Qual o papel do centro de governo para avançar a melhoria regulatória no Brasil?

Spread the love

O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem avançado com grande sucesso na implementação de boas práticas regulatórias e no uso de ferramentas que ajudam a melhorar os processos regulatórios sem ter um órgão de coordenação e supervisão regulatória (Regulatory Oversight Body ou ROB, na sigla em inglês) com as características observadas nas experiências e práticas internacionais[1].

Mesmo que diferentes instituições tenham desenvolvido esse papel ao longo dos anos, a consolidação das funções de um órgão de coordenação e supervisão regulatória é um dos elementos faltantes no desenho institucional do processo de reforma regulatória do país. No passado, a Casa Civil e o Ministério da Economia desempenharam esse papel. Hoje, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) tem a liderança desta política pública. Os bons resultados merecem ser analisados para identificar tendências que possam ser replicadas no setor público, não só brasileiro, mas também de outros países.

O sucesso conseguido até hoje pode ser atribuído a diversas causas. Uma delas é que os avanços se concentram, majoritariamente, nas agências reguladoras federais, órgãos da administração com uma característica única na experiência internacional: uma carreira específica de Especialista em Regulação, na qual os técnicos têm estabilidade profissional.

Com isso, a rotatividade do corpo técnico é reduzida e a instituição acumula conhecimento e capacidade técnica ao longo do tempo. As agências reguladoras são órgãos especializados nos seus setores de atuação, o que cria um ambiente favorável para o uso de ferramentas que ajudem na preparação e implementação de regulações mais efetivas.

É importante destacar que, além das questões técnicas, a agenda de melhoria da qualidade regulatória tem tido um apoio ao nível político dentro dessas instituições, o que tem facilitado os avanços e o aperfeiçoamento das ferramentas introduzidas. As agências reguladoras federais e algumas autarquias, como o Inmetro, têm avançado de maneira relevante e são referências, em nível mundial, nesta matéria.

Seria possível replicar um processo semelhante em outras instituições brasileiras? Provavelmente não de forma generalizada. O sucesso não tem sido simétrico para o conjunto da administração pública brasileira. A questão hoje é saber como caminhar na direção correta com muitas instituições que produzem e implementam regulações e com outros níveis de governo (estados e municípios) que também têm funções reguladoras.

O desafio não é pequeno, pois a realidade mostra que há ilhas de excelência, mas há muitas áreas que não estão participando desse processo com a mesma velocidade. O risco dessa situação é expandir a defasagem entre os reguladores brasileiros e não conseguir os resultados que a qualidade regulatória promete para o país – como  preparar intervenções com objetivos claros, ter processos regulatórios mais transparentes e participativos, reduzir custos e riscos para a sociedade, melhorar o ambiente de negócios, contribuir para o desenvolvimento social e o crescimento econômico do país etc.

Qual deve ser o papel do órgão de coordenação e supervisão nessa tarefa? De acordo com a experiência internacional, as funções dos órgãos de coordenação e supervisão regulatória são fundamentais para o sucesso da política regulatória[2]. As suas responsabilidades mais relevantes são geralmente explicitadas em instrumentos legais que as descrevem detalhadamente, e incluem:

Ter uma política regulatória bem definida é importante para poder cobrar dos reguladores a sua implementação. Esse processo passa por muita coordenação entre as instituições e entre os níveis de governo, buscando um alinhamento com ferramentas e procedimentos formalmente estabelecidos.
Esses órgãos contribuem para a disseminação do conhecimento sobre boas práticas regulatórias, criação de materiais de apoio e a capacitação dos quadros técnicos dos reguladores. A tarefa atual é reduzir assimetrias no conhecimento das ferramentas e a forma de implementação de novos processos regulatórios mais bem estruturados.
Uma das funções principais destes órgãos é fazer o controle da qualidade através do escrutínio das análises de impacto regulatório (AIR) e de outras ferramentas para garantir que o regulador que não fez a sua tarefa cumpra com o processo adequado e com a qualidade necessária. Essa função demanda capacidade, conhecimento e boa reputação técnica, além de grande apoio político, coordenação entre as instituições e forte liderança. Hoje essa função é quase inexistente.
A promoção ativa das boas práticas regulatórias e o monitoramento do progresso.  Esses órgãos são instrumentais para avançar na agenda e apresentar resultados.

