MPF aciona a Justiça para pedir anulação da norma do CFM contra aborto legal

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O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou na última segunda-feira (8/4), em conjunto com a Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), uma ação civil pública contra a Resolução 2.378/2024 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que estipula uma nova restrição a realização do aborto legal para vítimas de estupro. Leia a ação na íntegra.

Na ação, o MPF pede a nulidade da resolução do órgão que, ”a pretexto de regulamentar ato médico, inviabiliza a realização de aborto em meninas e mulheres vítimas de violência sexual, em casos de estágio avançado de gravidez”.

Um dos objetivos do MPF e das entidades relacionadas à saúde com a ação é de afastar restrições indevidas de acesso à saúde por vítimas de estupro que engravidem, impedindo que consigam realizar o procedimento de forma célere e em conformidade com a previsão legal.

A ação conjunta destaca que, ao editar a norma, o CFM ”usurpou competência do Congresso Nacional para legislar sobre o tema”. Além disso, afirma que ”ao limitar indiretamente o acesso ao aborto legal, a resolução acrescentou uma barreira à integralidade de cuidados à saúde, violando o Código de Ética Médica e tratados internacionais de Direitos Humanos”. “O Estado e a comunidade médica devem assegurar o acesso ao procedimento abortivo de forma segura, rápida e sem burocracia”, afirma o documento.

Também defendem que, com a resolução, o CFM extrapola suas prerrogativas regulatórias e afronta os preceitos ético-jurídicos que norteiam a prática médica, comprometendo a independência profissional e a obrigação de assegurar a excelência no exercício da medicina.

Segundo as entidades e o MPF, sob a ótica jurídica, a conduta do órgão representa uma transgressão às bases legais que fundamentam a autonomia e a integridade da profissão médica. ”Quando o Conselho Federal de Medicina, ainda que indiretamente, estabelece uma Resolução que restringe o direito de meninas e mulheres vítimas de estupro ao aborto legal, nos termos previstos em Lei (art. 128, II, do Código Penal), vai de encontro aos limites da reserva legal e ultrapassa os limites de sua atuação”, pontua o documento.

Por fim, argumentam que a instabilidade jurídica gerada pela edição da norma acaba por retardar ainda mais a realização do aborto legal, levando eventualmente à necessidade de aguardar uma autorização judicial para que os médicos possam realizar o procedimento, da forma que entendem mais adequada, sem o risco de sanções pelo conselho de classe.

”Assim, procedimentos que poderiam ser realizados nas semanas 23 ou 24 da gestação serão postergados, aumentando os riscos à vida de meninas vítimas de violência sexual”, diz o texto.

Por isso, requerem a concessão de tutela de urgência, de natureza cautelar, para suspender a eficácia da Resolução CFM 2.378/24 até o julgamento final da demanda. A medida permitirá que os médicos adotem os meios técnicos e científicos disponíveis que visem aos melhores resultados na realização de aborto previsto em lei, independentemente da semana de gestação.

Exigência de esclarecimentos do CFM

No dia 4/4, o Ministério Público Federal cobrou explicações do CFM sobre a norma da entidade, publicada pelo órgão no último dia 3/4. No ofício, o MPF buscava saber qual era a fundamentação técnica e legal que o CFM utilizou para elaborar a resolução.

Segundo o Ministério Público, ao vedar a realização da assistolia fetal, o texto normativo refere-se a “casos de aborto previsto em lei, ou seja, feto oriundo de estupro, quando houver probabilidade de sobrevida do feto em idade gestacional acima de 22 semanas”.

No documento enviado ao órgão, o MPF estabeleceu o prazo de 5 dias úteis para que o Conselho enviasse os devidos esclarecimentos requisitados. O ofício do MPF foi assinado por procuradores da República de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Leia o ofício na íntegra.

Em nota, o MPF ressaltou que a legislação brasileira não fixa nenhum prazo de gravidez para que mulheres solicitem o procedimento do aborto. ”O direito ao aborto é garantido legalmente em qualquer estágio da gestação quando ela é resultante de violência sexual, assim como nos casos de anencefalia fetal e de risco à vida da mulher”, afirma o Ministério Público Federal.

Entidades já haviam acionado o STF

Na última sexta-feira (5/4), a SBB, outras entidades relacionadas à saúde e o PSOL apresentaram um pedido de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a resolução do CFM.

No documento, as entidades argumentam que a norma do CFM, que impede a realização de assistolia fetal (procedimento que consiste na aplicação de um produto químico que induz à parada do coração do feto em abortos legais) acima de 22 semanas de gestação, contraria expressamente as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS). “A OMS expressamente estabeleceu o procedimento como sendo o melhor padrão em termos de medicina baseada em evidências e como parâmetro civilizatório científico para os seus estados membros”, afirma o texto.

A liminar apresentada, assinada também pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e pelo Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), destaca que a decisão fere o direito fundamental à saúde e o acesso ao melhor cuidado possível. No documento, as entidades também destacam que desde a publicação da resolução foram registrados ao menos quatro casos de meninas que foram vítimas de estupro, que não conseguiram fazer o procedimento antes das 22 semanas gestacionais, “e estão impossibilitadas de efetivar seu direito, previsto desde 1940”.

”Nesse sentido, as condições que suscitaram a propositura da presente ação não apenas se mantém como se agravaram, de modo a retroceder no direito à saúde e no dever de prevenir e erradicar a violência contra meninas e mulheres, como também há mais uma barreira ao aborto legal, que é um ato administrativo normativo de uma autarquia federal, a Resolução 2.378/2024 do Conselho Federal de Medicina”, diz o texto. Leia o documento na íntegra.

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