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Em 3 de outubro de 2024, foi publicada a MP 1262, que instituiu o “Adicional da CSLL” como primeiro passo da adaptação da legislação brasileira ao Pilar 2 da OCDE, que visa impor a grandes grupos multinacionais uma Alíquota Efetiva (Effective Tax Rate ou ETR) de tributação dos lucros de no mínimo 15% em todas as jurisdições onde atuem.
O Adicional da CSLL instituído pela MP 1262 corresponde ao chamado Tributo Complementar Mínimo Doméstico Qualificado (Qualified Domestic Minimum Top-up Tax ou QDMTT). De forma muito resumida, se for constatada que determinada empresa sujeita às regras da MP 1262 tem uma ETR abaixo de 15%, o Adicional de CSLL poderá ser exigido em percentual tal que, ao ser somado com a ETR da empresa, resultará nos 15% almejados como tributação mínima.
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Embora a alíquota nominal brasileira (considerando o IRPJ e a CSLL) totalize 34%, incentivos fiscais concedidos a empresas podem resultar em ETR inferior a 15%, com risco de exigência do tributo complementar.
No entanto, apesar do foco na tributação mínima, as regras do Pilar 2 foram elaboradas de modo a acomodar a concessão de algumas modalidades de benefícios fiscais, diminuindo o risco de exigência do tributo complementar, ainda que, na prática, esses benefícios resultem em uma tributação efetiva abaixo de 15%.
É nesse contexto que se insere o art. 36 da MP 1262, que autorizou que os incentivos fiscais concedidos a empreendimentos localizados nas regiões da Sudam e Sudene sejam (total ou parcialmente) convertidos em crédito financeiro classificável como “Crédito de Tributo Reembolsável Qualificado” (Qualified Refundable Tax Credit ou QRTC).
O art. 36 da MP visa preservar esses incentivos sem o risco de que eles atraiam a cobrança do tributo complementar não só pelo Brasil, mas também por outras jurisdições (por exemplo, no país onde está a controladora da empresa brasileira incentivada).
Trata-se, portanto, de medida voltada à adaptação dos incentivos da Sudam e Sudene para que eles preservem sua relevância prática em um cenário de implementação do Pilar 2 da OCDE e, com isso, continuem contribuindo para a redução das desigualdades regionais, que é um dos “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”, nos termos do art. 3º da Constituição.
Todavia, para que o objetivo norteador do art. 36 da MP 1262 seja alcançado, é fundamental que os incentivos sejam efetivamente transformados em QRTCs. Caso contrário, outras jurisdições poderão exigir o tributo complementar de empresas ligadas àquelas com operação nas regiões da Sudam e Sudene.
De forma resumida, um crédito fiscal é subtraído diretamente do valor do imposto devido, ao invés de reduzirem a base de cálculo da renda tributável, como acontece com as deduções, por exemplo. Para um crédito ser classificável como um QRTC, ele deve cumprir certos requisitos previstos nas Regras GloBE.
O QRTC é um incentivo que permite que a empresa “compense seus impostos integralmente por realizar atividades específicas [como, por exemplo, com P&D] ou incorrer em despesas especificadas” ou, caso não tenha tributo a recolher, obtenha “o reembolso pelo governo do valor do crédito não utilizado”.[1] O impacto das Regras GloBE sobre créditos fiscais depende da classificação desses créditos como reembolsáveis qualificados (QRTCs) ou não qualificados (non-QRTCs).
O QRTC é um crédito reembolsável “em dinheiro ou equivalentes de caixa no prazo de quatro anos”,[2] que recebe um tratamento favorável no cálculo da Alíquota Efetiva (ETR = Tributos Abrangidos Ajustados/Lucro Líquido GloBE) por, apesar de ser adicionado ao Lucro GloBE (divisor), não ser deduzido dos Tributos Abrangidos Ajustados (dividendo).[3] Esse tratamento resulta em uma ETR mais elevada e menor exposição ao tributo complementar. Em contraste, embora o non-QRTC[4] não seja adicionado ao Lucro GloBE (divisor), ele também reduz os Tributos Abrangidos Ajustados (dividendo), podendo com isso reduzir a ETR da jurisdição abaixo de 15% e atrair o risco de exigência do tributo complementar.
Abaixo um exemplo para ilustrar a diferença de tratamento.
Uma subsidiária de um grupo sujeito ao Pilar 2 em um País A com alíquota de 9% recebe um crédito fiscal reembolsável de 75% de despesas qualificáveis. Com Lucro GloBE de 300 e despesas qualificáveis de 20, o imposto pago pela subsidiária é de 12 [(300 x 9%) – (75%*20) = 27 – 15 = 12]. O cálculo da ETR dependerá da classificação (ou não) do crédito como um QRTC:
Cenário A: Crédito é um non-QRTC:
ETR = Tributos Abrangidos Ajustados – non-QRTC / Lucro Líquido GloBE – non-QRTC
ETR = (27-15)/300 = 12/300 = 4%
Cenário B: Crédito é um QRTC:
ETR = Tributos Abrangidos Ajustados (com QRTC) / Lucro Líquido GloBE + QRTC
ETR = 27/(300 + 15) = 27/315 = 8,6%
Mesmo que a ETR de 8,6% ainda esteja abaixo de 15%, ela é significativamente superior aos 4% do non-QRTC, destacando o impacto positivo dos QRTCs.
