Litigância predatória ou abusiva: um caso de Análise Econômica do Direito

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A litigância é um fenômeno factual, que ocorre na realidade do mundo dos fatos. A ciência do direito, se for uma ciência, é fundamentalmente uma ciência normativa e, portanto, não trabalha com essa realidade do mundo dos fatos.

A litigância é, portanto, campo fértil para Análise Econômica do Direito (AED), como aquele campo interdisciplinar da teoria jurídica que se vale das ferramentas da Economia para predizer e descrever comportamentos: no caso, a decisão por litigar.

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Recentemente o CNJ, como órgão responsável pelas políticas públicas judiciais, baixou ato normativo com recomendações aos juízes. O tema já estava em discussão no STJ em julgamento de tema Repetitivo em que se discute, entre outras coisas, poderes cautelares dos juízes para proteção do sistema público de justiça contra o uso abusivo ou predatório.

O caso do STJ já está bem avançado e envolve caso concreto de litigância predatória praticado supostamente por advogados em situações de prática de atos de angariamento de clientes contrariamente aos ditames do Código de Ética (CEOAB), falsificação de procurações, entre outras práticas condenáveis que podem ser explicados pela AED.

Tratando-se o Judiciário de um sistema público financiado pelos contribuintes, nada mais adequado que juízes, como representantes da sociedade (ou seus agentes), cuidem de como as partes utilizam daquele sistema.

Nessa esteira, sem limites ou custos impostos pelo regulador da profissão (OAB), é esperado, também sob a ótica da AED, que advogados possam descurar das regras éticas e legais da profissão. Como diria Gary Becker, a probabilidade de sanção importa. Não tenho dados, mas acredito que o enforcement de regras éticas pela OAB seja baixo no país, comparado a outros países.

Ao mesmo tempo que as partes – autor e réu – igualmente podem agir oportunisticamente (do ponto de vista econômico); daí a necessidade de se atentar para seu comportamento na Justiça. Acesso à justiça não é necessariamente acesso ao Poder Judiciário, até porque ele tem custo para os contribuintes. É acesso a uma solução justa e eficiente, que pode envolver soluções extrajudiciais e consensuais como a plataforma do consumidor.gov.br administrada pelo Ministério da Justiça ou mesmo acordos ou mediações intermediadas por advogados.

Mas mais interessante, no plano da AED, é a normativa do CNJ, porque ela parte de premissas de teoria econômica do processo, mencionando expressamente em seu texto o custo da justiça, o comportamento processual e presume implicitamente as premissas teóricas da teoria econômica da litigância.

Infelizmente, o debate sobre esse fenômeno vem mobilizando algumas lideranças da OAB como se a discussão científica em tela proposta pudesse colocar em risco o acesso à justiça e “criminalizar” o exercício da advocacia. Muito antes pelo contrário, o combate ao abuso do uso do processo – seja do autor ou do réu – instrumentalizado por seus advogados resgata a profissão. Nada há na discussão contra o advogado, peça indispensável à justiça.

Até mesmo o Judiciário tem um papel fundamental. Juízes que não seguem precedentes incentivam desnecessariamente a litigância e provocam comportamentos processuais que aumentam os custos dos contribuintes, porque fazem com que partes tenham de recorrer desnecessariamente para temas já enfrentados pelos Tribunais Superiores. Afinal, já temos um dos judiciários mais caros do mundo em percentual do PIB e gastamos muito mais em disputas do que em saneamento básico, por exemplo!

Os efeitos deletérios da litigância predatória são notórios e por limitação de escopo não poderemos trabalhar aqui, mas ela requer um estudo desapaixonado, baseado em dados e evidências e longe de interesses corporativos de todos os stakeholders do processo.

Precisamos de mais empresas, de mais inovação, de mais desenvolvimento. E advogados têm um papel fundamental nisso, estruturando negócios como “engenheiros dos custos de transação”. A profissão não precisa estar vinculada a processar alguém no sistema público de justiça. Já pensou se dermos fé pública a advogados para escrituras públicas, retirando o monopólio dos tabelionatos? Não é melhor que licença indiscriminada para processar?

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