O TCU e o caos administrativo no Rio Grande do Sul

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Com a reforma de lei de introdução às normas do direito brasileiro (LINDB), o direito administrativo do medo perdeu a sua força e o gestor público passou a ver nos órgãos de controle uma jurisdição baseada na ponderação e razoabilidade.

Isso porque, a título de exemplificação, o art. 22 da LINDB trouxe uma inovação importante no sentido de que “na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados”.

Estar à ponta do lápis não é uma atividade fácil para o gestor público porque além de vivenciar um processo estratégico de escolha alocativa em que o juízo de discricionariedade do seu gasto é limitado pela insuficiência de recursos aptos a lastrearem financeiramente as políticas públicas ao seu encargo, também convive com a supervisão constitucional dos órgãos de controle, a exemplo do sistema de controle externo encampado pela escola dos Tribunais de Contas.

Em outras palavras: o ordenador de despesas deve coordenar as suas ações à luz do entendimento do Ministério Público Estadual da Comarca e do Tribunal de Contas responsável pela supervisão do seu gasto, que pode ser do estado, do município ou dos municípios, a depender do caso.

Além disso, também há supervisão do Ministério Público Federal e, quando pactua recursos da União, também é controlado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

A reconstrução do Rio Grande do Sul diante do caos administrativo que vivencia o seu território em decorrência do volume expressivo de chuvas em maio de 2024 requer um reforço de dotação orçamentária, como também prudência no processo decisório no que diz respeito à criação de despesas públicas.

Sobre o assunto, pelo pacto federativo construído pela jurisdição constitucional, o art. 21, inciso XVIII outorga à União um protagonismo singular, que é “planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações”.

No âmbito do direito administrativo planejar ações significa a atuação tanto formal como material da administração pública. Por um lado, para a atuação formal, pelo princípio da juridicidade, deve o gestor público obedecer à prescrição legal em sentido lato, e por outro, a atuação material diz respeito à concretude das suas ações no que diz respeito, por exemplo, à realização de uma contratação pública.

Assim, pelo arcabouço do direito financeiro, é preciso um processo de planejamento orçamentário com um viés centrado na lei de responsabilidade fiscal (lrf), a qual determina planejamento estratégico a fim de proporcionar sustentabilidade financeira à condução do erário.

Como poder reativo ao que acontece no Rio Grande do Sul, a União, encampando a sua responsabilidade no que diz respeito ao planejamento e defesa contra as calamidades, especialmente as inundações, criou crédito extraordinário, uma fonte de recursos que se disponibiliza a lastrear financeiramente despesas urgentes e imprevistas, como as decorrentes de calamidade pública, consoante dicção do art. 41, inciso III da Lei 4.320/1964.

Embora seja possível criar créditos extraordinários em regime de exceção via decreto, a União recentemente fê-lo por intermédio de medida provisória, processo legislativo de rito sumaríssimo com força de lei oriundo de um ato unilateral do Poder Executivo condicionado à análise e aprovação posterior pelo legislativo.

A MP 1218/2024 abriu crédito extraordinário para a União ter reforço orçamentário para um gasto de R$ 12.179.438.240[1].

É o direito financeiro ajudando o planejamento jurídico do Rio Grande do Sul porque a autorização daquele gasto com o respectivo lastro financeiro possibilita a realização de um arranjo institucional para que o direito administrativo pavimente novos caminhos e para isso a União, por intermédio do seu poder legiferante, editou outro normativo: a MP 1221/2024[2], que criou um regime diferenciado de contratações públicas destinados ao enfrentamento de impactos decorrentes de estado de calamidade pública.

Se por um lado elaborou um campo de atuação apto a salvaguardar o gestor público para criar despesas urgentes e imprevisíveis por intermédio de crédito extraordinário, por outro, a União permitiu um regime mais célere para a aquisição de bens e contratação de obras e de serviços, inclusive de engenharia.

Como se vê, foram criadas condições institucionais de suporte federal ao Rio Grande do Sul, mas é preciso cautela em relação ao gasto por conta do monitoramento do TCU.

Para isso o direito administrativo sancionador recomenda uma fundamentação específica do gasto porque o regime extraordinário de contratação pública em que ora é caracterizado o Estado do Rio Grande do Sul requer ações céleres, mas sem descuidar do regime de juridicidade do gasto, sob pena de responsabilização.

Nesse contexto, possui o gestor federal um duplo ônus extraordinário: planejar e executar ações de forma célere e salvaguardar-se de eventual responsabilização administrativa no âmbito do TCU. Ciente disso, o tribunal recentemente institui o “Programa Recupera Rio Grande do Sul”, cujo objetivo é facilitar a transparência dos processos, reduzir a formalidade, flexibilizar a burocracia e oferecer segurança aos gestores públicos na tomada de decisões[3].

Aquela iniciativa é um viés de uma tendência no âmbito do direito administrativo, que é a consensualidade e está atuando em três flancos: infraestrutura, finanças públicas e defesa civil.

O primeiro vai analisar contratações em geral e obras de infraestrutura (TC 008.817/2024-3), o segundo, finanças públicas e seus impactos fiscais (TC 008.813/2024-8), e o terceiro recursos aplicados às atividades de defesa civil (TC 008.848/2024-6).

Nesse momento crucial a atuação concomitante do TCU é uma iniciativa que não deve ser vista como inibição das canetas, mas indução de boas práticas, que pode ser inclusive feita também pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul no âmbito local.

A eficiência administrativa requer a colaboração dos órgãos de controle que, induzidos pela reforma da LINDB estão alterando cada vez mais a sua forma de agir, o que enseja a compreensão da existência de uma administração pública dialógica na relação entre a função administrativa de planejar e executar políticas públicas e a jurisdição do controle externo exercida pelos tribunais de contas.

Espera-se que o novo modelo de controle externo, balizado pela LINDB, possa colaborar para ajustar o caos no Rio Grande do Sul.

[1] Abre crédito extraordinário, em favor de diversos órgãos do Poder Executivo, de Encargos Financeiros da União, e de Operações Oficiais de Crédito, no valor de R$ 12.179.438,240,00, para os fins que especifica. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Mpv/mpv1218.htm acesso em 23/05/2024

[2] Dispõe sobre medidas excepcionais para a aquisição de bens e contratação de obras e de serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfrentamento de impactos decorrentes de estado de calamidade pública.

[3] Informação disponível em https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-institui-programa-recupera-rio-grande-do-sul.htm acesso em 23/05/2024

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