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Tridimensionalidade do precedente constitucional: da nomofilia clássica à procedimental


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O problema da falta de padrões consistentes de reprodução da jurisprudência do STF

A jurisdição constitucional brasileira está marcada por um paradoxo estrutural: embora o Supremo Tribunal Federal (STF) detenha competências centrais na consolidação da jurisprudência nacional, inclusive com efeitos vinculantes em diversas modalidades decisórias, a reprodução de sua própria jurisprudência carece de padrões formais consistentes.

A dificuldade não reside apenas na oscilação de entendimentos sobre temas substantivos, mas, sobretudo, na ausência de uniformidade procedimental entre casos semelhantes. Esse déficit revela um problema mais profundo do que simples assimetria decisória: ele compromete a racionalidade institucional do STF e fragiliza sua autoridade normativa perante o sistema de justiça.

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Essa heterogeneidade procedimental — frequentemente percebida como uma disfunção episódica — deve ser compreendida como uma patologia estrutural do Supremo Tribunal Federal, enraizada, em grande parte, na limitação epistemológica da processualística civil clássica.

Ao longo de décadas, essa tradição, voltada à lógica da lide individual, bilateral e reparatória, foi aplicada como lente quase exclusiva para interpretar a atuação do STF — uma corte que, na prática, opera em outro plano institucional, com função normativa, estrutura decisória própria e impacto interinstitucional.

A tensão entre a função estabilizadora do tribunal e a fluidez de suas formas de decisão, muitas vezes moldadas de maneira casuística à conjuntura, decorre não apenas de lacunas normativas, mas da insuficiência teórica das categorias disponíveis para lidar com a complexidade do processo constitucional e, mais especificamente, com a singularidade do precedente constitucional.

O que se impõe, portanto, é a construção de uma teoria própria do processo constitucional — que reconheça suas especificidades, supere o modelo adversarial tradicional e fundamente, em termos normativos e procedimentais, a atuação do Supremo como instância de racionalização pública da Constituição.

Essa proposta parte, ainda, do reconhecimento de uma tensão teórica não resolvida: embora a doutrina reconheça a natureza objetiva do processo constitucional, a prática institucional do Supremo Tribunal Federal permanece fortemente condicionada por categorias do processo civil tradicional.

Esse descompasso torna-se mais evidente quando se recorda que, no modelo originário formulado por Kelsen (1941, 1942), a Corte Constitucional deveria atuar como legislador negativo, voltado exclusivamente à anulação de normas incompatíveis com a Constituição, sempre sob perspectiva institucional e impessoal.

O STF, no entanto, distanciou-se progressivamente dessa concepção, assumindo funções normativas, estruturantes e de alta densidade política, para as quais falta um marco teórico-processual próprio. A heterogeneidade procedimental que se observa não decorre apenas de omissões normativas, mas da ausência de uma teoria capaz de lidar com a complexidade do modelo constitucional brasileiro e com o papel singular que nele ocupa o Supremo.

Esse esforço, contudo, convive com um paradoxo teórico ainda pouco enfrentado: a doutrina brasileira desenvolveu um discurso sofisticado sobre a objetividade do processo constitucional, especialmente em temas como a ausência de coisa julgada material subjetiva, a fungibilidade procedimental e a função normativa das decisões.

Apesar disso, persiste uma leitura doutrinária e institucional ancorada na principiologia do processo civil clássico, o que, no plano prático, legitima a persistência da heterogeneidade procedimental. Falta, portanto, não apenas um marco normativo, mas uma teoria própria do processo constitucional capaz de sustentar, hermeneuticamente, a superação do modelo adversarial.

É nesse contexto que se insere a proposta desenvolvida neste artigo, fundada em uma formulação teórica original: a da tridimensionalidade do precedente constitucional, segundo a qual o precedente é composto por três dimensões igualmente vinculantes — (i) a dimensão material (o que se decide), relativa ao conteúdo normativo da tese fixada; (ii) a dimensão argumentativa (por que se decide), que corresponde à fundamentação jurídica e constitucional que sustenta a decisão; e (iii) a dimensão procedimental (como se decide), que trata da forma adotada pela corte para estruturar e construir institucionalmente a decisão.

