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De acordo com a Lei Geral de Concessões, a estrutura do fluxo de receitas do projeto concedente deve incluir a tarifa como seu elemento principal. Contudo, o art. 11 da Lei prevê a possibilidade de aferição de quatro categorias de receitas provenientes de fontes secundárias, isto é, que não decorrem de tarifa.
A disciplina legal da receita acessória é tão concisa que é possível que, à época de sua elaboração, ainda não se tenha tido plena consciência da importância que esse tema poderia adquirir em contratos de concessões[1].
A Lei Nacional do Saneamento Básico, por sua vez, estabelece em seu art. 10-A, inciso II, que os contratos do setor devem prever a possibilidade de receitas secundárias, inclusive permitindo que tais receitas sejam compartilhadas entre Poder Concedente e Concessionária.
Não há, atualmente, uma nomenclatura única para essas receitas, que podem ser chamadas de alternativas, complementares, acessórias ou oriundas de projetos associados. Aqui, será denominada, de maneira geral, como “receitas secundárias”, cuja relevância se dá por diversos motivos.
Tradicionalmente, pode se entender que receitas secundárias podem ser subdivididas em duas hipóteses mais amplas[2]: (a) receitas provenientes de empreendimentos intimamente relacionados à execução do projeto concessionário em si; (b) receitas sem ligação direta com a concessão, mas que estão vinculadas economicamente ao projeto da concessão, atuando como fonte de recursos adicionados à remuneração do concessionário.
Recentemente, a Norma de Referência 6/2024 da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) busca definir, estabelecendo que (i) receitas adicionais seriam aquelas obtidas por meio da exploração de fontes de receitas alternativas, acessórias ou de projetos associados à prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, usualmente sem a regulação de preços da entidade reguladora infranacional; e (ii) receitas complementares seriam obtidas pela prestação de serviços auxiliares ou complementares, porém correlatos aos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário e sob a regulação de preços da entidade reguladora infranacional, bem como multas impostas aos usuários, conforme determinado em contrato ou regulamento.
No setor de saneamento básico, as receitas secundárias mais frequentes são aquelas relacionadas diretamente à prestação do serviço, como instalação de hidrantes em imóveis, substituição de hidrômetros, religação, etc.
Contudo, atividades secundárias vêm ganhando força no setor e podem contribuir para a eficiência da prestação do serviço. Este é o caso, por exemplo, da comercialização de água de reuso, que é produzida dentro das Estações de Tratamento de Esgoto e pode ser utilizada para inúmeras finalidades, como geração de energia, refrigeração de equipamentos, aproveitamento nos processos industriais e limpeza de ruas e praças.
Outro exemplo é a implementação de sistemas fotovoltaicos, visando reduzir os custos elevados com energia elétrica nos serviços de saneamento. Nesse contexto, as concessionárias podem comercializar eventuais excedentes produzidos, resultando não apenas em redução de custos, mas também na criação de novas fontes de receita.
Embora as receitas secundárias devam ser expressamente previstas no contrato, para que integrem a prestação de contas do concessionário, pode não ser possível de antemão a definição exaustiva das possíveis fontes[3]. Isso porque é possível que se esteja diante de uma maior complexidade dos contratos mais recentes.
Diante desse panorama, é importante que os contratos prevejam ao menos a possibilidade de aferição de receitas secundárias, ainda que não seja uma previsão exaustiva. Isso se torna ainda mais relevante, considerando que, em muitos casos, a receita secundária nem sequer é componente da fórmula do equilíbrio econômico-financeiro e pode, ainda, ser partilhada entre concessionária e concedente.
O cenário pode vir a ser alterado, na medida em que a Norma de Referência ANA n.º 6/2024 estabelece que o contrato poderá prever que um percentual das receitas adicionais seja compartilhado com o poder concedente visando à redução da tarifa ao usuário, à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao pagamento de indenização em caso de término antecipado, ou à quitação de débitos do titular do serviço com o prestador.
Assim, ao considerar a incorporação de receitas secundárias, diversos benefícios surgem, como a redução da vulnerabilidade do modelo financeiro da concessão a variações imprevistas, oferecendo uma estratégia eficaz para mitigar riscos específicos. Além disso, a receita secundária facilita a compensação por investimentos adicionais realizados pela concessionária, incentivando melhorias e inovações nos serviços.
Por fim, a promoção da eficiência operacional é um resultado direto de um modelo contratual que viabiliza a exploração de receitas secundárias. Essa abordagem incentiva práticas mais eficazes, redução de perdas e otimização dos recursos, gerando ganhos significativos tanto para o concessionário quanto para os usuários.
[1] RIBEIRO, Maurício Portugal. Receitas acessórias decorrentes de novos projetos imobiliários em concessões e PPPS. Disponível em: https://portugalribeiro.com.br/wp-content/uploads/receitas-acessorias-e-projetos-imobiliarios-v5-versao-final-enviada-para-publicacao.pdf
[2] GUIMARÃES, Fernando Vernalha. As receitas alternativas nas concessões de serviços públicos no Direito brasileiro. RDPE, Belo Horizonte, Fórum, 21/122-123, jan./mar. 2008.
[3] MOREIRA, Egon Bockmann. Direito das concessões de serviço público: Concessões, parcerias, permissões e autorizações. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022. p. 389-390