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Como escreveu o poeta Mario Quintana “A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são seis horas!”
Embora o tempo seja sempre usado para falar de prescrição, o tema aqui é outro: consenso. Ou melhor, a experiência recente do BNDES e de sua entidade fechada de previdência complementar, a FAPES, naquele que entrará para história como o primeiro caso envolvendo o tema previdenciário submetido à sistemática consensual instituída pelo TCU na IN 91/22. E o título busca chamar atenção para uma faceta desse instrumental que não parece suficientemente explorada, mas é crucial: o tempo.
Poucas coisas são mais consensuais do que a afirmação de que “justiça tardia equivale à injustiça”. Ou que a jurisdição entregue fora do tempo significa que o Estado falhou em prover esse direito fundamental. O tempo de entrega da jurisdição é parte essencial de sua efetividade.
Tanto mais em uma relação contínua e complexa como a de uma Entidade Patrocinadora e a sua Entidade Fechada de Previdência Complementar. Considerada a expectativa de vida dos mais novos participantes do Plano de Benefício Definido, estamos falando de uma relação que ainda durará muitas décadas.
A questão posta era a regularidade de contratos celebrados entre o BNDES e a Fundação de Assistência e Previdência Social do BNDES (FAPES) de 2002 e 2004 e aportes feitos pelo patrocinador em 2009 e 2010.
Existem cinco processos judiciais envolvendo a FAPES e o BNDES em que se discutem (i) contratos de 2002 e 2004 e (ii) aportes feitos em 2009 e 2010. Todos esses temas foram submetidos à apreciação da Corte de Contas. No caso dos aportes de 2009 e 2010, o Plenário do TCU tomou decisão em 2015 que impactou significativamente a gestão da FAPES e a sua relação com o Banco, cuja execução estava suspensa em razão de processo judicial que trata do tema.
E se é verdade que o tempo é um elemento crucial em qualquer prestação jurisdicional, isso é ainda mais agudo no que diz respeito à gestão de ativos e complementação de aposentadoria de uma EFPC: a incerteza sobre o patrimônio total da entidade impede os gestores de fazerem as melhores alocações dos ativos (como fazer um investimento de ótimo retorno, mas com prazo longo de maturação se eventualmente posso ser chamado a arcar com devoluções decididas pelo Judiciário dentro de prazos mais curtos?).
Demora e insegurança jurídica.
Mas não é só. Mecanismos de incentivo de migração do Plano de Benefício Definido (Plano BD) para um novo Plano de Contribuição Definida (Plano CD) ficavam travados em razão da incerteza do patrimônio total da EFPC e do eventual esforço que cada participante precisaria fazer em qualquer hipótese de devolução de aportes.
Do ponto de vista do melhor interesse do BNDES, uma decisão tomada pelo Judiciário daqui a 20 anos seria igualmente nefasta. A uma porque o Banco deixaria de receber de volta recursos desde logo e a duas porque o custeio da FAPES é também obrigação do Banco, que, na hipótese de uma decisão judicial que impactasse de forma desproporcional a EFPC, seria obrigado a arcar pelo menos parcialmente com o ônus dessa devolução. Em outras palavras, a demora da decisão poderia fazer o BNDES “ganhar” o processo, mas ainda assim ter que arcar com o ônus financeiro dessa vitória (na hipótese de déficit prolongado na EFPC, o Patrocinador é chamado a arcar com 50% dos custos de um equacionamento de déficit).
Uma longa demora nos processos judiciais geraria ainda um efeito intrinsecamente injusto: a transferência intergeracional aguda. As devoluções a serem feitas pela FAPES ao BNDES serão arcadas por todos, ativos e aposentados. Cada ano sem uma decisão significa menos aposentados contribuindo para o esforço de devolução. A demora aqui punia desproporcionalmente os ativos, que, no limite, poderiam se ver sozinhos com a conta.