A hipótese que aqui se sustenta é que a ausência de uniformidade procedimental mina a força vinculante da jurisprudência constitucional, pois compromete sua legitimidade, sua previsibilidade e sua capacidade de orientar o comportamento dos demais atores institucionais.

A crítica que se formula é à prática reiterada do Supremo de adotar modulações procedimentais ad hoc, muitas vezes desconectadas de qualquer critério normativo explícito e da própria jurisprudência da corte, o que compromete a autoridade da decisão não apenas no plano jurídico, mas também institucional e democrático.

Esse quadro de heterodoxia procedimental impõe a necessidade de elaboração de um novo conceito: o de nomofilia procedimental, aqui compreendido como o dever institucional do STF de adotar padrões formais consistentes, isonômicos e transparentes em sua práxis decisória. A nomofilia procedimental se apresenta como desdobramento necessário da função nomofilática, tradicionalmente voltada à coerência do conteúdo normativo, mas aqui expandida para abranger também a forma como a corte estrutura suas decisões e organiza seu processo deliberativo.

Essa proposta teórica se ancora nos fundamentos da democracia procedimental, conforme desenvolvida por autores como Rawls (2003), Habermas (2003), Bobbio (2000) e Gargarella (2010, 2012, 2014). Em todos esses referenciais, a legitimidade das decisões públicas não decorre apenas de seu conteúdo, mas do modo como são produzidas, e isso se aplica com ainda mais força a uma Corte Constitucional. A isonomia procedimental, portanto, não é apenas um requisito interno de racionalidade administrativa, mas um imperativo democrático da jurisdição constitucional em sociedades plurais e complexas.

O artigo se organiza da seguinte forma: iniciamos com o desenvolvimento da formulação teórica da tridimensionalidade do precedente constitucional, concebido como estrutura composta pelas dimensões material, argumentativa e procedimental — todas vinculantes. Em seguida, realiza-se um diagnóstico crítico da heterogeneidade procedimental no STF, evidenciada por práticas institucionais que comprometem a previsibilidade e a legitimidade da jurisprudência constitucional.

Na terceira parte, apresenta-se a evolução do conceito de função nomofilática, da sua origem clássica à necessidade de sua reconceituação como nomofilia procedimental. Por fim, sustenta-se que essa reconceituação representa um desdobramento normativo da democracia procedimental aplicada à jurisdição constitucional, afirmando-se que a legitimidade do STF depende não apenas da correção de suas decisões, mas da forma institucional pela qual elas são produzidas.

A tridimensionalidade do precedente constitucional e sua força vinculante

A compreensão do precedente constitucional como elemento estruturante da jurisdição em um Estado Democrático de Direito exige que se vá além da análise da ratio decidendi em sua acepção tradicional. No contexto da jurisdição constitucional brasileira — especialmente na atuação do Supremo Tribunal Federal — o precedente não pode ser reduzido à tese normativa extraída de um acórdão. É necessário reconhecer que a força vinculante do precedente constitucional se estrutura em três dimensões complementares e indissociáveis: a material, a argumentativa e a procedimental.

Esta formulação teórica, original no direito constitucional brasileiro, parte da premissa de que a legitimidade e a eficácia vinculante de um precedente não decorrem exclusivamente do conteúdo normativo que ele enuncia (o que se decide), mas também das razões que justificam a decisão (por que se decide) e do processo institucional por meio do qual a decisão é construída (como se decide). Cada uma dessas dimensões cumpre uma função específica no sistema constitucional, e a ausência ou deficiência em qualquer uma delas compromete a autoridade da decisão como precedente.

Dimensão material: o que se decide

A dimensão material corresponde ao conteúdo normativo do precedente — a tese jurídica fixada pela corte. É a formulação da norma interpretativa aplicada ao caso, com potencial de orientação para os demais órgãos do Judiciário, da Administração Pública e da sociedade. No Brasil, essa dimensão é explicitada nos julgamentos com repercussão geral, nas súmulas vinculantes e nas decisões em controle concentrado de constitucionalidade.

No entanto, a simples enunciação da tese não esgota o precedente. Uma decisão que contenha uma tese clara, mas que tenha sido tomada de forma arbitrária, sem fundamentação adequada ou por meio de procedimento excepcional, não pode ser tida como legítima nem eficazmente vinculante.

