O novo patamar da pesquisa empírica em Direito no Brasil

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A realização da Conference on Empirical Legal Studies (CELS Global Brazil 2024) em São Paulo, de 5 a 7 de junho, representa um marco para os estudos jurídicos no país. Dos 46 trabalhos a serem apresentados nas sessões científicas, 23 são de autoria de brasileiros, demonstrando a crescente internacionalização da pesquisa jurídica nacional, com uma profusão de coautores de diversos países e instituições.

Conhecida por diferentes nomenclaturas, esse tipo de pesquisa avança em diversas frentes. No Brasil, a Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), criada em 2007, a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), de 2010, e a Rede de Estudos Empíricos em Direito (REED), de 2011, são exemplos de iniciativas de âmbito nacional. Em 2019, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sede do CELS Global Brazil, realizou a IX Edição do Encontro de Pesquisa Empírica em Direito, com 39 painéis e quase 400 trabalhos.

O debate sobre pesquisa empírica em Direito já existia em áreas como ciência política, economia e econometria antes da criação dessas associações e eventos. As primeiras discussões de pesquisas científicas e empíricas, com o exame de decisões judiciais, judiciário, produção legislativa e regulação com o uso de técnicas de inferência, surgiram no Encontro Nacional de Economia de 2006, da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Economia (Anpec), e no Encontro Brasileiro de Econometria do mesmo ano, da Sociedade Brasileira de Econometria[1].

Para entender o grau de internacionalização e o avanço da qualidade das pesquisas empíricas em Direito é necessário examinar o desenvolvimento da área fora do país, e os números da produção científica neste campo novo.

O gráfico mostra a quantidade de artigos, ano a ano, encontrados na base de dados do Google Acadêmico, uma boa aproximação da produção empírica em direito em um panorama internacional. O termo jurimetrics resulta em uma produção que inicia nos anos 60[2], com um crescimento constante, porém lento. Em sua origem nos EUA, e no Brasil a partir dos anos 70, o termo era ora definido como um campo de investigação do uso das ciências da computação em direito (incluindo nomes como informática, cibernética e jus-cibernética) ora, mais recentemente, como um campo de investigação do direito com técnicas quantitativas, de inferência causal[3].

Essa ascensão da jurimetria como campo de pesquisa empírica em direito parece explicar o crescente uso de técnicas estatísticas e econométricas. A linha amarela no gráfico, com a legenda “Econometric Analysis”, é resultado da busca de diferentes instrumentos e termos relacionados à análise causal (análise de regressão, p-value, modelos probit e outros) combinados com termos jurídicos (ações judiciais, sentença, etc.). A partir dos anos 90 essa análise mais robusta do Direito se descola da jurimetria, e experimenta grande avanço.

No início dos anos 70 Richard Posner publicou o seu “Economic Analysis of Law”, que deu origem a uma vasta linha de pesquisa examinando diversos aspectos das instituições jurídicas. Esse campo de pesquisas que ficou conhecida como EAD ou Law & Economics e encontra seu ápice em 2017, com a produção estacionando e sendo suplantada pelos Estudos Empíricos em Direito. Nota-se um crescimento explosivo dos estudos empíricos a partir de 2004, quando foi criado o Journal of Empirical Legal Studies.

O nome-chave por trás do desenvolvimento das pesquisas empíricas em direito é o do Professor Theodore Eisenberg, já falecido e que tive a rara oportunidade de conhecer e conviver em 2012 a partir do convite da Associação Brasileira de Jurimetria e de seu presidente, Professor Marcelo Guedes Nunes. Eu conhecia o trabalho do Professor Eisenberg desde o final dos anos 90, quando propus a jurimetria como um campo de investigação próprio para estabelecer relações causais e quantitativas de fenômenos jurídicos.

Eisenberg liderou o esforço de uma publicação específica para esta produção científica, o Journal of Empirical Legal Studies, em 2004, junto com Stewart Schwab, Jeffrey Rachlinski e Martin Wells. Stewart era, na época, o diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Cornell, onde Eisenberg lecionava, assim como Jeffrey, um pesquisador em Direito e entusiasta de economia comportamental e psicologia, e Martin, estatístico com produção não só em Direito, mas também em bioestatística, epidemiologia e políticas públicas.

A Universidade de Cornell entrava no mapa, assim, como o epicentro dessa revolução da pesquisa empírica em direito, e um dos mais destacados membros dessa tradição, o Professor Michael Heise, estará conosco em São Paulo durante o CELS Global Brazil 2024.

