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Até o final do século XIX, não se via no Brasil ou nas demais nações uma preocupação social com a questão do envelhecimento. A baixa expectativa de vida da população, somada a ausência de desenvolvimento sanitário ou médico-tecnológico, relegava a questão da senilidade à esfera privada, geralmente vinculada à decisão do pater familias.
Nesse período, que podemos denominar de paradigma privado do envelhecimento, a senescência não era encarada como uma questão pública, restringindo-se o cuidado com os idosos à esfera familiar, aos hospitais gerais e às entidades filantrópicas.
Embora não constituísse um problema social, o envelhecimento certamente consubstanciava um problema ao idoso, o qual, esquecido no interior dos lares ou em instituições de acolhimento, permanecia desguarnecido em relação à sua autonomia individual, liberdade de escolha ou participação nas decisões relacionadas ao seu bem-estar.
Com o desenvolvimento das sociedades industriais capitalistas e, principalmente, com a consolidação da urbanização e da economia de mercado, a idade cronológica passou a ditar o ritmo social, representando um “mecanismo básico de atribuição de status (maioridade legal), de definição de papeis ocupacionais (entrada no mercado de trabalho) e de formulação de demandas sociais (direito à aposentadoria)”[1].
Tais transformações atingiram também as famílias, cujos membros, agora em atividades essencialmente urbanas, passaram a acumular maior tempo fora dos lares, destinando, por consequência, menor tempo para o cuidado de seus pares (em especial, idosos e crianças).
Aliado a isso, fenômenos como o avanço da gerontologia na medicina, a universalização da higiene e a diminuição das taxas de fertilidade contribuíram para fornecer as bases biossociais para uma maior longevidade, iniciando um processo de inversão da pirâmide demográfica em favor da camada idosa da população.
O resultado dessa nova gramática social atraiu a expansão de um contingente significativo de idosos em sociedade, tornando o envelhecimento um problema social, principalmente à luz dos serviços de saúde, previdência, transporte, moradia e acessibilidade.
Finalmente, preocupações começaram a se evidenciar em torno das vulnerabilidades específicas deste segmento, impulsionando um movimento de luta por direitos inserido no paradigma público do envelhecimento.
No Brasil, este período é marcado pelo avanço de legislações protetivas, destacando-se a inclusão da proteção aos idosos no artigo 230 da Constituição Federal de 1988 e o advento das Leis nº 8.842/1994 e 10.741/2003, que instituíram, respectivamente, a Política Nacional e o Estatuto do Idoso.
Esses instrumentos normativos incluíram a obrigatoriedade de proteção dos direitos dos idosos não apenas à família, mas principalmente ao Estado, comunidade e sociedade, revelando uma preocupação pública em relação à senilidade.
Contudo, assim como ocorrido em relação a outros grupos vulneráveis (pessoas com deficiência, crianças e adolescentes etc.), o paradigma social de proteção ao envelhecimento não escapou ileso a críticas, sobretudo por referendar um modelo de proteção estatal essencialmente paternalista em relação ao idoso[2].
Desenvolvida sob uma noção tutelar substitutiva da vontade[3], a proteção etária muitas vezes esbarrava em uma perspectiva excludente do envelhecimento, conferindo aos idosos uma vitória com sabor de fracasso[4], principalmente em relação à sua autonomia pessoal.
Exemplo emblemático dessa circunstância podia ser visualizado a partir da limitação contida no artigo 1.641, inc. II, do Código Civil de 2002, que restringia o regime de bens no casamento da pessoa maior de 60 anos à separação absoluta. A disposição foi posteriormente alterada pela Lei 12.344/2010, que elevou o critério etário para 70 anos.
É possível vislumbrar três níveis de violação constitucional aos direitos dos idosos decorrentes do regime compulsório de bens.
Primeiro, há violação à dignidade humana (art. 1º, inc. III, CFRB), dado que a limitação do regime de bens ergue-se como injusto impedimento à autonomia e à liberdade de autodeterminação dos septuagenários, priorizando o patrimônio (dos herdeiros) em detrimento da pessoa idosa.
Segundo, há violação à isonomia (art. 5º, caput, CFRB), já que o dispositivo institui um critério etário como fator exclusivo de discriminação (3º, inc. IV, CFRB), reduzindo – ao invés de ampliar – o gozo e o exercício de direitos pela população idosa em relação às demais pessoas.
