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Para compreender adequadamente alguns dos principais dilemas que envolvem o debate sobre a suposta necessidade de um marco temporal para a definição do que sejam terras indígenas no Brasil, instituto ausente da Constituição de 1988, é importante tomar um desvio e refletir sobre alguns dos problemas da interpretação do direito de propriedade no Brasil.
Ao fazer isso, será possível perceber melhor a natureza do problema e a insatisfação de parte da sociedade com a solução oferecida pelo STF. Cabe dizer que esta questão já foi resolvida pelo STF no RE 1017365 com um redondo não. No entanto, foi recolocada na agenda político-jurídica pelo Congresso Nacional com a Lei nº 14.701/2023. A Lei não trata apenas do marco temporal, mas inclui este problema, sendo objeto de várias ações: ADC 87, ADI 7.582, ADI 7.583 e ADO 86. Este texto refere-se apenas ao problema do marco temporal.
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O direito de propriedade, apesar de ser, sem sombra de dúvidas, um dos pilares de nosso estado democrático de direito, tem sido reiteradamente maltratado pela doutrina e pela jurisprudência em geral. Apesar de existir uma literatura minoritária que procura reconfigurar o direito de propriedade, em especial produzida pelas escolas do direito civil-constitucional e teoria crítica do direito civil, a maior parte dos juristas e juízes brasileiros, homens, mulheres e humanos de todo gênero, não têm sido capazes de produzir interpretações sistemáticas do instituto, ou seja, interpretações que levem em conta o nosso ordenamento jurídico como um todo.
Diante dessa constatação, parece razoável perguntar: de que adianta debater em alemão, em francês, em inglês, em javanês, modelos altamente sofisticados de interpretação se não somos capazes sequer de operar os métodos clássicos, os mais triviais, para dar conta da especificidade de nosso direito? De que adianta fazer críticas radicais ao direito liberal burguês em geral sem levar em conta a nossa disciplina constitucional específica e suas potencialidades? Explico.
O debate sobre propriedade privada no Brasil de hoje se encontra fatiado em diversas áreas do direito, que não se comunicam entre si e nem encontram na Teoria do Direito um espaço para refletir sobre si mesmas, esta, mais preocupada com as filigranas deste ou daquela autora, supostamente genial. Por exemplo, não faz sentido algum debater a função social da propriedade, mandamento constitucional e princípio fundamental do Direito Civil (Art.5, XXIII; Art.170, III da Constituição Federal), sem levar em conta o que hoje se estuda sob a denominação de Direito Municipal e Direito Ambiental.
Nestes ramos do direito, debate-se o plano diretor das cidades, condição necessária para atribuir critérios ao que podemos considerar como imóveis não utilizados, subutilizados e não edificados que justifiquem a cobrança de IPTU progressivo e a desapropriação pelo descumprimento da função social (Art.156, I e Art.182, “caput” e §2º, §3º da Constituição Federal), um dos principais instrumentos para efetivar a função social da propriedade. Sem esse debate, a função social da propriedade se torna uma carta de boas intenções, sem qualquer efetividade.
Ademais, sem considerar a função socioambiental da propriedade, corremos o risco de permitir construções e edificações que resultem na impermeabilização do solo urbano, eliminando os espaços verdes das cidades com a derrubada de árvores seculares que estão incorporadas na forma de vida das pessoas que habitam o território, muitas vezes, fazendo parte de sua identidade.
Outro capítulo desta história acontece no âmbito do Direito Agrário, que também não se comunica muito bem nem com o Direito Constitucional nem com o Direito Civil. Neste ramo, debate-se a função social da terra (Art. 184, 185, 186 da Constituição Federal) o caos fundiário brasileiro, o uso da terra pelos povos originários e todos os seus dilemas, que já podemos considerar seculares, datando ao menos da Lei de Terras de 1850.
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Aprender e operar o Direito das Coisas e o Direito Constitucional apartados do Direito Agrário, do Direito Municipal e do Direito Ambiental é a melhor receita para esvaziar completamente de sentido a disciplina constitucional da propriedade privada. É uma forma de negar efetividade à Constituição de 1988.
Este não é o espaço para levar adiante essa tarefa, que exigiria ao menos uma tese de doutorado, mas, se alguém decidisse produzir uma interpretação sistemática do direito brasileiro de propriedade, seria obrigado a partir da seguinte constatação: a Constituição de 1988 admite e protege, ambos, um uso mercantil de seu território e um uso não mercantil de seu território, ao garantir aos povos originário acesso à terra e manutenção de suas práticas culturais e ao destinar parte das terras públicas à reforma agrária (Artigos 184, 185, 186, 188, 231 da Constituição Federal).
O Brasil imunizou parte do seu território contra a apropriação capitalista. Boa parte das terras brasileiras não poderá jamais se tornar mercadoria. Deverão permanecer não-comodificadas, como diz um neologismo derivado do inglês, à disposição dos povos originários, da agricultura familiar e da proteção ambiental.
