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A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) implementou, em caráter preliminar e experimental, através da Resolução 225, publicada em 27 de dezembro de 2024[1], o Cadastro de Acesso para investidores, com o objetivo de facilitar o ingresso de novos investidores pessoas físicas no mercado brasileiro de valores mobiliários.
Representando um avanço significativo na democratização do acesso ao mercado de investimentos, alinhada a uma tendência global, a resolução carece, todavia, de uma análise mais aprofundada da sua efetiva aplicação e dos riscos que eventualmente pode oferecer.
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Um dos primeiros aspectos da RCVM 225 de relevância é o limite financeiro de R$ 30 mil imposto aos investidores pessoas naturais no Cadastro de Acesso, que funciona como uma alternativa ao cadastro tradicional para novos investidores. Ele simplifica o processo, mas gera, simultaneamente, desafios quanto à sua proteção, especialmente diante da inexperiência e da assimetria de informações em relação a investidores mais experientes e instituições financeiras.
Para mitigar esses riscos, a norma determina que os intermediários classifiquem esses investidores como de “menor propensão à assunção de riscos“, conforme suas políticas internas, além de exigir a complementação do cadastro caso o portfólio ultrapasse o limite estabelecido, reforçando a necessidade de um controle rigoroso para garantir maior segurança e transparência no mercado.
Uma das questões mais delicadas e críticas introduzidas pela RCVM 225 é a atribuição às instituições intermediárias da responsabilidade direta pela gestão de riscos e validação das informações cadastrais dos investidores.
Esse tipo de transferência regulatória requer investimentos consideráveis em infraestrutura operacional, recursos tecnológicos avançados e profissionais especializados, o que nem sempre está disponível, especialmente em instituições financeiras menores ou iniciantes no mercado.
A falta dessas condições pode elevar o risco de falhas operacionais graves, prejudicar a qualidade do controle interno e, consequentemente, ameaçar não só a segurança financeira individual dos investidores como também a estabilidade sistêmica do mercado.
Afora isso, é preciso refletir sobre a simplicidade excessiva exigida pelo cadastro inicial, que atualmente limita-se ao fornecimento do CPF, nome completo e data de nascimento do investidor. Embora tal medida favoreça a inclusão, aumentando a base de investidores e facilitando seu ingresso no mercado, também abre espaço para possíveis vulnerabilidades de segurança financeira, especialmente fraudes, falsificações e uso indevido de informações pessoais.
Sem mecanismos contínuos, eficazes e transparentes de validação e monitoramento desses dados, cria-se um cenário propício para potenciais abusos e crimes financeiros.
Um fator adicional que merece reflexão é o caráter experimental e temporário atribuído à Resolução CVM 225, refletido na sua própria descrição. Embora experimentos regulatórios possam fomentar inovação e aprimoramento no mercado em si, é fundamental que sejam conduzidos com absoluta transparência, governança adequada e critérios objetivos para sua avaliação contínua, o que, até o presente momento, não foi plenamente estabelecido.
Por último, mas igualmente fundamental, há que se considerar os riscos associados ao acesso facilitado ao mercado financeiro sem uma concomitante estrutura robusta e ampla de educação financeira da população em geral e não apenas de parcela mínima dela.
A complexidade inerente ao mercado de capitais e sua volatilidade natural exigem que investidores tenham não apenas acesso facilitado, mas, também, conhecimento suficiente para tomar decisões conscientes e responsáveis, sob pena de o mercado de capitais brasileiro se tornar um mercado de apostas.
A publicação da norma é positiva, mas é possível concluir que, antes de editá-la, não foi observado com tanta profundidade o perfil do investidor brasileiro, que é distinto daquele encontrado em países ou continentes cuja cultura do investimento particular é melhor disseminado.
A exemplo disso estão os dados da 7ª edição do Raio-X do Investidor Brasileiro, pesquisa realizada pela Anbima em parceria com o Datafolha, que demonstrou que apenas 37% da população brasileira investe em produtos financeiros – considerando aqueles produtos mais simples, como a poupança. Entre os investidores, 33% possuem ensino superior completo e 36% pertencem às classes A/B, com renda familiar média de R$ 5.464[2].
Percebe-se facilmente que, no Brasil, os investidores, em sua maioria, possuem grau de escolaridade superior à média da população. Isso revela a falta de cultura de investimentos em camadas da sociedade com menor acesso ao ensino formal, fenômeno obviamente influenciado – se não gerado – pela escassez de recursos financeiros nessas faixas menos abastadas.
Ainda que a autonomia popular deva ser respeitada, cabe questionar se essa facilitação realmente aproxima a população com menor nível de instrução das oportunidades de investimento ou se, pelo contrário, acaba por acentuar seu empobrecimento, dada a maior probabilidade de insucesso decorrente nas operações, da falta de conhecimento de mercado. Em suma: aumentar o acesso, sem melhorar as condições de entendimento, pode ter o efeito reverso ao pretendido.
A Resolução CVM 225, por fim, é um passo relevante e necessário para democratizar o acesso ao mercado financeiro brasileiro. Contudo, para garantir sua eficácia e segurança, é imprescindível que a CVM exija e as instituições financeiras implementem mecanismos adicionais rigorosos de proteção ao investidor, controles operacionais robustos, programas abrangentes de educação financeira e maior transparência na divulgação e avaliação dos resultados dessa iniciativa experimental.
Sem tais cuidados, há um risco real e significativo de prejudicar justamente os investidores mais vulneráveis, que deveriam ser os principais beneficiários dessa medida regulatória.
[1] BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Resolução CVM 225, de 20 de fevereiro de 2024. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol225.html.
[2] Anbima – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. Raio-X do investidor brasileiro. Disponível em: https://www.anbima.com.br/pt_br/especial/raio-x-do-investidor-brasileiro.htm.