Terceiro, há violação à cidadania inclusiva (art. 1º, inc. II), já que a norma afasta o septuagenário das decisões sobre os rumos de sua própria vida, obrigando-o a desfrutar de ação afirmativa com a qual este não concorda[5].
Não há, ainda, respeito à proporcionalidade, afinal “uma pessoa com setenta anos pode (e isso acontece com frequência) chefiar o Poder Executivo e escolher os destinos econômicos de toda a nação, malgrado não possa, estranhamente, escolher o seu próprio regime de bens”[6].
Esse contexto de violações chegou ao STF em fevereiro deste ano. No julgamento do ARE nº 1.309.642, o Plenário decidiu, em votação unânime, que o regime de separação obrigatória de bens no casamento de pessoas com mais de 70 pode ser alterado pela vontade das partes[7].
Na origem, o conflito envolvia um processo de inventário, em que a cônjuge sobrevivente pleiteava o direito de participar da sucessão hereditária após o falecimento do autor da herança, o qual havia celebrado união estável aos 72 anos.
Na primeira instância, reconheceu-se o direito sucessório da requerente, declarando-se inconstitucional o art. 1.641, inc. II, do Código Civil por violação à dignidade humana e à igualdade.
A decisão de primeiro grau foi posteriormente reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que entendeu pela constitucionalidade do dispositivo, voltado a “proteger a pessoa do idoso e seus herdeiros necessários de casamentos realizados única e exclusivamente por interesses econômico-patrimoniais”.
Interposto o competente recurso extraordinário, o STF entendeu por bem negar provimento ao pedido recursal, por entender que a ausência de manifestação expressa do de cujus a respeito do regime de bens ao tempo da união impediria o afastamento da norma legal.
Reconheceu-se, entretanto, a repercussão geral do caso (Tema 1.236), face à relevância social, jurídica e econômica da questão. No julgamento, fixou o STF a seguinte tese: “nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.642, II do CC, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública“.
Assim, muito embora não tenha declarado a inconstitucionalidade do art. 1.642, inc. II, do CC, a Suprema Corte conferiu interpretação conforme ao dispositivo, sem redução de texto, para admitir o afastamento da obrigatoriedade do regime de separação de bens diante da manifestação da vontade do nubente septuagenário.
A partir desse precedente vinculante, portanto, poderão as pessoas maiores de 70 anos afastar o regime de separação compulsória em casamentos, mediante a manifestação de vontade celebrada por escritura pública registrada no Cartório de Imóveis.
Algumas dúvidas práticas, entretanto, sobressaem à presente decisão: o regime da separação obrigatória de bens acabou? Se não, quais os requisitos para o afastamento dessa regra? Ainda: as uniões estáveis restaram abrangidas pela decisão? E os processos em andamento? Por fim: as pessoas septuagenárias, casadas sob o regime de separação obrigatória de bens, podem revisar o regime antigo?
De saída, necessário pontuar que o regime da separação obrigatória de bens envolvendo pessoas com mais de 70 anos continua sendo a regra vigente no ordenamento jurídico brasileiro, já que o STF, infelizmente, não declarou a inconstitucionalidade do dispositivo.
Assim, salvo diante de convenção das partes em sentido diverso – o que raramente ocorrerá em um país desigual e com baixa educação jurídica como o Brasil – ainda prevalecerá o regime legal de separação compulsória estabelecido pelo art. 1.642, inc. II, do CC.
Já no que tange aos requisitos para o afastamento do regime de separação legal, a manifestação de vontade deve ser feita por pacto ante ou pós-nupcial no caso de casamento, ou por escritura pública e registro no cartório de imóveis do domicílio dos nubentes no caso de união estável.
Pragmaticamente, poderá o idoso escolher entre as diversas variedades de regimes de bens (comunhão parcial, comunhão universal, participação final nos aquestos etc.), abrindo-se, ainda, a possibilidade de adotar regimes mistos ou flexíveis.
A possibilidade de combinação de regimes, aliás, pode constituir remédio contra indesejado conservadorismo na aplicação da disponibilidade patrimonial, admitindo-se, exempli gratia, um regime em que a comunhão seja maior para o cônjuge septuagenário (ex: 70% dos bens), ou que submeta determinada espécie de bem à cláusula da separação absoluta (ex: bens imóveis). De qualquer forma, deve-se priorizar a vontade do idoso.
