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A Portaria PGFN 33/2018 permitiu a oferta administrativa de bens, numa tentativa de evitar as ações cautelares ajuizadas pelos contribuintes com o objetivo de garantir as dívidas que ainda não foram objeto de execução fiscal.
Mas, segundo dados de 01/01/23 a 21/05/24, colhidos do Sistema de Controle de Requerimentos Administrativos (SICAR) da PGFN, embora tenham sido formulados 2197 pedidos administrativos de oferta de garantia, ainda foram observadas 1011 ações judiciais propostas com o mesmo fim, e ainda há mais contribuintes se valendo do Judiciário (736) do que formulando requerimentos administrativos (363).
É possível identificar alguns motivos pelos quais os contribuintes, mesmo podendo garantir administrativamente seus débitos, optem por ajuizar ações judiciais com essa finalidade.
Primeiramente, o art. 6º da Portaria PGFN 33/2018[1] condiciona a oferta antecipada de garantia à prévia inscrição do crédito na dívida ativa da União, o que parece ter relação com o art. 12 da Lei Complementar 73/93[2], que fixa a competência da PGFN para a cobrança dos créditos fiscais a partir do evento de inscrição.
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Entretanto, o fato do crédito ainda não se encontrar inscrito não é impeditivo absoluto à participação da PGFN no processo de cobrança da dívida.
Conforme a Lei 8.397/92, as cautelares fiscais independem de inscrição e são sempre ajuizadas pela PGFN. E, ainda que na maioria das vezes elas decorram de provocação da RFB, inexiste disposição legal que impeça a PGFN de atuar por iniciativa própria.
Nos termos do art. 10 da mencionada lei, proposta a cautelar fiscal e concedida a liminar de bloqueio de bens, será permitida a substituição da medida pelo oferecimento de garantia, depois de ouvida a PGFN, demonstrando que já existe em nossa legislação previsão para que, mesmo sem inscrição em dívida ativa, a PGFN aprecie oferta de bens apresentada pelo contribuinte visando a garantia de futura execução fiscal.
No âmbito da Receita Federal, a constituição de garantia se dá apenas através do arrolamento e da transação, não havendo meios para que, fora destes cenários, o contribuinte ofereça patrimônio como respaldo ao pagamento do débito.
Assim, parece ser possível a ampliação do escopo da oferta antecipada de garantia mediante alteração da Portaria PGFN 33/2018, a fim de viabilizar sua utilização também para créditos não inscritos.
De outro lado, estabelece o já citado art. 6º da portaria que o devedor será notificado para apresentar garantia em até 30 dias, passando a clara mensagem de que a oportunidade de fazer a oferta se extingue após o trintídio.
Entretanto, o art. 8º, sem fazer qualquer referência a prazo, diz que “notificado para pagamento do débito inscrito em dívida ativa, o devedor poderá antecipar a oferta de garantia em execução fiscal”, afirmando no parágrafo único que, quando realizada dentro do prazo de 30 dias, a oferta de bens suspende os atos de cobrança, parecendo sugerir que a oferta poderia ser feita fora do prazo mencionado, mas sem o efeito suspensivo dos atos de cobrança[3].
A interpretação adequada destes dispositivos deve levar em conta que a portaria aqui analisada, no seu art. 33, prevê também que “o ajuizamento de execuções fiscais para cobrança de débitos inscritos em dívida ativa da União fica condicionado à localização de indícios de bens”, fazendo com que uma imensidão de débitos, embora inscritos em dívida ativa, jamais deem origem a uma execução fiscal onde o contribuinte possa ofertar bens.
E, mesmo nos casos em que há o ajuizamento, é comum que ele se dê bastante tempo depois do prazo limite previsto para a oferta antecipada de bens, gerando um hiato temporal em que o contribuinte não possui meios de ofertar garantia, salvo mediante a indesejada ação cautelar.
Neste contexto, inviabilizar a oferta administrativa de bens após o prazo de 30 dias não parece ser condizente com o ajuizamento seletivo previsto na mesma Portaria aqui analisada.
Um outro elemento que contribui para a persistência das cautelares visando a garantia de dívidas fiscais é sua aceitação pelo Judiciário muitas vezes sem um olhar atento ao interesse processual.
A finalidade da jurisdição é resolver lides, estas entendidas como pretensões jurídicas resistidas, sem o que inexiste necessidade da busca do amparo estatal. O Estado-Juiz não é apenas mais uma opção para o exercício de direitos, e sim a via necessária quando caracterizada a resistência a uma pretensão legítima.
Assim, uma vez inscrito o crédito em dívida ativa, não há necessidade de busca do Judiciário pelo contribuinte para oferta de garantia, haja vista a disponibilidade de procedimento administrativo próprio para obtenção do mesmo resultado. A ação ajuizada neste contexto merece sentença extintiva sem análise do mérito, por carência de interesse processual.
O mais adequado seria o contribuinte buscar primeiramente o requerimento administrativo, provocando o Judiciário apenas em caso de recusa da União que por ele fosse considerada ilegítima.
Entretanto, na prática, a maioria dos cidadãos com pendências fiscais ainda prefere provocar, diretamente, o Poder Judiciário. Talvez este fenômeno se deva, primordialmente, a falta de confiança do cidadão no serviço público, no caso, a autoridade tributária, onde haveria uma crença que as ofertas de garantia seriam indeferidas ou que seu requerimento administrativo demoraria muito para ser atendido.