Em resumo, uma solução rápida significava segurança jurídica para realização dos investimentos, retorno mais rápido de recursos para o caixa do Banco, mais pessoas pagando e por mais tempo, permitindo um aumento no total a ser devolvido.
O tempo aqui urgia.
Pois bem. Da decisão aprovada pelo Plenário da Corte de Contas que encaminhou o TC 029.845/2016-5 para o Consenso (Acórdão 1703/2023) até a Decisão que aprovou o termo de Solução consensual (Acórdão 1925/2024-Plenário, de 18 de setembro de 2024), passaram-se pouco mais de sete meses. Isso tudo com reuniões semanais e com envolvimento da PREVIC e da SEST.
Poder-se-ia dizer que, no marco teórico da justiça multiportas, em que a Administração Pública pode se submeter à arbitragem ou a outros meios de solução de controvérsias, o BNDES e a FAPES poderiam ter “resolvido” os referidos temas de forma ainda mais célere, recorrendo, por exemplo, a uma arbitragem.
Não é verdade. Algumas das ações judiciais propostas tiveram como pano de fundo decisões e posicionamentos do TCU. Assim, embora a rigor o tema estivesse hipoteticamente apto a se submeter a uma arbitragem, por exemplo, a questão subsequente seria: “Que gestor público faria uma arbitragem sem a segurança jurídica de que a mesma seria considerada válida pelo Tribunal de Contas da União?”
Portanto, do ponto de vista pragmático e considerando o recorte do tempo, não se vislumbra um mecanismo de solução mais célere e efetivo do que a submissão da questão ao Processo de Soluções Consensuais instaurado pelo TCU.
Ainda que o foco deste texto seja o tempo, duas notas “off topic” são necessárias: primeiro, este caso foi o primeiro da história em que o relator de um processo no TCU levou ao Plenário proposta de encaminhamento para solução consensual, com vistas a obter (i) a maior devolução possível, considerando, de um lado, (ii) a possibilidade de contribuição adicional dos beneficiários e assistidos em limites suportáveis e, de outro, (iii) a sustentabilidade financeira do plano de benefícios.
Além disso, a estrutura do Consenso no TCU demanda a participação efetiva da Secretaria de Consenso e da Secretaria responsável pelo tema no Tribunal. No caso em análise, a Audbancos. Assim, permite-se à Unidade Responsável um contraditório e a visão interna do TCU sobre as propostas de solução. O consenso inclusive só foi alcançado com a anuência da referida unidade.
No marco teórico do direito administrativo pragmático que busca resolver questões práticas e entende que todo operador do direito cria o direito em concreto, seria impossível cogitar solução melhor: (i) o BNDES, a FAPES, as Unidades técnicas do TCU que participaram do processo (SecexConsenso e Audbancos), o MPTCU e o Plenário do TCU foram todos unânimes em concordar com o resultado que impôs devolução multibilionária da FAPES ao BNDES, em valores que serão arcados, na medida de suas participações, pelos aposentados e ativos participantes do Plano; (ii) para a FAPES, criaram-se diversas externalidades como a previsibilidade patrimonial de longo prazo, a participação no esforço da devolução do máximo de participantes possível, o encerramento de diversos processos judiciais, além da possibilidade de estruturação de uma migração do Plano BD para um novo Plano CD e (iii) para o BNDES, serão encerrados os maiores processos, em valores, da carteira do contencioso judicial do Banco, além de permitir o recebimento dos valores desde logo[1].
Voltando ao ponto central: o processo foi conduzido pela equipe da SecexConsenso que teve sempre o prazo dos trabalhos como um valor fundamental. Algumas reuniões das partes – BNDES, FAPES e TCU – duraram muitas e muitas horas, sempre lembrando que o prazo fatal não seria prorrogado. E assim foi feito: solução consensual, construtiva, que recuperou recursos para o BNDES, resolutiva, pacificadora, plena de segurança jurídica e principalmente, rápida.
O dever de casa foi feito. E ainda são três horas!
[1] Após encerramento do processo de migração.