Portanto, a definição de se e como o crédito é reembolsável pode determinar o impacto das Regras GloBE sobre um benefício fiscal. Embora a classificação como QRTC não garanta imunidade ao tributo complementar, ela pode reduzir seu impacto.[5]
Diante disso, e dado que o Brasil planeja converter incentivos fiscais da Sudam e Sudene em créditos reembolsáveis, é essencial observar os requisitos das Regras GloBE para qualificá-los como QRTCs. Além de serem reembolsáveis em dinheiro ou equivalentes de caixa dentro de quatro anos, para se qualificar como QRTCs, os incentivos devem ser créditos que, “em essência, e não apenas na forma, provavelmente serão reembolsados.”[6]
Aqui está a principal diferença entre a atual mecânica de funcionamento dos incentivos fiscais da Sudam e Sudene e os QRTCs. Hoje, se uma empresa incentivada com a redução de 75% do IRPJ sobre o lucro da exploração apura prejuízo em determinado ano, na prática, o incentivo não opera – afinal, 25% de um tributo igual a zero, é também zero. Isso vale para um cenário em que a empresa passa quatro anos apurando prejuízo.
Por outro lado, caso o incentivo seja transformado em um QRTC, o crédito fiscal que não pode ser utilizado para compensar o IRPJ devido (pois a empresa apurou prejuízo) deverá ao final de quatro anos ser reembolsado (em caixa ou equivalente de caixa) para a empresa. De acordo com as regras da OCDE, o regime de crédito deve ser desenhado de modo que o mecanismo de reembolso tenha relevância prática para os contribuintes.
Nesse contexto, a conversão dos incentivos da Sudam e Sudene em créditos deve ser cuidadosamente estruturada para garantir que esses possam, de fato, resultar em reembolsos, de modo a oferecer benefícios financeiros reais mesmo em caso de prejuízo, e não apenas a redução da carga tributária a zero.
Importante registrar que outros países também optaram por adotar créditos fiscais para preservar seus benefícios locais das Regras GloBE. Um exemplo recente é o de Singapura que, junto com seu pacote de implementação do Pilar 2, anunciou a criação do Crédito de Investimento Reembolsável (Refundable Investment Credit – RIC), projetado para ser classificável como um QRTC.
O regime visa incentivar empresas a realizarem investimentos significativos em atividades econômicas de alto valor e substância, como: ampliação de capacidade produtiva, expansão ou criação de serviços digitais e sedes corporativas, atividades com commodities, e iniciativas de P&D e inovação, entre outras.
As empresas podem obter até 50% de suporte sobre despesas qualificadas,[7] que incluem: despesas de capital, mão de obra, treinamento, honorários, ativos intangíveis etc. Os créditos podem ser usados para compensar tanto o imposto de renda quanto o QDMTT de Singapura, e a IIR. Créditos não utilizados podem ser reembolsados em dinheiro dentro de quatro anos. Empresas beneficiárias também podem, mediante aprovação governamental, utilizar os créditos para compensar impostos devidos por outras empresas do mesmo grupo.
O RIC possui dois aspectos importantes: (i) foi projetado para atrair empresas que investem em atividades econômicas de alto valor e substância, permitindo que se beneficiem do tratamento favorável do QRTC e aumentem seu montante de Exclusão do Lucro Baseada na Substância, reduzindo duplamente a exposição ao tributo complementar; e (ii) permite a compensação em grupo, possibilidade rara em regimes de crédito similares e que oferece flexibilidade adicional às empresas. O regime de crédito de Singapura apresenta potencial significativo de benefícios para as empresas, desde que seja efetivamente qualificado como um QRTC.[8]
A adoção, pelo Brasil, de créditos reembolsáveis, que podem ser inspirados em exemplos como o de Singapura, pode ser uma estratégia eficaz para equilibrar a competitividade fiscal do país com a conformidade internacional. No entanto, para que esses créditos alcancem seus objetivos, é crucial que o Brasil assegure que o design do regime ofereça benefícios tangíveis e reembolsáveis.
Além dos incentivos da Sudam e Sudene, outros importantes incentivos concedidos às empresas brasileiras (como aqueles concedidos pela Lei do Bem e o Prouni, por exemplo) devem ser igualmente revistos, sob pena de perderem parte relevante do impacto positivo que motivou sua criação.
[1] Comentário às Regras GloBE, Artigo 3.2.4, para. 110.
[2] Art. 3º, inciso XXXV da IN 2.228/24.
[3] Art. 15 da IN 2.228/24.
[4] Art. 3º, inciso XXXVI da IN 2.228/24.
[5] Tal tratamento se baseou nos princípios contábeis estabelecidos no IAS 20 e o IAS 12, sendo obrigatório para o cálculo do Pilar 2. OECD (2023), Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy – Administrative Guidance on the Global Anti-Base Erosion Model Rules (Pillar Two), p. 25.
[6] Comentário às Regras GloBE, Artigo 10, para. 136.
[7] Contudo, o montante total será determinado pelo governo.
[8] Nesse sentido: M. Sullivan, Will Singapore’s Refundable Investment Credit Trigger Pillar 2 Tax?, Tax Notes International 114 (2024), e A. Seah, Singapore’s Refundable Investment Credit Will Comply With Pillar 2, Tax Notes International 115 (2024).