Resistência civil pode derrubar Maduro?

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Em 28 de julho, o governo venezuelano declarou que havia vencido as eleições no país. O resultado é pouco crível, mas ainda que Nicolás Maduro tivesse vencido, é importante lembrar que eleições não se resumem ao dia da votação. Um sistema eleitoral justo requer garantias para que os cidadãos exerçam direitos políticos, incluindo o direito de protestar e concorrer em eleições sem intimidação por agentes públicos.

Embora grande parte da América Latina tenha passado por um processo de deterioração institucional ao longo da última década, esse processo foi especialmente profundo na Venezuela (e também na Nicarágua). Além da violência direta, o governo venezuelano exerce o que Johan Galtung chamou de violência estrutural. Ao cercear várias liberdades políticas, o governo impede que os cidadãos exerçam direitos básicos.

Mas como o governo venezuelano se mantém? Internamente, construiu um robusto ecossistema de forças de segurança que inclui o Exército, a Guarda Nacional Bolivariana, a Milícia Bolivariana, a Polícia Nacional Bolivariana, o Serviço Bolivariano de Inteligência e grupos paramilitares conhecidos como colectivos.

Todos têm cometido diversas violações aos direitos humanos, incluindo execuções extrajudiciais, tortura, prisões arbitrárias, e violência contra manifestantes pacíficos, como registrado em relatórios da Anistia Internacional, Human Rights Watch, e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Mesmo o governo venezuelano reconheceu que, desde 2015, 455 pessoas foram vítimas de “desaparecimentos forçados”.

Externamente, alguns aliados de conveniência se mantêm, seja em função de interesses estratégicos (e.g., China, Rússia) seja pela falta de melhores opções de alianças (e.g., Irã). O vocabulário socialista e anti-imperialista parece manter a atração do regime junto a alguns grupos e movimentos de esquerda na América Latina.

Mas, dadas as circunstâncias, seria possível para a oposição remover o governo Maduro de forma não violenta? A história nos mostra que governos autoritários podem ser desafiados e derrubados de forma pacífica. A lógica de funcionamento do Estado moderno indica que governantes dependem mais da boa-vontade dos governados do que o oposto.

Eleições fraudulentas muitas vezes servem como catalisadores para a oposição, criando uma janela de oportunidade para remover um governo do poder. Nas Filipinas, após eleições fraudulentas em 1986, Corazón Aquino liderou um movimento que derrubou a ditadura de Ferdinand Marcos, até então no poder por cerca de 20 anos.

Na Sérvia, o movimento de estudantes Otpor! (resistência) conseguiu organizar forças de oposição contra o governo de Slobodan Milošević. As fraudes nas eleições de 2000 no país dispararam uma onda de protestos que culminou na renúncia de Milošević. No Nepal, a destituição arbitrária do parlamento eleito em 2006 gerou protestos generalizados, culminando no restabelecimento do parlamento e, posteriormente, no fim da monarquia em 2008.

Contudo, a liderança da oposição venezuelana precisaria colocar e sustentar nas ruas pelo menos 1 milhão de pessoas, equivalente a cerca de 3,5% da população residente do país. Conforme pesquisas empíricas prévias, como o trabalho de Erica Chenoweth, um governo encontra diversas dificuldades para se manter no poder quando este patamar de mobilização é atingido.

Movimentos não violentos atraem pessoas em maior número e com maior diversidade do que movimentos violentos. Poucos se disporiam a participar de ações violentas, seja por razões práticas, seja por motivos éticos. Movimentos não violentos conseguem atrair pessoas comuns e uma maior variedade de grupos sociais, incluindo idosos, pessoas com deficiência, e diversos outros subgrupos que dificilmente participariam de atos violentos.

Movimentos massivos também complicam a repressão; é difícil para as forças de segurança conterem manifestações com centenas de milhares de pessoas. Grupos grandes e diversos também aumentam a probabilidade de que pessoas próximas a integrantes das forças de segurança estejam entre os manifestantes. Um policial pensaria duas vezes antes de reprimir um protesto no qual amigos ou parentes possam estar participando.

Uma mobilização popular massiva também afeta diretamente os interesses e a legitimidade dos grupos que sustentam o governo. Deserções por grupos apoiadores, como segmentos da burocracia e das polícias, fomentariam ainda mais a oposição e criariam incentivos para que outros pilares de sustentação do governo seguissem o mesmo caminho.

Ao se juntar a oposição – ou mesmo ao indicar neutralidade – elites enviam um sinal à oposição e a outros grupos que o regime pode estar próximo do fim. Elites que se beneficiam do status quo passam a ter incentivos para desertar do governo e se aproximar da oposição, buscando colocar-se numa posição privilegiada para quando o governo entrar em colapso.

Além de protestos de rua, há um amplo repertório que pode ser utilizado por movimentos de oposição, incluindo obstruções, ocupações, greves, vigílias, e sit-ins. Estes são alguns dos 198 métodos de ação não violenta inicialmente descritos por Gene Sharp nos anos 1970. Esta é uma tradição que remonta à noção de Satyāgraha, criada por Gandhi, e a diversos outros movimentos por ele inspirados.

Movimentos pacíficos podem, é claro, ser alvo de repressão intensa por forças de segurança, potencialmente provocando entre manifestantes uma reação igualmente violenta e, em consequência, episódios de repressão ainda mais violentos. E nada garante que um amplo movimento seja bem-sucedido.

Contudo, caso o governo Maduro persista no poder e as condições políticas se mantenham, pode não haver melhor alternativa para romper com o quadro de autoritarismo, violência estrutural, e pobreza no país.

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