Sabemos que a agricultura familiar também implica na proteção de formas de vida, de diversas culturas locais e de técnicas tradicionais de produção de alimentos, baseadas em sementes crioulas e em formas de manejo das culturas que hoje em dia geram interesse no debate sobre sustentabilidade e sobre segurança alimentar.
O debate europeu sobre agricultura familiar foi muito mais longe do que o nosso na consideração dos aspectos não mercantis que envolvem a agricultura e a alimentação. E a agricultura japonesa foi ainda mais longe no desenvolvimento de tecnologias que tornem pequenas propriedades altamente produtivas.
A propriedade privada como conceito híbrido
Seja como for, uma leitura sistemática da Constituição de 1988 deixa evidente que os conceitos jurídicos de propriedade e de posse no Brasil funcionam de maneira híbrida e não devem ser interpretados exclusivamente à luz de sua origem europeia. Fazer isso distorce os mandamentos constitucionais.
Em determinadas situações, ambos institutos tutelam a propriedade privada nos termos mercantis clássicos. Mas em outros casos, propriedade e posse servem para proteger formas de vida não mercantis, algumas delas não ocidentais, todas elas titulares da faculdade constitucional de se manterem juridicamente imunes ao mercado e ao sistema capitalista. É vedado legislar ou agir, privadamente ou via poder público, para eliminá-las ou ameaçar sua autonomia e continuidade.
No caso específico dos indígenas isolados – são 114 povos reconhecidos pela FUNAI na região amazônica – a Constituição de 1988 os torna imunes à civilização ocidental como um todo, ao garantir a essas pessoas o direito de permanecerem isoladas, se assim desejarem, proibindo, portanto, Estado e sociedade brasileira de forçarem qualquer contato.
O Art. 231 da Constituição reconhece a organização social, os hábitos, os costumes, as tradições e as diferenças culturais dos povos indígenas em geral, assegurando-lhes o direito de manter sua cultura, identidade e modo de ser, colocando-se como dever do Estado brasileiro a sua proteção.
Para tornar efetiva a disciplina constitucional em relação aos povos isolados, o Brasil desenvolve uma política de não contato e proteção por meio da Coordenação Geral dos Índios Isolados e Recém Contatados da FUNAI.
A proteção dos povos indígenas pela Constituição exige repensar o sentido do direito de propriedade e, ademais, a justificação de nossa democracia. Ainda pensando no caso extremo dos povos isolados, neste caso, o texto constitucional protege expressamente pessoas que não participam diretamente da esfera pública nacional e são imunes aos debates ocorridos nela. Pessoas que não podem ser consideradas participantes ou concernidas pela prática político-jurídica que constitui o ordenamento jurídico brasileiro.
A única conclusão razoável, nesse caso, é afirmar que a Constituição brasileira garante aos indígenas isolados o direito a uma prática política e a uma ordem jurídica própria, competente para funcionar em paralelo ao direito brasileiro. Caso contrário, teríamos que admitir a possibilidade de que essas pessoas fossem, à sua revelia, levadas em conta e afetadas pelo debate público ou, ainda, que fizessem parte de uma mesma prática política que tivesse como pressuposto a aceitação da estrutura básica de nossa sociedade. Em ambos os casos, a situação de isolamento seria desrespeitada.
Por isso mesmo, é mais adequado afirmar que o direito e a democracia brasileira não são, à luz da Constituição de 1988, unitários, mas são multinormativos.
A Constituição brasileira não garantiu a propriedade privada sobre as terras aos povos originários, preocupada em manter a unidade do território. No entanto, construiu uma disciplina constitucional que põe a propriedade e a posse das terras públicas à serviço da autonomia destas formas de vida e do direito de escolha dos indivíduos que participam delas.
Nossa Constituição é incompreensível se deixarmos de lado seu objetivo maior de promover a convivência democrática entre diversas formas de vida, inclusive formas de vida originárias, sem deixar de lado a faculdade individual de participar ou não de qualquer comunidade.
Não faz sentido interpretá-la como uma série de direitos subjetivos que se poderia imputar apenas a indivíduos, compreendidos nos termos da cultura ocidental. Uma das inovações do texto constitucional foi, justamente, o reconhecimento de coletivos, povos originários, quilombolas, diferentes formas e modos de viver, como sujeitos de direito.
Ao contrário da tradição europeia e da tradição dos Estados Unidos, a Constituição brasileira nunca desejou criar uma cultura e um povo unitários. Nosso texto constitucional tem um compromisso radical com o pluralismo político e com a diversidade cultural.
Contra o marco temporal, a favor do Brasil
Diante do que foi dito aqui, fica claro, por exemplo, que o debate sobre o suposto marco temporal das terras indígenas pode ser explicado, em parte, pelo interesse de parte da sociedade em reverter a proteção constitucional a formas de vida não mercantis, na ânsia de transformar o máximo de terras possíveis em mercadoria. Ou de indenizar aqueles que violaram as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas.
É razoável esperar que representantes dos interesses de grandes grupos capitalistas pretendam transformar todo o nosso território em mercadoria e que algumas pessoas envolvidas na agropecuária pretendam transformar a violação ilícita de terras indígenas em ganho privado via indenizações. É compreensível que lutem por isso. Mas, de outro lado, estão os interesses do Brasil e os desejos e interesses de minorias políticas, os povos originários e os praticantes da agricultura familiar, em manterem vivas as suas formas de viver.