Dimensão argumentativa: por que se decide

A dimensão argumentativa diz respeito à fundamentação jurídica e constitucional que sustenta a decisão. Ela exige que a corte exponha, de forma clara e racional, os motivos pelos quais determinada interpretação da norma constitucional foi adotada. A fundamentação deve ser não apenas lógica, mas também compatível com os princípios do Estado Democrático de Direito, respeitando a coerência interna do sistema constitucional.

A ausência de uma fundamentação robusta enfraquece a autoridade do precedente, pois impossibilita seu controle crítico, sua aplicação analógica e sua replicação em contextos semelhantes. É pela dimensão argumentativa que o precedente se transforma em orientação normativa acessível e controlável, e não em simples enunciado autoritário.

Dimensão procedimental: como se decide

Antes de avançar na reconfiguração normativa do processo constitucional, importa registrar uma tensão estrutural: a doutrina do processo constitucional no Brasil avançou significativamente ao reconhecer seu caráter objetivo e institucional, mas esse reconhecimento convive com uma matriz interpretativa civilista ainda dominante.

A ausência de uma teoria autônoma do processo constitucional faz com que práticas processuais do STF sejam lidas e até justificadas a partir da lógica da lide, ignorando a complexidade estrutural da jurisdição constitucional. Esse descompasso entre doutrina e hermenêutica sustenta, em parte, o quadro de heterogeneidade procedimental apontado neste trabalho.

É nesta terceira dimensão — foco central deste artigo — que reside o principal ponto de fragilidade da jurisprudência constitucional brasileira: a inconsistência procedimental da produção dos precedentes. A dimensão procedimental refere-se ao modo como a decisão foi construída institucionalmente: a escolha do rito, o tempo de tramitação, a composição do colegiado, o ambiente de julgamento (virtual ou presencial), a publicidade do processo deliberativo, o respeito ao contraditório e às regras internas do tribunal.

Decisões tomadas por via monocrática, sem respeito à colegialidade, sem motivação clara para a adoção de rito excepcional ou em tempo desproporcionalmente desigual a casos análogos não podem ser compreendidas como precedentes válidos — ainda que expressem teses corretas ou fundamentos juridicamente aceitáveis. A forma procedimental da decisão é, portanto, parte integrante de sua legitimidade e de sua força vinculante.

Reconhecer a dimensão procedimental como vinculante é reconhecer que a autoridade do precedente constitucional não pode se sustentar apenas sobre o conteúdo ou a argumentação, mas exige formas estáveis, isonômicas e replicáveis de produção da decisão. Sem isso, o precedente perde seu caráter institucional e transforma-se em ato de exceção — o que mina a função normatizadora do STF e enfraquece a previsibilidade do direito.

A força vinculante das três dimensões

As três dimensões aqui descritas não são hierarquizáveis nem substituíveis entre si. Um precedente sem tese clara (material), sem fundamentação adequada (argumentativa) ou construído por vias excepcionais e personalistas (procedimental) não cumpre seu papel normativo no sistema constitucional. Sua autoridade depende da conjugação equilibrada dessas três camadas, o que exige do Supremo Tribunal Federal um compromisso estrutural com a coerência em todos os níveis de sua produção decisória.

É justamente por ignorar ou relativizar a dimensão procedimental que o STF, com frequência, fragiliza a eficácia de sua própria jurisprudência. A compreensão do precedente constitucional como tridimensional e integralmente vinculante oferece o arcabouço teórico necessário para diagnosticar a heterodoxia procedimental como patologia institucional — tema do próximo item — e, a partir disso, formular propostas de reconstrução da função nomofilática à luz das exigências da democracia procedimental.

Heterodoxia e heterogeneidade procedimental no STF: uma patologia institucional

A função nomofilática pressupõe um modelo de atuação jurisdicional comprometido com a coerência, a racionalidade e a estabilidade na produção de decisões. No entanto, o STF, embora exerça papel central na conformação do direito constitucional brasileiro, opera com ampla liberdade procedimental, frequentemente sem observar critérios normativos claros e uniformes.

Essa característica dá origem ao que aqui se qualifica como heterodoxia e heterogeneidade procedimental: a ausência de padrões replicáveis para a condução de casos estruturalmente semelhantes, evidenciando variações discricionárias no “como se decide”.