Em 2006 esse mesmo grupo iniciou a realização da Conference on Empirical Legal Studies, que veio crescendo em participação, diversidade e qualidade dos trabalhos desde então. Em 2015 a Society for Empirical Legal Studies (SELS), já bastante expandida e contando com membros das mais proeminentes universidades dos Estados Unidos, organizou o primeiro evento da série CELS Global, dentro deste espírito de internacionalização do movimento.

O chamado Junior Empirical Legal Studies Workshop aconteceu em Jerusalém em dezembro daquele ano, seguido da primeira Conference on Empirical Legal Studies na Europa em 2016, em Amsterdam. Em 2017 o Global CELS chegou à Ásia, com a realização da conferência em Taiwan, repetida em 2021, sob a liderança do Professor Yun-chien Chang, que agora nos ajuda no CELS Global Brazil. Um segundo evento aconteceu na Europa em 2018 em Leuven, na Bélgica, antes de chegar pela primeira vez ao Hemisfério Sul, com o evento de São Paulo.

Trazer o CELS para o Brasil, entretanto, requereu um longo caminho. No CELS de novembro de 2019, no Claremont McKenna College, perto de Los Angeles, na Califórnia, foram feitos os primeiros contatos com o Conselho Diretor da SELS, interrompidos pela Pandemia do Covid e retomados em 2022, durante a 16ª edição do evento, em Charlottesville, na Virgínia. A discussão e preparação de um detalhado projeto, e sua apresentação perante a Diretoria da SELS durante a 17ª edição do evento na Universidade de Chicago, em outubro de 2023, selaram a decisão de realizar o evento no Brasil, com o CEOE e um grande grupo de organizações liderando os esforços para sua preparação.

Foi montado o Comitê Executivo, com a inclusão de diversos dos pesquisadores e membros da SELS, incluindo Dawn Chutkow, editora do Journal of Empirical Legal Studies, Kathryn Zeiler, presidente do Conselho da SELS, William Hubbard, membro do conselho da SELS e organizador do CELS Chicago, e Yun-chien Chang, professor de Cornell, membro do Conselho da SELS e organizador das conferências em Taiwan. Os membros do SELS baseados nos Estados Unidos nos ajudaram com a experiência da SELS e com a divulgação entre as universidades americanas, o professor Stefan Voigt, da Universidade de Hamburgo, liderou os esforços de organização e de divulgação na Europa, e o professor Yun nos ajudou na divulgação na China e restante da Ásia.

Do grande esforço de divulgação resultou a submissão de mais de 110 trabalhos originais, dos quais foram escolhidos os 46 trabalhos na programação, através de um rigoroso processo de revisão duplo-cega das propostas. Os Comitê de Seleção e o Comitê de Programa, com ajuda do Comitê Executivo, trabalharam longa e meticulosamente na formação do banco de debatedores, procurando o melhor ajuste possível entre cada trabalho a ser apresentado e o debatedor designado. De fato, uma das marcas conhecidas do CELS é o grande nível e profundidade de suas discussões.

O resultado é não apenas um encontro de alto nível, mas um verdadeiro mapeamento da produção empírica de estado da arte e de nível internacional, em termos de pesquisa empírica em direito. O programa final atesta, de forma sonora, esse grande avanço das instituições e pesquisadores brasileiros.

[1] Os primeiros trabalhos utilizando técnicas de inferência causal no Brasil são de 2006, entre eles TAYLOR, Matthew M. Veto and voice in the courts: policy implications of institutional design in the Brazilian judiciary. Comparative Politics, p. 337-355, 2006, RIBEIRO, I. C.. O Formalismo Judicial é Sempre Prejudicial?. In: XXIV Encontro Nacional de Economia (ANPEC), 2006, Salvador. Anais do XXIV Encontro Nacional de Economia, 2006 e RIBEIRO, I. C.. Robin Hood versus King John: Como os Juízes Locais Decidem Casos no Brasil. In: IPEA. (Org.). Prêmio IPEA-CAIXA 2006 – Monografias Premiadas, 2007, v. 1, p. 23-61.

[2] O termo foi criado em 1949, por Lee Loevinger (Jurimetrics – The Next Step Forward. Minnesota Law Review, 33, 1949, 455), engrenando a partir de novo artigo do autor em 1963 e da criação de revistas especializadas (LOEVINGER, L.; Jurimetrics: The methodology of legal inquiry; Law and contemporary problems. 28(1), 1963, pp. 5-35).

[3] No Brasil esta orientação aparece pela primeira vez em RIBEIRO, Ivan Cesar, Avaliação do Risco de Ações Judiciais: Uma Abordagem Jurimétrica, Trabalho apresentado no VII Congresso de Administração Legal, Outubro de 1998. Disponível em SSRN: https://ssrn.com/abstract=2477006.

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