A experiência internacional também mostra que a coordenação e a supervisão têm evoluído nos últimos anos frente a necessidade de garantir que as intervenções do governo como um todo respondam às necessidades sociais, e não só de alguns grupos, e que, frente à recursos limitados, os governos tomem decisões mais eficientes e efetivas.

Não é mais uma agenda de liberalização e desburocratização, mas trata de como intervir de forma inteligente, garantindo benefícios sociais e reduzindo impactos negativos. Hoje, a coordenação e a supervisão regulatórias são condições prévias para facilitar a implementação da política regulatória e, por isso, é importante que estas funções tenham uma institucionalidade forte.

Continuar no caminho atual – ou seja, com o MDIC mantendo suas responsabilidades já atribuídas – significaria avanços em algumas instituições e no uso de algumas ferramentas de forma sistematizada, dado que já tem sido observada uma tendência a adotar boas práticas regulatórias e que há obrigatoriedades que têm conseguido harmonizar certos processos para desenhar e implementar regulações. Uma nova estratégia de política regulatória ajudaria a reforçar os ganhos e avançar a agenda.

Também seria possível pensar em fortalecer o sistema atual com algumas mudanças legais e institucionais, porque o arcabouço legal atual do processo de reforma regulatória é incompleto. Isso pode ser ajustado para, pelo menos, harmonizar a institucionalidade e dotar o MDIC de maior força para exercer o seu papel de órgão de coordenação e supervisão. As responsabilidades do MDIC, por exemplo, deveriam ser explícitas e mais detalhadas.

O mais adequado, no entanto, seria fortalecer o sistema atual com mudanças mais amplas que permitam que o centro de governo tenha um papel mais preponderante no processo de melhoria da qualidade regulatória. Se o Brasil deseja ver frutos relacionados com a melhoria da qualidade da regulação produzida pelos seus reguladores, será necessário ter um órgão de coordenação e supervisão mais forte, dotado de todas as responsabilidades necessárias para assegurar que a administração como um todo esteja se movimentando na direção desejada, adotando as boas práticas regulatórias de forma sistematizada.

Em particular, a função de desafiar os reguladores com o controle da qualidade das análises e outras ferramentas precisa ser incorporada e levada à prática. Com a complexidade e o tamanho do Brasil, é claro que essa instituição deve ter enorme apoio político e a capacidade de impor-se como liderança da política regulatória. Como sucede em muitos países, o órgão de coordenação e supervisão regulatória pode estar no centro de governo, como na Casa Civil, mas também é possível que o MDIC assuma essas novas funções e se constitua numa unidade maior, com recursos humanos, técnicos e financeiros adicionais, e com uma agenda muito mais elaborada para a promoção da qualidade regulatória.

Independentemente do arranjo institucional, as tarefas que o órgão de coordenação e supervisão precisa cumprir no Brasil são variadas e de diferente natureza. Por exemplo, reduzir o custo Brasil, uma demanda do setor privado que sem dúvida tem um impacto negativo para o país, precisará de enormes esforços de coordenação e capacidade técnica, além de incentivos adequados para os reguladores. Garantir que as AIRs sejam realmente preparadas e que os reguladores não fujam da obrigatoriedade por meio de exceções previstas na legislação, precisa de uma mudança legal que torne a não realização da AIR muito difícil.  Ao mesmo tempo, será necessário capacitar os reguladores para que possam cumprir com a sua preparação. Ampliar a participação social no processo regulatório para ser mais efetiva, abrindo espaços para grupos que geralmente não participam, pode ser apoiado com ferramentas tecnológicas a serem desenvolvidas, além de tornar o processo regulatório mais aberto e transparente.

Os desafios são grandes, mas o país tem mostrado que a agenda da qualidade regulatória veio para ficar. Fortalecer a institucionalidade se tornará vital para poder cumprir com as expectativas e apresentar resultados ainda mais positivos.

[1] Para uma lista completa das funções dos órgãos de coordenação e supervisão regulatória ver Renda, Andrea, R. Castro, G. Hernandez (2022), “Defining and contextualising regulatory oversight and co- ordination” em OECD Regulatory Policy Working Papers No. 17, OECD, Paris, https://doi.org/10.1787/a4225b62-en

[2] A OCDE recomenda “estabelecer mecanismos e instituições que ativamente proporcionem supervisão dos procedimentos da política regulatória e seus objetivos, apoiem a implementação da política regulatória e com isso promovam a qualidade regulatória”.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *