O que falta para a agropecuária de baixo carbono engatar no Brasil

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Este conteúdo faz parte da cobertura especial do G20 no JOTA, apoiada pelo Itaú Unibanco. Ele inicia uma série que abordará as prioridades no debate sobre soluções para a crise do clima, passando por: bioeconomia, agricultura de baixo carbono e logística sustentável

O Brasil é essencial para a alimentação global. Nossos produtos agropecuários alimentam cerca de 800 milhões de pessoas no mundo, segundo a Embrapa (2021). Ao mesmo tempo, essa produção, juntamente com a mudança no uso da terra – incluindo o desmatamento –, é responsável, direta ou indiretamente, por mais de  70% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) do país. Dados do Observatório do Clima apontam que as emissões no Brasil estão relacionados principalmente à agropecuária e à mudança no uso da terra – incluindo desmatamento para pastagens e lavouras. Esse cenário coloca o país diante de um grande desafio: promover a transição para uma agricultura de baixo carbono, conciliando produtividade e atingindo zero emissões líquidas de carbono até 2050.

O tema está nas principais discussões do G20, que este ano acontece pela primeira vez no país, em novembro. Direcionado pela presidência brasileira, o fórum internacional criou a Força-tarefa para Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que debate a segurança alimentar, e a Força-tarefa para Mobilização Global contra a Mudança do Clima. Há ainda as atividades paralelas do Grupo de Trabalho da Agricultura do G20, que foca na transformação e sustentabilidade dos sistemas agroalimentares e em modelos de comércio justo.

Por que investir em adaptação e mitigação

As emissões de GEE do agro podem ser divididas em várias categorias. Tendo em vista que no Brasil a matriz energética é majoritariamente renovável, as principais emissões vêm do uso da terra. Segundo o  Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), uma iniciativa do Observatório do Clima, a mudança no uso do solo foi responsável por 48% das emissões brasileiras de GEE em 2022, sendo, de longe, a atividade de maior impacto. A agropecuária vem em seguida, com 27%, especialmente, devido ao metano emitido pela fermentação entérica de 230 milhões de bovinos. Além disso, há o manejo do solo e o uso de fertilizantes nitrogenados, que liberam óxido nitroso.

Há outro número importante: o Brasil tem 5 milhões de produtores rurais, conforme o Censo Agropecuário de 2017. São eles que enfrentam diretamente as intempéries climáticas, reforçando a necessidade de adotarem estratégias de adaptação e mitigação. “Há consenso de que o aumento das temperaturas, a alteração no regime de chuvas e a maior frequência de eventos extremos, como secas e inundações, trarão consequências”, diz Mário Barroso, coordenador de monitoramento da The Nature Conservancy (TNC).

Ele explica que a produtividade média de grãos no Brasil pode cair entre 10% e 20% até 2050, dependendo da capacidade de lidar com os efeitos do clima. Além disso, as altas temperaturas podem afetar os comportamentos de floração e frutificação das plantas e forçar uma migração de cultivos para áreas mais ao sul, onde o clima será mais ameno. Na prática, em algumas décadas, o que hoje cresce no Centro-Oeste pode crescer no Sul ou até mesmo na Argentina.

Estes dados reforçam a importância de conciliar os investimentos em mitigação, isto é, na redução das emissões de GEE do setor, com investimentos em adaptação à nova realidade climática.

“O maior desafio nesse momento é a estruturação do seguro rural no Brasil. Os produtores rurais hoje não contam com um instrumento efetivo de proteção contra as intempéries climáticas, o que gera uma enorme insegurança em investir na adoção de práticas sustentáveis”, Pedro Fernandes, diretor de agronegócio do Itaú BBA.

A agricultura de baixo carbono

O Acordo de Paris, que guia as ações do G20, visa limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais. Para isso, é necessário reduzir as emissões globais em 43% até 2030 e em 60% até 2035, chegando a emissões líquidas zero até 2050. No Brasil, isso implica em investir em reduzir o desmatamento, impulsionar práticas de agricultura de baixo carbono, como integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), reflorestamento, uso de bioinsumos, sistema de plantio direto, entre outros.

Essa transformação não implica em restrições aos negócios – pelo contrário. Giampaolo Pellegrino, coordenador do Portfólio de Clima, Recursos Naturais e Transição Ecológica da Embrapa, destaca que a agricultura de baixa emissão de carbono pode aumentar a rentabilidade, diversificar a produção e melhorar a qualidade de vida dos agricultores. Além disso, pode ser uma grande oportunidade de negócio: um manejo que incorpore material orgânico ao solo e ajude-o a reter água é útil na recuperação de áreas de pastagens degradadas – e há 28 milhões de hectares do tipo com potencial para expansão agrícola no país.

