Os desafios relacionados à força de trabalho no campo

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O agronegócio brasileiro é uma força econômica e social consolidada. Apesar de sua pujança, o setor enfrenta um desafio crescente e silencioso que ameaça tanto sua competitividade global quanto seu crescimento sustentável: a escassez de mão de obra, em quantidade e, principalmente, qualidade. Este problema tem raízes em tendências demográficas, sociais e econômicas, e suas consequências se estendem muito além das fronteiras das propriedades rurais do país, demandando ação e visão estratégica de longo prazo pelos pensadores do agronegócio nacional.

Uma das balizas desse debate é a aplicação de tecnologia no campo. O setor agrícola brasileiro tem experimentado uma transformação tecnológica significativa nas últimas décadas. A adoção de máquinas e implementos de alto valor agregado, munidas de sistemas eletrônicos e autônomos complexos, bem como estruturas de agricultura de precisão e soluções baseadas em inteligência artificial tem impulsionado a produtividade e a eficiência no setor. No entanto, essa evolução tecnológica trouxe consigo enormes desafios, dentre os quais uma demanda crescente por profissionais qualificados capazes de operar e gerenciar esses sistemas, complexos e que se atualizam em velocidade acelerada.

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Atualmente, o agronegócio brasileiro enfrenta uma escassez crítica de trabalhadores com as habilidades necessárias para lidar com essas tecnologias avançadas emergentes. Trata-se de um problema sério e ainda timidamente abordado, que pode representar um risco para o crescimento e desenvolvimento do setor no país. Os dados já apontam essa tendência: segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), estima-se a existência de um déficit de mais de 100 mil profissionais qualificados no setor. Esta lacuna de talentos representa um gargalo significativo para o crescimento e a inovação no agronegócio brasileiro.

Um dos fatores mais significativos que contribuem para a escassez de força de trabalho qualificada no Brasil é o envelhecimento da população rural. A idade média dos agricultores no país tem aumentado, com muitos proprietários rurais ultrapassando a faixa dos 60 anos. Esta tendência demográfica resulta em uma diminuição natural da força de trabalho agrícola à medida que os agricultores mais velhos se aposentam sem sucessores aptos para assumir suas operações e conduzir o negócio rural. Aqui, não apenas um problema demográfico, mas também uma questão setorial, já que parcela significativa dos produtores ainda não pensa na sucessão dos negócios.

Somado a isso, o Brasil tem experimentado um processo de urbanização acelerada nas últimas décadas. A migração contínua da população rural para cidades em busca de melhores oportunidades de educação e emprego e maior qualidade de vida como um todo tem reduzido a população no campo. Este êxodo rural não apenas diminui a quantidade de trabalhadores disponíveis para o agronegócio, como também resulta em uma perda de conhecimento de habilidades agrícolas, por vezes complexas e específicas, as quais só são aprendidas efetivamente “na lida”.

Ademais, o sistema educacional em áreas rurais muitas vezes não está equipado e apto para fornecer a formação técnica e tecnológica necessária para preparar os jovens para carreiras no agronegócio moderno do século XXI. A falta de escolas técnicas e programas de treinamento especializados em tecnologias agrícolas avançadas contribui para a lacuna de habilidades no setor, gerando um grupo de pessoas que, ainda que queiram trabalhar no campo, não conseguem acompanhar as inovações e tecnologias exigidas na agropecuária dos novos tempos.

A falta de infraestrutura adequada em muitas áreas rurais do Brasil é outro obstáculo significativo. Problemas como estradas precárias, conectividade de internet limitada e acesso restrito a serviços básicos tornam difícil o processo de atração e retenção de profissionais qualificados no campo. Além disso, a infraestrutura deficiente muitas vezes impede a implementação eficaz de tecnologias agrícolas avançadas, criando um ciclo vicioso de perda de produtividade e competitividade. É certo que centros urbanos ligados ao agronegócio se desenvolvem de forma mais acelerada que a média dos municípios do Brasil, porém a atratividade do campo, com suas demandas e dificuldades, tem se tornado um enorme desafio para as novas gerações de brasileiros.

