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Depois da definição dada no julgamento da ADI 4.874, a regulação do uso de aditivos em produtos de tabaco, como os de sabores e aromas, volta ao Supremo Tribunal Federal, em julgamento virtual entre os dias 1º e 11 de novembro, agora em sede de repercussão geral, reconhecida no Tema 1.252: “Competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para editar normas sobre a restrição de importação e comercialização de cigarros, especificamente as contidas na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 14/2012, no que proíbe o uso de certos aditivos”.
O uso de aditivos consiste em estratégia da indústria para mascarar o gosto ruim do tabaco, tornar os produtos mais palatáveis e atraentes, principalmente para crianças, adolescentes e jovens, facilitando as primeiras tragadas de produtos que causam forte dependência, dezenas de doenças e risco de morte precoce. É criminoso, como já alertou o médico Drauzio Varella.
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Além disso, as evidências científicas sem conflitos de interesse se avolumam a comprovar que os produtos do tabaco aromatizados são particularmente atraentes para os jovens e até crianças, levando à experimentação e iniciação ao tabagismo, e que proibições ou restrições aos produtos de tabaco aromatizado, incluindo mentol, diminuem essa indesejável iniciação e apoiam a cessação. Quanto mais cedo ocorrer a iniciação ao tabagismo, mais dificuldade estes indivíduos terão para deixar de fumar na idade adulta.
O consumo de tabaco é a principal causa de mortes evitáveis e de doenças no mundo, responsável por 8 milhões de mortes por ano. Quase 100 mil crianças começam a fumar cigarros todos os dias. É bem conhecida a importância dos jovens como mercado para a indústria do tabaco, já que seus consumidores regulares adoecem e têm morte precoce. Assim, é hoje inequívoco que os esforços para enfrentar esta epidemia global devem incluir estratégias para evitar que os jovens comecem a consumir tabaco e se tornem viciados em nicotina.
Em 2018, em decisão histórica, o Supremo julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.874), movida pela Confederação Nacional da Indústria, que pretendia invalidar a atuação da Anvisa e a RDC 14/2012, a despeito de se tratar de política de saúde pública efetiva e necessária. Neste precedente, relatado pela sempre ministra Rosa Weber, como não foi conferido efeito vinculante num ponto da decisão, surgiram mais de 40 novas ações na Justiça Federal da 1ª Região sendo que uma delas chegou ao STF em grau de recurso e foi afetada para repercussão geral.
A demora no julgamento decorre da hiperjudicialização característica das estratégias adotadas mundialmente pela indústria do tabaco. Desde a edição da norma, em 2012, muitas empresas, inclusive as maiores do país, bilionárias multinacionais do tabaco, optaram por não cumprir a RDC 14/2012 apostando em liminares judiciais que, rapidamente, foram cassadas.
Um estudo identificou que isso permitiu que entre 2012 e 2023, a indústria realizasse na Anvisa um total de 1.112 novos registros de produtos de tabaco com aditivos proibidos pela norma. A disseminação do tabaco para narguilé começou em 2014 e até 2023, com o registro de 641 novos produtos desse tipo com aditivos vedados. O pico do registro dos produtos com aditivos proibidos foi no ano de 2020, há pouco tempo, portanto.
O exercício abusivo da jurisdição, por parte destes gigantes de mercado, permitiu a infortunada marca de uma geração reinserida no consumo de tabaco derivados, o que é um prejuízo social e sanitário sem volta.
O ponto final a ser dado pelo STF está mais fortalecido do que nunca. Todas as manifestações do Ministério Público e as decisões proferidas em grau de apelação sobre o assunto corroboram a competência da Anvisa e a constitucionalidade da RDC 14/2012, em alinhamento ao decidido na ADI 4.874, inclusive no âmbito de instrumentos vinculantes, como o incidente de assunção de competência (Processo 0046408-58.2012.4.01.3300).
A RDC 14/2012 tem respaldo na Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (Dec. 5.658/2006) e nas Diretrizes Parciais para a Implementação dos artigos 9º e 10 da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco.
O Brasil não está sozinho. Canadá, Estados Unidos e União Europeia possuem regulação similares a do nosso país. A medida tem o apoio de autoridades de saúde nacionais e internacionais, como a Associação Médica Brasileira, o Instituto Nacional do Câncer/Ministério da Saúde, Organização Mundial da Saúde e da Organização Pan-Americana de Saúde, havendo consenso sobre a centralidade da RDC 14/2012 na política de controle do tabagismo.
O reconhecimento da competência da Anvisa para edição da RDC 14/2012 e a constitucionalidade da norma é essencial para assentar segurança jurídica à política de controle de tabaco no país, e fortalecer a prevenção do tabagismo, principalmente entre crianças, adolescentes e jovens. Nenhuma empresa séria irá quebrar ao respeitar a lei.
Considerando que a média da iniciação ao consumo do tabaco no país é de 16 anos, que 44% dos estudantes que fumam preferem os cigarros aromatizados, que mais de 22% de estudantes de 13 a 17 anos já experimentaram cigarro alguma vez na vida, enquanto a prevalência do tabagismo é de 12,6% da população, a pergunta que fica é: quantos jovens brasileiros foram fisgados ao tabagismo e seguirão no consumo na fase adulta nestes mais de 12 anos em que a norma já deveria ter sido amplamente implementada no país? Que se faça justiça integral e definitivamente desta vez.
Autores:
Adriana Carvalho – Advogada e diretora jurídica da ACT Promoção da Saúde
Diogo Rosenthal Coutinho – Professor de Direito Econômico da USP
Eloísa Machado de Almeida – Professora de Direito Constitucional da FGV Direito SP
Luis Renato Vedovato – Professor de Direito Internacional da Unicamp e da PUC-Campinas
Walter José Faiad de Moura – Advogado e sócio do escritório WMAA – Walter Moura Advogados Associados