Para o pesquisador, já existe uma mudança de paradigma em curso, que tira a agropecuária do isolamento territorial e a insere dentro de um sistema ecológico maior. “Os agricultores estão percebendo que o modelo da Revolução Verde, muito baseado em insumos derivados do petróleo e na mecanização, já não é tão sustentável”, afirma.

Barreiras sistêmicas e como enfrentá-las

Apesar do número crescente de eventos extremos afetando as colheitas e os animais, muitos produtores rurais ainda resistem a mudanças. “O agricultor aprendeu a fazer de um jeito e percebe um risco muito grande de mudar, porque sua vida depende daquela produção”, explica Giampaolo. “E se ele tem uma dúvida [sobre uma nova técnica] e não tem a quem recorrer, ele desiste.”

Essa falta de apoio técnico é uma das três barreiras sistêmicas previstas pelo GT da Agricultura do G20 para a transição para uma agricultura de baixo carbono. Há também a barreira econômica (ou seja, como custear as mudanças) e a social (alteração de dinâmicas locais e desconfiança). Para enfrentá-las, o grupo aconselha priorizar o desenvolvimento e a escalada de tecnologias sustentáveis e resilientes, ter maior oferta de assistência técnica agrícola e dar atenção especial ao desenvolvimento de modelos de financiamento e colaboração.

Recursos financeiros são especialmente críticos para que a mudança ocorra: além de pagar pelo investimento tecnológico, o produtor passa por um período de oscilações antes da sustentabilidade econômica. A linha de crédito rural Renovagro, que faz parte do Plano Safra, é o principal mecanismo governamental de financiamento para projetos alinhados com o objetivo da agricultura de baixo carbono. Para o período de 2024/2025, foram disponibilizados R$ 7,68 bilhões, representando 15,7% dos investimentos subsidiados totais  ou ainda 2% do valor total disponibilizado pelo Plano Safra no período– o valor é considerado baixo por especialistas.

“É importante ressaltar que o financiamento do setor agropecuário se transformou totalmente nos últimos anos. O crédito privado tornou-se majoritário em termos de financiamento do setor agropecuário”, diz Pedro Fernandes, diretor de agronegócio do Itaú BBA. Entre 2017 e 2018, cerca de 80% do financiamento do agro vinha do Plano Safra. Hoje, o montante é de 45%. Isso cria espaço para incentivos privados à transição: no banco, há cinco linhas de financiamento ligadas a práticas agrícolas de adaptação e resiliência.

Outra questão apontada por Pedro é a falta de um seguro eficaz contra os impactos das mudanças climáticas. “O maior desafio nesse momento é a estruturação do seguro rural no Brasil. Os produtores rurais hoje não contam com um instrumento efetivo de proteção contra as intempéries climáticas, o que gera uma enorme insegurança em investir na adoção de práticas sustentáveis”, diz. A perda de 21,4 milhões de toneladas de grãos dos últimos 12 meses reforça a necessidade dessa proteção.

Existe ainda um outro mecanismo financeiro possível: o pagamento por serviços ambientais. A ideia é estimular e recompensar produtores e proprietários pela manutenção, recuperação e melhoria de ecossistemas, aliando natureza e desenvolvimento socioeconômico. No Brasil, uma Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais foi instituída em 2021. Hoje em fase de regulamentação, o assunto é tema de debates em eventos ligados ao G20.

A busca por um novo equilíbrio

Atualmente, o mundo vê a agropecuária como um enorme problema climático. Mas a transição para práticas de baixa emissão de carbono é capaz de torná-la uma enorme solução. É o que pensa Rattan Lal, referência global em ciência de solo e vencedor do Nobel da Paz de 2007. Em visita a Brasília em junho de 2024 para uma reunião do G20, ele disse: “A agricultura é a única indústria que tem que ser negativa em carbono. Não zero ou neutra: negativa. Podemos resolver este problema juntos se estivermos dispostos a algum sacrifício e a respeitar a natureza.”

Defensores da transição garantem que ela trará um novo equilíbrio entre a natureza e os produtores rurais, com benefícios a ambos. “O Brasil tem capacidade de implementar a agricultura regenerativa em larga escala sem perda de produtividade”, afirma Mário Barroso, da TNC. “A ideia é garantir um cultivo melhor e mais seguro. Assim, possíveis perdas momentâneas de produtividade são compensadas pela maior segurança na produção.”

Para saber mais:

Mudanças Climáticas e Agricultura no Brasil, da EMBRAPA
Relatório de 2023 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)
Série Gestão de Riscos Agropecuários no Brasil, do Banco Mundial

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