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Nesse cenário, a escassez de mão de obra, tanto em quantidade como, principalmente, em qualidade, está comprometendo a capacidade do agronegócio brasileiro de competir efetivamente no mercado global. Enquanto outros países avançam rapidamente na adoção de tecnologias agrícolas de ponta, o Brasil, também um heavy user de inovações no campo, corre o risco de ficar para trás devido à falta de profissionais capazes de implementar e gerenciar tais inovações. E, na prática, a falta de trabalhadores qualificados está levando a uma subutilização de equipamentos e tecnologias avançadas, impedindo a utilização de todo o potencial colocado à disposição dos produtores rurais e das agroindústrias. Isso pode resultar em uma estagnação da produtividade, limitando o crescimento do setor e reduzindo as exportações agrícolas, o que afetaria negativamente a balança comercial e o crescimento econômico do Brasil.

Como medidas de enfrentamento a esse problema estrutural que começa a incomodar o setor de forma mais contundente, uma das principais estratégias para abordar a escassez de mão de obra, tanto em quantidade, quanto em termos de qualificação, passa pelo investimento em programas de educação e treinamento especializados. Isso inclui a criação de parcerias entre empresas do agronegócio e instituições educacionais para o desenvolvimento de currículos que atendam às necessidades específicas do setor. Unir a academia ao setor produtivo, sem ideologias limitantes e visando pragmaticamente o desenvolvimento do país.

Paralelamente, são necessários investimentos significativos em infraestrutura para tornar as áreas agrícolas mais atrativas para profissionais qualificados. Isso inclui melhorias em estradas, telecomunicações, saúde, educação, lazer e cultura. A expansão da conectividade de internet de alta velocidade, em particular, é crucial para permitir a implementação de tecnologias agrícolas avançadas e melhorar a qualidade de vida nas áreas rurais e nos centros urbanos mais distantes. No mais, as empresas do agronegócio precisam desenvolver programas de incentivo e retenção robustos para atrair e manter talentos qualificados no interior do país, a fim de que os jovens e, principalmente, os profissionais mais qualificados enxerguem valor, perspectivas e oportunidades na vida no interior, para si e seus familiares.

Um ponto importante diz respeito ao incentivo à inovação e ao empreendedorismo no setor agrícola. O estímulo à criação de hubs de inovação agrícola, programas de aceleração de startups e competições de tecnologia agrícola pode fomentar o interesse e a participação de profissionais qualificados no setor. Já há um movimento, ainda tímido, nessa direção. Especificamente em relação à mão de obra, embora a automação possa reduzir a necessidade de pessoas em algumas áreas, ela também gera demanda por profissionais altamente qualificados para gerenciar e manter sistemas complexos. Investir em tecnologias de automação pode ajudar a mitigar alguns dos efeitos da escassez da força de trabalho, ao mesmo tempo em que cria oportunidades para profissionais qualificados.

Assim, a escassez de mão de obra, seja em quantidade, seja em qualidade, no agronegócio brasileiro representa um desafio significativo que requer ação imediata e coordenada de todos os stakeholders do setor. Um pensamento estratégico e de longo prazo, voltado para a solução de um problema real e que já causa preocupações ao agronegócio – e que tende a aumentar. As consequências dessa escassez vão além das fronteiras das fazendas, afetando a competitividade global do Brasil e seu crescimento econômico. É fundamental um esforço conjunto do governo, do setor privado, do terceiro setor e das instituições educacionais para investir em instrução, melhorar a infraestrutura rural, promover a inovação e o empreendedorismo e criar ambientes de trabalho e moradia atrativos. Somente através de uma abordagem holística e de longo prazo será possível garantir que o agronegócio brasileiro terá acesso ao talento qualificado e necessário para impulsionar sua competitividade e sustentabilidade no cenário global.

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