O acesso à saúde e as doenças raras

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O último dia do mês de fevereiro marcou a passagem do Dia Mundial e Nacional das Doenças Raras, uma data que foi criada para sensibilizar governantes, profissionais de saúde e a população sobre a existência dessas doenças, bem como sobre os cuidados que elas exigem para os pacientes e os impactos que geram em todo o entorno familiar e na sociedade. Justamente por serem raras, estas doenças acometem uma pequena parcela da população mundial. No Brasil estima-se que aproximadamente 6% da população, algo em torno de 13 milhões de habitantes, seja portador de alguma doença rara.

Em artigo publicado em 2021 – Doenças raras, bioética, o SUS e a sociedade – já dissemos que as doenças raras são um tema que afeta o direito das minorias e todo o seu entorno familiar; que é comum pacientes levarem anos antes de obterem o diagnóstico correto, circulando na rede de serviços do SUS e realizando terapias equivocadas; que lamentavelmente os pacientes somente conseguem obter o tratamento após se socorrerem do Poder Judiciário; e que era passada a hora da sociedade ter um olhar diferente sobre o tema.

Agora estamos em 2024 e, infelizmente, a realidade nos mostra que o tempo passou e muito pouco foi feito, de concreto, para a melhoria do acesso ao diagnóstico e tratamento das doenças raras aqui no Brasil. Pode ser que alguém diga que essa afirmação não é correta, já que de 2021 até 2024 muito se falou sobre o tema e alguma normatividade foi criada ou aprimorada. Ou alguém que lembre que, em 30 de janeiro de 2024, a Portaria que institui a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras completou dez anos. Um fato que deveria ser celebrado.

Mas, de que adianta dez anos de vigência de uma portaria tão importante como essa se, na prática, ela não possui os efeitos esperados? O que de fato importa ao paciente de doença rara é a concretude! Afinal e infelizmente, a realidade nos mostra que aproximadamente 30% dos pacientes acometidos por alguma doença rara morre antes dos 5 anos de idade. São crianças que não possuem tempo de vida para esperar pelo acesso ao diagnóstico e tratamento da sua doença. Que não podem conviver apenas com a mera retórica e a abstração principiológica e filosófica.

Sendo a saúde um dever do Estado (art. 196 CF) e a derivação imediata da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III CF) e do direito a uma vida que há de gozar de qualidade, o Estado assume papel de destaque no desempenho das ações voltadas à realização de tal direito e, portanto, precisa implementar ações concretas em relação à melhoria do acesso ao diagnóstico e tratamento das doenças raras.

Essa necessidade de o Estado melhorar o acesso ao paciente raro passa, dentre outros, por investir na qualidade dos centros de diagnóstico e na aprovação de uma normatividade que estabeleça diretrizes claras e ações concretas para a redução dos prazos de espera de diagnóstico dos pacientes que tenham suspeita de doença rara. É exatamente o que foi proposto no PL 6110/2023, que objetiva garantir que um paciente com doença rara possa se submeter ao primeiro tratamento de forma célere, no menor prazo possível de acordo com a sua necessidade terapêutica.

O PL 6610 foi apensado ao PL 5374/2020, que versa sobre as diretrizes para o tratamento de doenças raras no âmbito do SUS. Um projeto de 2020 que, por sua vez, está apensado ao PL 4345/2016, que objetiva criar centros de tratamento de doenças raras; que está apensado ao PL 3302/2015 e que, por sua vez, está apensado a outro projeto de lei, o de número 4691/2019 e que ainda está aguardando a designação de relator na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, apesar de tramitar com prioridade.

Por mais louvável que sejam os cinco projetos aqui mencionados, além dos outros 19 que estão apensados ao PL 4691 (somando-se 24 apensos), é fato que todas estas propostas de legislação tramitam no Congresso Nacional há muitos anos e, pelo ritmo que caminham, tendem a vagar pelo Legislativo por largo e duradouro tempo. Um período que é muito superior a todo o tempo de vida de 30% dos pacientes que são acometidos por alguma doença rara.

Veja essa simples linha do tempo de tramitação dos cinco projetos de lei que trouxemos acima e diga, se é verdadeira (ou não), a afirmação de que o tempo passou e pouco foi feito – de concreto – para a melhoria do acesso ao diagnóstico das doenças raras aqui no Brasil. O tempo passa para todos, mas, infelizmente, passa ainda mais rápido para um paciente que convive com uma doença rara.

Justamente pelo fato de que o cidadão com doença rara não possui tempo de vida para esperar é que se faz necessário dar concretude prática ao grandioso objetivo e à linda retórica que cercam todos esses projetos que tramitam no Legislativo brasileiro. O Dia Mundial e Nacional das Doenças Raras é importante para essa sensibilização, mas não basta para que um paciente e todo o seu entorno tenham uma vida digna.

Se de fato quisermos – como país – dar concretude prática e acesso adequado ao diagnóstico e tratamento das doenças raras é importante que cada cidadão vá além; que exerça sua voz junto a quem os representa no Congresso Nacional para que seja estabelecida uma célere normatividade com diretrizes claras e ações concretas para o acesso ao diagnóstico e tratamento das doenças raras.

O que também ajuda é a ativa participação social em consultas públicas que tratam sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde no âmbito dos sistemas de saúde pública e suplementar. E essa participação não é apenas para as doenças raras. É para todo o sistema de saúde do Brasil e que, portanto, afeta cada cidadão, tanto do sistema público de saúde (SUS) quanto do sistema de saúde suplementar (planos privados).

Este simples exercício de cidadania, que é aberto para toda a sociedade, pode auxiliar em um acesso à saúde de maior qualidade, mais eficiente e, ainda, na produção de ações governamentais mais democráticas e transparente. Basta acompanhar as consultas públicas em andamento pelos sites dos órgãos que cuidam destas diretrizes para a saúde pública (Conitec) e para a saúde suplementar (ANS) no Brasil, opinando (a favor ou contra) sobre o tema que está em consulta.

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