamadas “emendas pix”, referentes às transferências especiais a que faz menção o art. 166-A, I, da Constituição) e 7697 (sobre o caráter impositivo dado a programações orçamentárias oriundas de emendas parlamentares).

[3] Ver Graca, L.O.B., “Emenda ao orçamento: só instrumento de processo legislativo, não algo vinculante”, JOTA (1º/10/2024), <https://www.jota.info/artigos/emenda-ao-orcamento-so-instrumento-de-processo-legislativo-nao-algo-vinculante>, acesso em 30/10/2024; Graca, L.O.B., “As emendas impositivas ao orçamento e o originalismo à brasileira”, JOTA (11/10/2024), <https://www.jota.info/artigos/as-emendas-impositivas-ao-orcamento-e-o-originalismo-a-brasileira>, acesso em 30/10/2024.

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