A seguir, apresenta-se um conjunto ilustrativo de práticas que evidenciam a heterogeneidade procedimental do STF:

Tipo de heterogeneidade Exemplo concreto Consequência institucional
1. Julgamentos monocráticos em ADI e temas com repercussão geral Ministros decidindo monocraticamente sobre aplicação da ADPF 635 (operações policiais nas favelas) mesmo após tese fixada Esgarçamento da colegialidade e imprevisibilidade na aplicação de precedentes
2. Modulação de efeitos sem critério uniforme ADI 1946 (FGTS) vs. ADPF 324 (terceirização irrestrita): critérios distintos, sem justificativa clara Insegurança jurídica sobre os marcos temporais e efeitos retroativos
3. Julgamento virtual de casos de alta relevância ADPF 442 (aborto até 12 semanas) tramitando sem pauta física; ações de menor impacto incluídas com celeridade Opacidade e déficit de deliberação pública
4. Destaques sem motivação e cancelamento Marco temporal (RE 1017365): sucessivos destaques e reinícios de julgamento sem fundamento formal Paralisação do processo decisório e perda de continuidade argumentativa
5. Admissão assimétrica de amici curiae ADI 5529 (homeschooling): ampla admissão; ADI 5581 (reforma trabalhista): restrições sem justificativa Incerteza sobre legitimidade participativa e equilíbrio informacional
6. Ritos distintos para ações semelhantes ADI 5581 (jornada intermitente) julgada virtualmente; ADPF 709 (pandemia indígena) com rito ampliado Assimetria na densidade deliberativa e no contraditório
7. Multiplicidade de relatorias e ações sobre o mesmo tema Homeschooling discutido em diversas ADIs, ADPFs e REs com relatorias diferentes (e.g., ADI 5668, ADI 6038, ADPF 457) Pulverização da controvérsia e risco de decisões incongruentes
8. Falta de critérios para pautamento ADPF 442 (aborto) e ADI 3510 (cotas raciais): décadas sem julgamento, apesar de repercussão social reconhecida Fuga deliberativa e inércia institucional seletiva
9. Mediação e acordos ADPF 347 (Estado de Coisas Inconstitucional no sistema penitenciário), ADPF 709 (Povos indígenas e a pandemia de Covid-19), ADI 2135 (Pacto Federativo), ADI 5581 (Direitos das pessoas com deficiência auditiva), ADPF 756 (Ocupações em imóveis da União), ADPF 1013 (Financiamento da educação infantil), ADC 87 (Lei do marco temporal das terras indígenas), Pet 13157 (Homologação do acordo de Mariana) Falta de uniformidade nos procedimentos adotados e ausência de previsão constitucional
10. Votos conjuntos e julgamento per curiam ADPF 635 (letalidade policial) e ADI 3510 (cotas raciais), ADI 7222 (piso salarial dos profissionais de enfermagem), RE 566471, Tema 6 (medicamentos fornecidos pelo SUS) Opacidade. Ausência de previsão regimental e deliberação privada, sem atenção ao princípio da publicidade

A seguir, examinam-se algumas das principais práticas institucionais que ilustram essa patologia, organizadas segundo eixos recorrentes:

Julgamentos monocráticos em matérias de alta repercussão constitucional

A utilização de decisões monocráticas em ações ou recursos com elevado impacto constitucional é um dos traços mais evidentes da assimetria procedimental no STF. A despeito da exigência constitucional de colegialidade, temas centrais como políticas públicas de saúde, decisões que envolvem o funcionamento de outros Poderes, direitos fundamentais e regras eleitorais são, não raro, decididos individualmente por um ministro-relator — muitas vezes em sede cautelar, com efeitos generalizados.

Disparidade no tempo de tramitação e julgamento de temas semelhantes

Outro aspecto da heterogeneidade é a falta de critérios objetivos e transparentes para a gestão da pauta de julgamento. A ausência de prazos processuais definidos para ações de controle concentrado — aliada à autonomia quase absoluta da presidência do tribunal ou das turmas na definição da pauta — gera distorções que colocam em risco a isonomia das partes e a previsibilidade do direito.

Essa dissonância temporal gera um tipo de arbitrariedade institucional: o tempo da corte passa a ser fator de decisão, e não apenas de organização.