Formas de viver que podem, inclusive, serem aproveitadas economicamente em um novo registro, caso sejamos capazes de construir um outro modelo de desenvolvimento nacional que não esteja baseado no grande negócio agrário capitalista. E, nesse ponto, os interesses dessas minorias se alinham com os interesses econômicos da nação como um todo.
Pois buscar um equilíbrio entre os interesses e desejos do grande negócio agrário, ainda importante para a vida do Brasil e do mundo, com os interesses dos povos originários, pequenos proprietários e praticantes de agricultura familiar, parece estar de acordo com o espírito convivial democrático da Constituição de 88 e abrir perspectivas novas para o debate sobre desenvolvimento econômico, modelos de democracia, sustentabilidade e segurança alimentar.
Debater novas alternativas de desenvolvimento significa, portanto, refletir em como promover uma transição ecológica justa. Uma transição que encontre alternativas para grandes empreendimentos que geram, necessariamente, grandes riscos. Riscos para a segurança alimentar e para o meio ambiente, sem falar nos prejuízos para livre concorrência e os riscos para a democracia, que pode ver a vontade popular distorcida pelo financiamento de campanhas eleitorais por grandes conglomerados.
Não podemos esquecer, é claro, de eventuais agricultores e pecuaristas de boa-fé com títulos recebidos do próprio Estado, como no caso do centro-sul do país, desalojados de terras indígenas quando demarcadas. É preciso encontrar soluções para que estas pessoas possam seguir adiante em sua atividade, examinando-se este tipo de problema caso a caso, no nível dos Estados e dos Municípios, jamais à longa distância, de Brasília. Também é importante coibir o arrendamento de terras indígenas, pois a Constituição garante a essas pessoas o usufruto da terra para que sirva aos fins constitucionais.
A busca desse equilíbrio entre todos esses interesses e desejos, portanto, serve tanto a objetivos econômicos quanto a objetivos humanos e sociais, além de permitir que zelemos pelos interesses das gerações futuras, que também são expressamente protegidas pela Constituição de 1988.
Por todas essas razões, não há urgência alguma em resolver de uma vez por todas os problemas agrários brasileiros no sentido de garantia da propriedade privada para a simples exploração mercantil.
A aparente ansiedade do Supremo Tribunal Federal em promover uma mediação e conciliação em um caso já decidido por este mesmo tribunal, por meio de uma comissão especial que supostamente encerraria o debate sobre o marco temporal, mas de uma outra maneira – um debate, insisto, que já estava encerrado – me parece ilegal, temerária e contra os interesses nacionais.
Cabe lembrar que a mediação em curso trata da Lei nº 14.701/2023 como um todo, não apenas do marco temporal. Minhas afirmações aqui referem-se apenas a este tema. Vale lembrar também que o caput do Art. 231 da Constituição diz claramente que é da União a competência para demarcar as terras indígenas e seu parágrafo primeiro também é claro ao elencar quais são essas terras. Não há razão alguma para promover uma mediação sobre esse assunto.
Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal, salvo melhor juízo, está trabalhando contra o Brasil. Não por acaso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil se retirou da mediação e, mesmo, assim, o STF deu continuidade ao procedimento, o que me parece ser um imenso equívoco.
Diante da crise climática e dos riscos à segurança alimentar, que a pandemia recente, inclusive, deixou claros, é interesse soberano do Brasil construir políticas públicas que garantam acesso a alimentos sem que dependamos tanto de grandes negócios ligados à atividade de importação e de exportação, entre outros riscos, como a quebra de safra em razão de pragas e fatores climáticos.
Vale lembrar que o grande negócio agrário brasileiro não produz, majoritariamente, alimentos para a população brasileira, mas sim insumos agropecuários para exportação.
Caso essa estranha mediação avance e permita que de boa parte de nosso território seja transformado em mercadoria à serviço do grande negócio agrário, estarão fechadas as portas para que o Brasil possa construir políticas públicas que apontem para um futuro sustentável, seguro e realmente democrático, ou seja, que respeite a diversidade cultural fundamento da nação brasileira.
Para imaginar e construir um outro modelo de desenvolvimento, precisamos de pessoas vivas, interessadas e aptas para utilizar e cultivar a terra de uma outra maneira. Caso essas pessoas vejam a sua integridade física e a sua forma de vida ameaçadas, é muito provável que o Brasil se veja sem instrumentos para construir políticas públicas que apontem para um novo modelo de desenvolvimento.
A urgência não está, portanto, em resolver de uma vez por todas os problemas das terras públicas e das terras indígenas brasileiras. Temos urgência, isso sim, em construir um novo modelo de desenvolvimento, inclusive de desenvolvimento agrário, que permita que o Brasil gere riqueza sem destruir o meio ambiente.
Um modelo de desenvolvimento em que todas as pessoas possam buscar a sua felicidade nos termos que acharem os mais adequados, inclusive, se for o caso, permanecendo isoladas de nossa civilização.