18 anos da Lei Maria da Penha: panorama geral e problemas atuais

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Neste 7 de agosto de 2024, a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) completa 18 anos. Desde sua promulgação, a legislação proporcionou mecanismos legais para o combate à violência doméstica e familiar, além de promover medidas preventivas e de garantia dos direitos fundamentais das mulheres.

Antes desse importante marco legislativo, não havia previsão legal que tratasse, especificamente, de violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil. Casos desse tipo eram normalmente tratados como crime de menor potencial ofensivo e as penas eram resumidas ao pagamento de cestas básicas ou prestação de trabalhos comunitários pelo agressor.[1]

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Foi apenas depois da triste história de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de diversos abusos, incluindo uma dupla tentativa de feminicídio e cárcere privado pelo ex-marido, que vítimas de violência de gênero ganharam maior atenção na luta pela criação de ferramentas legislativas aptas a garantir direitos fundamentais a todas as mulheres no Brasil.

Depois de esperar 17 anos sem resposta do Judiciário às inúmeras violações sofridas, o caso de Maria da Penha foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para denunciar a tolerância do Estado brasileiro para com a violência doméstica, o que foi reconhecido pela comissão.

Dessa forma, o órgão interamericano considerou que o Brasil não foi capaz de organizar sua estrutura para garantir os direitos da vítima e destacou que foram violados os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, assim como direitos das mulheres previstos na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará).[2]

Nesse sentido, entre outras medidas, a comissão recomendou que o Brasil adotasse uma legislação voltada a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, o que culminou na elaboração do Projeto de Lei n. 4.559/2004, aprovado por unanimidade nas duas casas legislativas. A Lei Maria da Penha foi então sancionada em 7 de agosto de 2006, tornando-se um divisor de águas no combate e prevenção à violência doméstica e familiar contra a mulher.

A legislação reconheceu e definiu diferentes tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher, como a violência psicológica e patrimonial. Ademais, o objetivo da normativa não foi apenas trazer uma via jurídica para punição dos agressores, mas, sim, converter-se em um instrumento de prevenção e proteção aos diretos humanos das mulheres.

Tal característica é perceptível diante da previsão de diversas políticas de proteção e assistência às vítimas, como campanhas educativas voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, capacitação das forças policiais e dos operadores do Direito quanto às questões de gênero e de raça ou étnica, a promoção de pesquisas estatísticas concernentes à violência doméstica e familiar, a implementação de atendimento policial especializado, dentre outros.

No entanto, em que pesem os importantes dispositivos previstos na Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher ainda é parte marcante do cotidiano brasileiro. Conforme recente pesquisa divulgada pelo Instituto do DataSenado, responsável por realizar análises sobre violência doméstica e familiar no Brasil desde 2005, 30% das brasileiras sofreram em algum momento violência doméstica ou familiar provocada por homens, ao passo que 68% têm alguma familiar, conhecida ou amiga que sofreu violência dessa natureza.

O estudo também apontou que 61% das mulheres agredidas no último ano não procuraram auxílio policial, demonstrando que os números oficiais de violência contra a mulher podem ser ainda muito inferiores à quantidade de casos reais.[3]

Tais análises condizem com outros levantamentos semelhantes, como o estudo Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2023, que apontou que 28,9% das mulheres brasileiras foram vítimas de violência ou agressão em 2022.[4]

Diante desse cenário, não é de se espantar que 62% das mulheres no Brasil o considerem um país muito machista, número que passa dos 70% nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco, e que 51% delas considere que a Lei Maria da Penha protege apenas em parte as mulheres, segundo a Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, do DataSenado de 2023.

Embora a Lei Maria da Penha seja inegavelmente um instrumento importante para a consagração e defesa dos direitos das mulheres, é preciso que todas as suas previsões sejam, de fato, colocadas em prática, em especial aquelas voltadas a prevenir as violências.

Mais benéfico do que punir uma agressão, é evitar que ela ocorra, e isso exige um olhar mais atento e comprometido das autoridades públicas e da sociedade brasileira em geral para mecanismos de prevenção, como campanhas educativas desde a idade escolar e promoção de projetos voltados à elucidação e conscientização sobre os direitos das mulheres.

Do contrário, o Brasil estará fadado a celebrar a promulgação da Lei Maria da Penha todos os anos apenas no papel, enquanto milhares de mulheres ainda sofrem com episódios recorrentes de violência e discriminação.

[1] INSTITUTO MARIA DA PENHA. Lei Maria da Penha na íntegra e comentada. Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/lei-maria-da-penha-na-integra-e-comentada.html. Acesso em: 25 jul. 2024.

[2] COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório Anual 2000. Disponível em: https://cidh.oas.org/annualrep/2000port/12051.htm. Acesso em: 25 jul. 2024.

[3] BRASIL. Senado Federal. DataSenado. Pesquisa Nacional sobre Violência Doméstica. 2024. Disponível em: https://www.senado.leg.br/institucional/datasenado/relatorio_online/pesquisa_violencia_domestica/2024/interativo.html#a-viol%C3%AAncia-dom%C3%A9stica. Acesso em 26 jul. 2024.

[4] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil. 2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/03/visiveleinvisivel-2023-relatorio.pdf. Acesso em 26 jul. 2024.

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