A manipulação das formas procedimentais como instrumento de poder interno

O STF acumulou, ao longo dos anos, um modelo decisório que centraliza poder na figura do relator, conferindo-lhe margem ampla para decidir sobre ritos, prazos, solicitações de destaque, inclusão em listas de julgamento e até mesmo arquivamentos por perda de objeto.

A ausência de regras normativas que vinculem o relator a parâmetros previamente definidos gera uma lógica de processo por exceção, em que cada ministro pode gerir sua pauta segundo critérios próprios. Isso enfraquece a colegialidade, transforma o julgamento em uma prática personalizada e dificulta a sistematização da jurisprudência.

Adoção desigual de ambientes virtuais e presenciais de julgamento e o uso discricionário do destaque

Um dos desdobramentos mais recentes dessa heterodoxia está na transição entre os ambientes virtuais e presenciais de julgamento, possibilitada pelo instituto do destaque. Trata-se de um mecanismo que permite a qualquer ministro interromper o julgamento virtual para levá-lo ao ambiente presencial, convertendo a deliberação em uma sessão física, oral, sincrônica. Embora, em tese, esse instrumento pudesse ampliar o debate colegiado e garantir maior solenidade às decisões, sua aplicação concreta tem se revelado marcada pela ausência de critérios objetivos e pela completa desconexão com os sujeitos processuais.

O destaque pode ser solicitado sem qualquer motivação pública, a qualquer momento, e — em não raros casos — pode ser cancelado pelo próprio ministro que o requereu, também sem justificativa e sem comunicação às partes. Essa dinâmica compromete a segurança procedimental mesmo sob uma lógica objetiva do processo constitucional, pois não há regras claras sobre quando se justifica a retirada de um processo do ambiente virtual, tampouco sobre a devolução àquele espaço.

Além de afetar a previsibilidade da tramitação e dificultar o acompanhamento público dos julgamentos, essa prática reforça a ideia de um Supremo que atua por modulação procedimental personalizada, e não por padrões regrados e impessoais.

A jurisprudência como exceção e o STF como legislador ad hoc do procedimento

Em razão de todos esses fatores, a jurisprudência do STF frequentemente se apresenta como uma prática excepcionalista: a norma jurídica vinculante é produzida a partir de caminhos procedimentais que não são replicáveis nem previsíveis. O Supremo transforma-se, assim, em um legislador de si mesmo, apto a redesenhar o procedimento conforme as conveniências internas ou externas da conjuntura.

Isso fragiliza a função nomofilática da corte e compromete a autoridade normativa do precedente constitucional. Sem forma estável, o precedente perde densidade institucional, tornando-se um produto isolado, contingente, mais próximo de uma solução pontual do que de uma orientação interpretativa para o sistema jurídico.

Esse diagnóstico reforça a urgência da proposta que será desenvolvida na próxima seção: a institucionalização da nomofilia procedimental como eixo de coerência e imperativo democrático da atuação do STF.

Da função nomofilática clássica à nomofilia procedimental: reconstrução de um conceito jurídico-institucional

A reconstrução da função nomofilática deve partir de sua formulação original na tradição kelseniana: a Corte Constitucional como órgão dotado da missão de preservar a supremacia da Constituição mediante a invalidação de normas incompatíveis com seu texto.

Essa função, como bem acentuou Hans Kelsen, é objetiva, normativa e impessoal, e não deve ser confundida com o julgamento de interesses privados antagônicos. No entanto, o STF brasileiro distanciou-se progressivamente desse modelo, assumindo um papel de protagonismo institucional que inclui a formulação positiva de parâmetros normativos, a regulação de políticas públicas e a mediação entre os Poderes. A ampliação de funções exige um redesenho conceitual da função nomofilática, capaz de abarcar não apenas o conteúdo das decisões, mas também a forma de sua produção.

A expressão “função nomofilática” tem origem na tradição jurídica italiana, associada historicamente à Corte di Cassazione como órgão incumbido de assegurar a fidelidade à lei (nomos) e garantir a unidade da interpretação jurídica no país. Essa função, fundada nos ideais de segurança jurídica e uniformidade normativa, foi incorporada ao direito brasileiro sobretudo na estrutura do STJ, cuja função constitucional é a de “zelar pela interpretação uniforme da legislação federal” (CF, art. 105, III).

