Você já deve ter conhecido alguém que prefere guardar dinheiro debaixo do colchão em vez de deixar no banco. Pode parecer algo diferente e não tão racional. Agora, se essa pessoa mora no Japão desde 2016 pode ser melhor do que deixar no banco.
Na década passada houve um “experimento macroeconômico”, se pudermos chamar assim. Alguns países adotaram taxa de juros negativas em meados de 2014, ou seja, se você emprestasse dinheiro para o governo, ele iria devolver menos do que você investiu. Trazendo em números, seria como se você comprasse US$ 1000 dólares em títulos do governo, e daqui um ano recebesse US$ 990.
Você não leu errado, é isso mesmo. Por si só, já é algo difícil de conceber, especialmente porque estamos acostumados a ver a taxa de juros como o custo do dinheiro ao longo do tempo. A ideia do artigo de hoje é explorar um pouco mais essa situação incomum, que se encerrou no mundo apenas em 2024.
Taxa de juros
Antes de tudo é preciso entender o que é a taxa de juros. Como falei, ela representa o custo do dinheiro ao longo do tempo. Se um investidor pegar US$ 100 emprestados hoje para devolver em uma data futura, será cobrado um preço para isso. Esse preço é chamado de juros. Aliás, se quiser entender mais sobre taxa de juros, escrevi um artigo sobre esse assunto: Como a taxa de juros impacta o nosso dia a dia e influencia a inflação? (avenue.us).
O convencional é que, se um investidor pegar US$ 100 emprestados hoje, irá devolver US$ 100 mais algum juros. Acontece que isso só é válido se a taxa de juros for positiva. Caso ela seja negativa, ele pegaria US$ 100 emprestados e devolveria um valor menor que esse.
Uma outra forma de entender a taxa de juros negativos é através dos depósitos bancários. Normalmente, um investidor recebe uma remuneração para deixar o dinheiro depositado no banco. Essa taxa comumente gira em torno da taxa básica do país, como o Fed Funds Rate, nos EUA ou a taxa Selic, no Brasil. Em um ambiente com taxa de juros negativas, o investidor teria que pagar para manter o depósito no banco.
Assim, fica claro que esse tipo de medida serve, principalmente, para incentivar o consumo e não a poupança, uma vez que guardar dinheiro no banco teria um custo, enquanto gastá-lo estimularia a economia.
Impactos de uma taxa de juros negativas
O principal e mais esperado resultado dessa medida é o incentivo ao consumo. Essa abordagem é conhecida por ser ultra ‘dovish’, termo utilizado para descrever uma política monetária expansionista. Em outras palavras, o acesso ao dinheiro se torna mais fácil e barato, inclusive o acesso ao crédito, impulsionando a economia do país que adotar essa política.
Outro objetivo dessa medida é o aumento da
o exemplo do Japão, desde a década de 90 os preços estiveram estáveis, e só foram realmente subir em 2022, seguindo as pressões inflacionários do mundo todo, causadas, em sua grande parte, pela massiva emissão monetária após o COVID-19.
O gráfico abaixo mostra a inflação japonesa desde junho de 1994 até maio de 2024, com destaque para o período dentro do retângulo vermelho, de preços praticamente estáveis.
Fonte: Koyfin
E o Japão buscou essa inflação pois boa parte dos países seguem uma política chamada de “meta de inflação”, ou seja, eles têm uma meta básica de aumento generalizado de preços todos os anos. Taxa de juros negativas é um incentivo descomunal para que o consumo aumente, e, consequentemente, o nível de preços, em certa medida.
Ainda neste gráfico, o período do final da década de 90 até 2014 foi caracterizado por uma deflação, que é a queda generalizada do nível de preços. Em um primeiro momento, isso pode parecer positivo, produtos e serviços ficando mais baratos, ampliando o acesso para toda a população.
Mas a realidade é diferente. Se os preços estão caindo, os consumidores deixarão de gastar para poupar, esperando que nos próximos meses os bens que iriam adquirir fiquem ainda mais baratos. E isso retroalimenta a queda dos preços, puxando a economia pra baixo, trazendo prejuízos aos negócios e contração nos empregos.
Quais países adotaram essa política?
Apesar de eu ter citado o Japão, ele não foi o único país que adotou essa medida. Abaixo temos um gráfico dos Bancos Centrais que implementaram a política de taxa de juros negativas. O Banco Central da Suécia está em amarelo, o Banco Central da Suíça em marrom, o do Japão em vermelho e em azul o Banco Central Europeu. Esse último merece um destaque.
A zona do Euro, desde meados de 2014, manteve sua taxa de juros na região negativa, impulsionando o consumo na Europa. Indo além, uma taxa nesse nível significa que os banco teriam que pagar para deixar seus fundos no Banco Central do país, prática comum entre eles. Isso aumenta ainda mais o incentivo para não deixar dinheiro ‘parado’, e estimular empréstimos e financiamentos.
Fonte: Reuters
Chegou ao fim?
Em março de 2024, o Japão subiu sua taxa de juros, de -0,1% para uma faixa entre 0% e 0,1%. Apesar de parecer uma variação baixa, ela tem um caráter muito significativo: indicou o fim da era das taxas de juros negativas. Ainda é cedo para entender se essa política surtiu o efeito esperado, ou resultou em pouco crescimento econômico, além de uma desvalorização da moeda.
A certeza é que foi um experimento, algo ainda com menos estudos na academia, historicamente falando. Períodos de taxas muito baixa ou até menores que zero devem ficar um bom tempo fora do radar, ainda mais dada a nova dinâmica do mundo pós-covid, com taxas de juros mais altas, nearshoring, e conflitos geopolíticos.
Referências:
Juros no Japão: por que país deixou de ser último país com taxa negativa do mundo – BBC News Brasil
Back to Basics: What Are Negative Interest Rates? – IMF F&D
What Is a Negative Interest Rate, and Why Would We Have Them? (investopedia.com)
Era of negative interest rates unlikely to be revisited soon | Reuters
JAPANCONPRIINDCPI – Price & Volume (koyfin.com)
Japan: the yen plunges to 34-year low despite interest rate hike (theconversation.com)
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