Responsabilidade tributária do arrematante em leilões

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Para ilustrar os efeitos práticos de uma decisão, imagine-se o seguinte cenário hipotético: João, interessado em expandir seu portfólio de imóveis, participa de um leilão judicial para adquirir um terreno localizado no centro da cidade.

O edital do leilão menciona que o imóvel possui débitos pendentes de IPTU acumulados nos últimos cinco anos, mas também especifica que a responsabilidade pelo pagamento desses débitos seria transferida ao arrematante.

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Confiando no que previa o edital, João, que arremata o imóvel por R$ 500 mil, logo após o leilão, é informado pela prefeitura local de que ele precisa pagar mais R$ 100 mil referentes ao IPTU em atraso.

Antes da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema 1134, João teria poucas alternativas para contestar essa cobrança, já que a jurisprudência permitia que o edital imputasse a responsabilidade pelos débitos ao arrematante.

No entanto, com a consolidação do novo entendimento, João poderá questionar judicialmente essa cobrança, alegando que o artigo 130, parágrafo único, do CTN impede que ele seja responsabilizado por tributos anteriores à arrematação.

Com base no novo precedente do STJ, João terá grandes chances de sucesso na sua demanda, assegurando que o valor de R$ 500 mil seja utilizado para quitar os débitos de IPTU, livrando-o de qualquer ônus adicional.

Perceba, a recente decisão do STJ sobre o Tema 1134 trouxe uma significativa mudança na forma como o Judiciário entende a responsabilidade tributária do arrematante em leilões judiciais.

Com base no artigo 130, parágrafo único, do CTN, o STJ fixou a tese de que é inválida a previsão em edital de leilão que atribua ao arrematante a responsabilidade pelos débitos tributários já incidentes sobre o imóvel na data de sua alienação.

Esse entendimento, consolidado no julgamento dos recursos repetitivos que discutiram a questão, pacifica uma controvérsia de longa data, que gerava insegurança jurídica nas arrematações realizadas em hasta pública.

A decisão reforça a necessidade de respeito aos limites da lei, em especial o princípio da legalidade tributária, e traz impactos significativos tanto para os arrematantes quanto para os credores e o próprio poder público.

Historicamente, os editais de leilões judiciais, em muitos casos, transferiam ao arrematante a responsabilidade pelos débitos tributários pendentes sobre o imóvel.

A prática gerava inúmeros questionamentos judiciais, baseados na interpretação do artigo 130 do CTN, que trata da sucessão tributária nas transmissões de bens imóveis. O dispositivo estabelece que, nas alienações judiciais, os débitos tributários incidentes sobre o imóvel devem ser sub-rogados no preço da arrematação, ou seja, o valor obtido no leilão deve ser utilizado para quitá-los, não podendo ser transferidos ao comprador.

No entanto, durante anos, a jurisprudência oscilou.

Alguns julgados consideravam que a previsão contratual no edital, que impunha ao arrematante a responsabilidade pelos tributos, poderia prevalecer sobre a regra do CTN, especialmente sob o argumento de que o comprador, ao participar do leilão, aceitava os termos estabelecidos, assumindo os riscos da aquisição.

Esse entendimento aumentava o custo das arrematações e trazia insegurança aos participantes dos leilões judiciais.

Com o julgamento do Tema 1134, o STJ consolidou o entendimento de que a cláusula editalícia que transfere ao arrematante a responsabilidade pelos débitos tributários preexistentes é inválida.

O artigo 130, parágrafo único, do CTN é categórico ao determinar que, na alienação judicial de imóveis, os tributos se sub-rogam no preço pago pelo imóvel. Dessa forma, não é permitido que o edital imponha a responsabilidade tributária ao comprador.

A decisão é importante porque resguarda a aplicação do princípio da legalidade tributária, que impede a criação de novas obrigações tributárias por meio de editais ou contratos. Além disso, reforça a segurança jurídica, princípio fundamental no Direito Tributário e nas relações patrimoniais.

Ao estabelecer que o arrematante não pode ser responsabilizado pelos tributos preexistentes, o STJ protege os compradores, garantindo que o valor da arrematação seja utilizado para a quitação dos débitos e evitando que o adquirente enfrente ônus inesperados após a compra do bem.

Fraude à execução e responsabilização tributária em casos de sucessão disfarçada

Cabe alertar que, embora o entendimento do STJ no Tema 1134 assegure que o arrematante em leilões judiciais não pode ser responsabilizado pelos débitos tributários anteriores à arrematação, existem exceções importantes, especialmente quando a alienação judicial é utilizada para fraudar a execução fiscal ou ocultar a responsabilidade tributária.

Uma situação que pode caracterizar fraude é a sucessão disfarçada em que o imóvel é arrematado por um dos herdeiros ou por uma empresa do mesmo grupo econômico que o proprietário anterior, com o objetivo de evitar o pagamento dos tributos devidos.

Nesse cenário, a transferência de propriedade não seria considerada genuína, mas uma forma de fraude à execução ou de sucessão tributária, implicando a responsabilização pelos débitos.

O CTN trata dessas hipóteses de sucessão tributária nos artigos 129 e 133:

  • Art. 129 do CTN: Trata da sucessão em caso de falecimento, em que o espólio e, após a partilha, os herdeiros, são responsáveis pelos tributos devidos pelo falecido.
  • Art. 133 do CTN: Estabelece que, em casos de alienação de estabelecimento comercial ou industrial, a empresa adquirente pode ser responsabilizada pelos tributos devidos pela alienante se houver continuidade da exploração econômica ou vínculos que configurem sucessão.

Nessas situações, caso a arrematação seja uma manobra para que o imóvel permaneça, de fato, nas mãos do antigo proprietário, seja por meio de herdeiros ou empresas do mesmo grupo econômico, pode ser configurada fraude e a sub-rogação no preço não se aplicaria. Isso abriria margem para que o arrematante, embora formalmente novo proprietário, fosse responsabilizado pelos débitos tributários preexistentes.

Portanto, se comprovada a fraude ou a continuidade na exploração econômica entre o proprietário original e o arrematante, a responsabilidade tributária poderá recair sobre o adquirente, mesmo que o leilão seja judicial, como forma de impedir o abuso de direito e preservar a integridade do sistema tributário.

Face ao exposto, a decisão do STJ no Tema 1134 representa um marco na proteção dos direitos dos arrematantes em leilões judiciais. Ao reforçar a aplicação do artigo 130 do CTN, a corte garante a segurança jurídica necessária para que os interessados em arrematar imóveis em hasta pública possam fazê-lo sem receio de serem surpreendidos por dívidas tributárias ocultas.

Além disso, a decisão traz maior transparência e previsibilidade para as relações jurídicas envolvidas nos leilões, beneficiando tanto os arrematantes quanto o próprio poder público, que verá um aumento na atratividade das alienações judiciais.

Por fim, a modulação dos efeitos da decisão, que aplica a nova interpretação apenas aos editais publicados após a data do julgamento, evita retrocessos e conflitos desnecessários em processos já concluídos.

Assim, o entendimento consolidado pelo STJ no Tema 1134 reafirma a importância do respeito à legalidade e da proteção da confiança legítima dos participantes dos leilões judiciais, contribuindo para um ambiente jurídico mais estável e previsível.

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