Na teoria clássica, a nomofilia é compreendida como o poder-dever dos tribunais superiores de preservar a coerência e a estabilidade da ordem jurídica, atuando como instância de correção das decisões divergentes proferidas pelas instâncias inferiores. Trata-se de uma atividade voltada à consolidação de teses jurídicas abstratas, centrada no conteúdo normativo das decisões.

Contudo, essa concepção tradicional mostra-se limitada diante da complexidade da jurisdição constitucional contemporânea. Em tribunais constitucionais que não apenas interpretam, mas produzem normas com força vinculante e impacto estrutural sobre o ordenamento jurídico, a função nomofilática precisa ser reformulada. A unificação do conteúdo não basta quando a própria forma de decidir compromete a integridade do sistema.

No caso brasileiro, o STF, embora se apresente como instância máxima de uniformização constitucional, adota práticas assimétricas: procedimentos variáveis, modulações de efeitos sem critérios estáveis, admissões seletivas e regimes internos que concentram excessivo poder nos relatores. Esse cenário de fragmentação procedimental revela uma desconexão entre o papel estabilizador atribuído à corte e o modo como ela atua institucionalmente.

Diante disso, propõe-se a reconstrução da função nomofilática com a incorporação de uma terceira dimensão: a dimensão procedimental. Se, como formulado anteriormente, o precedente constitucional possui três dimensões — material, argumentativa e procedimental —, o dever de integridade não pode se limitar ao conteúdo da decisão, mas deve incluir a forma pela qual ela é construída.

É dessa ampliação que emerge o conceito de nomofilia procedimental: o dever institucional da Corte Constitucional de adotar padrões formais consistentes, isonômicos e transparentes na construção de seus precedentes, como condição de sua legitimidade e força normativa. A forma deixa de ser mero instrumento e passa a constituir critério de validade do próprio ato jurisdicional.

Como adverte Pasquino (2011), as Cortes Constitucionais não apenas julgam — elas produzem normas e estruturam o campo institucional e político. Quando esse processo de produção normativa ocorre sem previsibilidade, publicidade e critérios objetivos, sua autoridade se fragiliza. Em um sistema jurídico com pretensão democrática, a coerência procedimental torna-se, ela mesma, conteúdo constitucional.

Essa reconstrução conceitual responde a uma realidade institucional concreta. A ausência de regras formais claras para a tramitação, julgamento e fixação de teses compromete a autoridade do STF como instância normativa. O que está em jogo é a própria ideia de jurisprudência como prática institucional, e não como um somatório episódico de decisões.

A nomofilia procedimental, nesse sentido, deve ser compreendida como um princípio normativo transversal, que impõe à corte:

  • a adoção de procedimentos uniformes e isonômicos para casos semelhantes;
  • a justificação pública de desvios procedimentais, com base em critérios jurídicos objetivos, e não discricionários;
  • a vinculação não apenas ao conteúdo dos precedentes, mas também aos formatos institucionais pelos quais foram produzidos.

Como ensina John Rawls, a justiça das instituições depende da justiça dos seus procedimentos. Em tempos de crise de legitimidade e hipertrofia do poder jurisdicional, o que sustenta a autoridade de uma Corte Constitucional é sua fidelidade à forma como decide — e não apenas ao que decide.

A transição da nomofilia clássica à nomofilia procedimental não nega sua origem, mas representa a sua atualização normativa diante das exigências da democracia constitucional. A forma, cada vez mais, é substância. E o compromisso com ela é condição de legitimidade do próprio direito constitucional.

A incorporação do conceito de nomofilia procedimental não depende de reformas legislativas formais. O que está em jogo é uma transformação institucional mais profunda, que envolve mecanismos de autorregulação jurisdicional, controle recíproco entre os ministros e maior abertura à crítica pública fundamentada.

Algumas direções possíveis para essa institucionalização incluem:

  • Regulamentação do uso do destaque, com exigência de motivação e vedação de cancelamento imotivado;
  • Fixação de prazos e critérios objetivos para o julgamento de ações constitucionais, com prioridade para ações estruturantes e de impacto sistêmico;
  • Formalização dos critérios de inclusão de temas na pauta, com mecanismos de participação ampliada e maior previsibilidade institucional;
  • Superação do modelo personalista de relatoria, com reforço da deliberação colegiada desde a fase de admissibilidade e definição do rito;
  • Elaboração de relatórios anuais de coerência procedimental, com base na comparação entre casos semelhantes, avaliando consistência e padrões decisórios.