Importante destacar, ainda, que a decisão se estende necessariamente às uniões estáveis, alinhando-se o julgado, nesse aspecto, ao decidido pelo STF no RE 878.694 (Tema 809), que equiparou a família formada pelo casamento à união estável.
Em relação aos efeitos da decisão, ela deverá ser aplicada a todos os processos em curso com identidade de causa de pedir, salvo nos casos já transitados em julgado. Evita-se aqui o risco da insegurança jurídica, em homenagem à coisa julgada.
No caso de pessoas septuagenárias já casadas sob o regime da separação absoluta, será possível o pedido de revisão do regime de bens anterior, desde que o pedido seja feito judicialmente, no caso do casamento, ou manifestado em escritura pública registrada em cartório, no caso da união estável. Nesses casos, a modificação do regime de bens opera-se ex nunc, projetando, unicamente, efeitos futuros sobre o patrimônio das partes.
Por fim, em tempos de ventos reformistas, interessante verificar que a subcomissão de Direito de Família que compõe a comissão de juristas designada pelo Senado Federal para a revisão do Código Civil vem adotando posicionamento pela eliminação do regime da separação obrigatória de bens aos idosos septuagenários.
Como aponta Flávio Tartuce, relator-geral da comissão: “além do citado problema de inconstitucionalidade, a verdade é que o regime da separação obrigatória de bens, em todos os incisos do art. 1.641 do vigente Código Civil, revelou-se absolutamente anacrônico, excessivamente limitador da liberdade, distante da realidade contemporânea e só gerou problemas nos últimos anos, além de uma desnecessária e excessiva judicialização”[8].
Tudo leva a crer, portanto, que o regime da separação obrigatória de bens imposto às pessoas com mais de 70 anos se encontra com os anos contados em nosso ordenamento jurídico. Que essa decisão do STF represente os primeiros passos desse caminho sem volta de ab-rogação normativa!
[1] DEBERT, Guita Grin; OLIVEIRA, Amanda Marques de. Proteção às minorias etárias: idosos. In: Direito à Diferença, Vol 2, p. 292.
[2] “Esse movimento é responsável pela produção de uma nova e homogeneizante categoria cultural – os idosos. Assim, colocar o envelhecimento como um processo homogêneo de perda de status e de papeis sociais funciona como uma ferramenta deveras eficaz na reivindicação frente ao Estado por direitos e políticas públicas voltadas a essa parcela da população. O problema, no entanto, se evidencia na medida em que a representação homogeneizante do que seria a velhice deixa de contemplar uma multiplicidade de outras formas de envelhecimento, o que aparece de forma mais dramática quando tais experiências deixam de ser pensadas na constituição de direitos e nas políticas públicas”. DEBERT; OLIVEIRA, op. cit., p. 305.
[3] “(…) na medida em que tende a substituir o ideal de uma democracia de cidadãos ativos por um ordenamento de juristas que, arrogando-se a condição de depositários da ideia do justo, acabam por usurpar a soberania popular”. Ibid., p. 304.
[4] RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Fundamentos Constitucionais do Direito à Velhice. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2002, p. 07.
[5] Leandro da Cunha ainda chama a atenção para outro aspecto discriminatório presente na aplicação do artigo 1641 do Código Civil, referente à institucionalização do preconceito de gênero manifestado contra as mulheres. Geralmente destinado a proteção do patrimônio masculino, a regra pressupõe que “as mulheres que se interessam por alguém que tenha mais de 70 (setenta) anos não nutre um sentimento sincero por seu nubente” e que “homens com ‘posses’ precisam ser protegidos das ‘mulheres interesseiras’”. CUNHA, Leandro Reinaldo da. O regime de bens para o casamento de pessoas com mais de 70 anos sob um olhar de gênero. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/direito-e-sexualidade/402198/regime-de-bens-para-o-casamento-de-pessoas-com-mais-de-70-anos
[6] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Direito das Famílias. Vol. 6. 6ª e. Salvador: Editora Juspodivm, 2014, p. 313.
[7] Foi fixada a seguinte tese: “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.642, II do CC, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública”.
[8] TARTUCE, Flávio. A decisão do STF sobre o regime da separação obrigatória de bens e os caminhos possíveis da reforma do CC. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/402474/decisao-do-stf-sobre-o-regime-da-separacao-obrigatoria-de-bens