Analisando dados da 1ª Região da PGFN, referentes a todo o ano de 2023 até maio de 2024, fica revelado que a presunção dos contribuintes, acima mencionada, não vêm se mostrando verdadeiras. 46% dos pedidos são deferidos, enquanto somente 28% deles são negados, sendo os demais 26% julgados prejudicados.
Dentre os indeferidos, sobressai como razão a falta de apresentação da documentação exigida pela Portaria PGFN 33/2018, ocasionando mais de 75% das negativas.
E tendo em vista o escopo da presente análise, é digno de nota que pouco mais da metade dos indeferimentos por carência de documentação não foram precedidos de oportunidade de complementação pelo contribuinte.
Embora nestes casos normalmente o despacho decisório faça menção à possibilidade de formulação de novo requerimento, a concessão de prazo para complementação parece ser postura mais alinhada aos ideais de colaboração e eficiência, que, quanto mais observados, mais estimulariam a utilização da via administrativa.
O indeferimento, no mérito, ou seja, pela efetiva recusa do bem ofertado, foi de apenas 11,8%. Em outras palavras, com estes dados, verifica-se que a crença do contribuinte está longe da realidade dos fatos concretos.
Os requerimentos prejudicados, por sua vez, em sua grande maioria, o foram em razão de haver execução fiscal em andamento, a permitir a oferta de bens já na via judicial.
Mas, prejudicado o requerimento administrativo, o que faz a Fazenda Pública com a informação da existência do bem ofertado? Ignora ou analisa para eventual penhora na execução fiscal?
Descartar tal informação vai claramente contra o interesse da União. E, embora seja possível que o próprio contribuinte vá aos autos judiciais renovar a oferta de garantia, não há certeza nisso.
Se, de outra forma, há uma análise da oferta, seguida de oferecimento em garantia na execução em caso de viabilidade, então parece que o requerimento administrativo foi aceito, embora, formalmente, tenha sido considerado prejudicado.
E ainda que, após a análise da oferta, a PGFN resolva não aproveitar o bem no feito executivo, igualmente terá havido um descompasso entre a solução formal e aquilo que efetivamente ocorreu.
Diante disso, e tendo em vista o propósito de incentivar a utilização do requerimento administrativo, seria adequado o deferimento do pleito em caso de interesse no aproveitamento do bem e o indeferimento em caso contrário, independentemente da existência de execução fiscal no momento da apreciação do pedido administrativo, ressalvada apenas eventual oferta já realizada pelo contribuinte nos autos da execução fiscal. Ainda que haja necessidade de complementação documental, é mais célere estabelecer esse diálogo na via administrativa do que com a intermediação de um magistrado.
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Outra crença do contribuinte: a questão da celeridade do requerimento administrativo. Sob este ponto é possível identificar que apenas 12,76% (43) dos 337 pedidos de antecipação de garantia formulados no período levaram mais de 30 dias para serem concluídos.
Convém, entretanto, observar que o prazo de 30 dias[4] foi fixado para análise do requerimento, e não necessariamente para sua conclusão.
Isso porque é frequente a necessidade de notificação do contribuinte para complementação da documentação apresentada, sendo, por isso, importante observar quanto da demora é imputável à Administração e quanto fica à cargo do próprio contribuinte.
Neste sentido, dentre os 43 requerimentos concluídos após 30 dias, embora 67,4% (29) tenha recebido a análise inicial dentro do prazo regulamentar, 32,6% (14) extrapolou esse prazo. Frente ao total, é certo afirmar que apenas 4% dos requerimentos observaram uma demora superior à admitida pela legislação.
Neste cenário, a observância do prazo e a divulgação de informações aos contribuintes podem ajudar para o incremento da confiança no procedimento aqui em análise.
Conclui-se, assim, que a redução dos litígios judiciais envolvendo o interesse de oferecimento de garantia antecipada às execuções é um objetivo da Portaria PGFN 33/2018 que vem sendo atingido, mas que pode ter sua efetividade ampliada mediante adoção de algumas estratégias, melhorias de estrutura internas da PGFN e constante diálogo com os contribuintes.
[1] Inscrito o débito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para: (…) a) ofertar antecipadamente garantia em execução fiscal (…).
[2] Art. 12 – À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, (…) compete especialmente: I – apurar a liquidez e certeza da dívida ativa da União de natureza tributária, inscrevendo-a para fins de cobrança, amigável ou judicial; II – representar privativamente a União, na execução de sua dívida ativa de caráter tributário;
[3] Art. 8º. Notificado para pagamento do débito inscrito em dívida ativa, o devedor poderá antecipar a oferta de garantia em execução fiscal. Parágrafo único. A oferta antecipada de garantia em execução fiscal, apresentada no prazo do art. 6º, II, suspende a prática dos atos descritos no art. 7º até o montante dos bens e direitos ofertados.
[4] Art. 11. A oferta antecipada de garantia em execução fiscal será apreciada pela unidade da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional responsável pelo ajuizamento da execução correspondente às inscrições objeto da garantia antecipada. § 1º A oferta antecipada de garantia em execução fiscal será analisada no prazo de 30 (trinta) dias contados do primeiro dia útil após o protocolo no Portal Regularize da PGFN.