Mais do que uma exigência técnica, essas medidas representam uma afirmação do compromisso republicano do STF com a democracia constitucional. Em tempos de desconfiança institucional, a previsibilidade e a racionalidade das formas tornam-se também formas de proteção do conteúdo: a democracia é, antes de tudo, forma.

Conclusão

A proposta de reconstrução da função nomofilática sob a perspectiva procedimental parte da constatação de uma disfunção estrutural no modelo decisório do STF. Embora o tribunal concentre competências fundamentais para a consolidação da jurisprudência constitucional no Brasil, sua atuação revela significativa instabilidade quanto à forma pela qual os julgamentos são estruturados e conduzidos.

Essa instabilidade não é apenas um problema pragmático, mas sim um comprometimento direto da autoridade normativa de suas decisões, que passam a ser percebidas como produtos de trajetórias excepcionais, personalizadas e contingentes, e não como expressão institucional de um compromisso com a coerência do direito constitucional.

Neste artigo, propôs-se uma abordagem original do precedente constitucional, compreendido como estrutura tridimensional composta por elementos material, argumentativo e procedimental, todos igualmente vinculantes. A ausência de uniformidade na dimensão procedimental — “como se decide” — compromete a integridade do precedente como figura normativa.

O Supremo Tribunal Federal, ao adotar ritos diferenciados, tempos desiguais e modulações excepcionais sem justificativa pública, rompe com a lógica da segurança jurídica e da isonomia processual, pilares constitutivos da jurisdição democrática.

Sustentou-se, com base em referenciais como Rawls, Habermas, Bobbio e Gargarella, que a democracia procedimental não pode ser uma exigência apenas do legislativo ou do processo político majoritário. Ela também vincula o exercício da jurisdição constitucional, especialmente quando este assume feições normativas amplas, com efeitos erga omnes e força vinculante.

É nesse ponto que se insere a noção de nomofilia procedimental, aqui definida como o dever institucional do STF de adotar padrões formais consistentes, previsíveis e isonômicos em sua atuação. Trata-se de um desdobramento da função nomofilática: já não basta preservar a coerência do conteúdo normativo das decisões, é preciso assegurar a regularidade das formas institucionais que lhes dão origem.

O reconhecimento da dimensão procedimental como condição da legitimidade do precedente constitucional exige o enfrentamento de práticas consolidadas — como a excessiva concentração de poder nos relatores, o uso estratégico dos ambientes virtuais e do instituto do destaque, a ausência de critérios objetivos para a definição da pauta e para a gestão temporal dos processos.

Esse déficit teórico também se manifesta na leitura doutrinária predominante, que, mesmo reconhecendo o caráter objetivo do processo constitucional, continua a interpretá-lo com categorias oriundas do processo civil tradicional. A superação dessa ambiguidade exige a consolidação de um modelo hermenêutico coerente com as funções normativas e institucionais do STF.

A superação do déficit procedimental não passa apenas pela normatização de práticas internas, mas pela consolidação de uma epistemologia jurídica compatível com a singularidade do modelo brasileiro de jurisdição constitucional.

O STF não atua como um tribunal de casos e controvérsias, à maneira do common law, nem como uma corte exclusivamente de controle abstrato, como no modelo europeu clássico. Sua configuração institucional é híbrida, seu alcance decisório é estrutural e sua legitimação depende da construção de uma teoria processual constitucional própria, que reconheça essa complexidade e dê conta de suas implicações procedimentais.

A nomofilia procedimental é mais do que uma proposta técnica de racionalização processual: é um imperativo normativo que traduz, na estrutura da jurisdição constitucional, o compromisso com a forma republicana de exercício do poder. A legitimidade do Supremo Tribunal Federal, em um Estado Democrático de Direito, não será assegurada apenas pela correção do conteúdo de suas decisões, mas também — e cada vez mais — pela forma com que essas decisões são produzidas e reproduzidas. Afinal, em matéria constitucional, o processo é também substância.

*

Meus agradecimentos aos professores José Rodrigo Rodrigues e Marcelo Neves, cujo seleto diálogo aperfeiçoou as ideias aqui desenvolvidas.


BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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