18 anos da Lei Maria da Penha: um longo percurso pela frente

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Considerada um marco importantíssimo na defesa dos direitos das mulheres em situação de violência, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) completa 18 anos em 2024. A lei brasileira é classificada, pela Organização das Nações Unidas, como uma das três leis mais avançadas no enfrentamento da violência doméstica e familiar no mundo.

Apesar do tempo decorrido desde a sua vigência, a violência de gênero continua alarmante. De acordo com 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2023, 1.467 feminicídios foram registrados no Brasil, o que corresponde ao maior número registrado desde a promulgação da Lei 13.104/2015, que tipificou o homicídio em razão de gênero. Além disso, o número de lesões corporais praticadas em âmbito doméstico sofreu um aumento de quase 10% em relação a 2022. Não por outro motivo, entre 2022 e 2023, houve um aumento de 21,3% nos novos pedidos de medidas protetivas de urgência.

As medidas protetivas de urgência, previstas nos artigos 18 a 22 da Lei Maria da Penha, são mecanismos utilizados para garantir a imediata proteção da integridade física, psíquica, moral e patrimonial da mulher em situação de violência. Elas podem ser solicitadas diretamente pela mulher e abrangem diversas possibilidades, como o afastamento do agressor do lar, a proibição de aproximação e de contato, pedido divórcio e de alimentos para filhos em comum com o agressor, entre outras providências urgentes.

Em que pese aumento dos pedidos de medidas protetivas, uma pesquisa realizada em março deste ano pelo Senado mostrou que 75% das mulheres afirmaram conhecer pouco ou nada sobre a Lei Maria da Penha.

Essa falta de conhecimento é preocupante, especialmente porque, desde que entrou em vigor, a lei passou por diversas mudanças para alcançar um número maior de mulheres, ampliando seus mecanismos de proteção. Para isso, reforçou-se a possibilidade de que as medidas protetivas tenham caráter tanto cível quanto penal, fortalecendo o aspecto dual da Lei Maria da Penha, e a autonomia das medidas protetivas em relação a outros procedimentos criminais.

Entre tais alterações, destacam-se a previsão de atendimento policial e pericial especializado para a mulher em situação de violência doméstica e familiar (Lei 13.505/2017); a possibilidade de ajuizamento de ação de divórcio e dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Lei 13.894/2019); a previsão de que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar (Lei 14.550/2023); a previsão de que as medidas protetivas de urgência devem ser concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência (Lei 14.550/2023); e, mais recentemente, a inclusão do auxílio-aluguel como uma espécie de medida protetiva de urgência (Lei 14.674/2023).

A abordagem híbrida da lei considera a complexidade dos casos de violência, que requerem a mobilização de diversas áreas do Direito para conferir proteção à mulher e garantir o rompimento do ciclo da violência a que está submetida. A previsão expressa desses dispositivos reforça a multidisciplinariedade da Lei Maria da Penha e o caráter preventivo e autônomo das medidas protetivas.

No entanto, a aplicação desses dispositivos tem encontrado barreiras no Poder Judiciário, especialmente quanto ao deferimento de medidas protetivas de natureza cíveis e quanto à desvinculação das medidas protetivas a procedimentos criminais. Essa resistência, além de contrariar os objetivos da própria Lei Maria da Penha, deixa as mulheres suscetíveis a sofrerem novas violências, bem como representa um grande obstáculo ao acesso à Justiça.

Isso porque os mecanismos de proteção das medidas protetivas de urgência foram pensados para o acolhimento integral da mulher em situação de violência. Quando essa mulher não obtém uma medida protetiva pela relutância do Poder Judiciário em aplicá-la, a situação de violência contra ela se mantém, uma vez que terá que ingressar com novas demandas – como divórcio e regulamentação de guardas e visitas – e será revitimizada em cada uma delas.

Quanto à vinculação a procedimentos criminais, o problema reside especialmente nos casos em que os inquéritos policiais são arquivados por falta de provas – o que não é raro, tendo em vista que os crimes cometidos em âmbito doméstico, pela própria natureza do delito, não costumam contar com testemunhas. Se a medida está atrelada ao procedimento criminal, em caso de arquivamento, a medida protetiva é revogada e a mulher fica desprotegida, mesmo quando a situação de risco persiste.

Diante disso, o que se percebe é uma falta de reconhecimento da riqueza dos mecanismos disponibilizados pela Lei Maria da Penha para a proteção das mulheres em situação de violência. A Lei Maria da Penha representa um marco na luta contra a violência doméstica no Brasil, mas os constantes entraves impostos na concessão e na manutenção das medidas protetivas de urgência impedem que a lei seja difundida e aplicada integralmente, expondo as mulheres que dela se socorrem a novos riscos.

Apesar das alterações legislativas que trouxeram mecanismos inovadores para a proteção das mulheres e reforçam o compromisso do Estado com a causa, a aplicação da lei ainda enfrenta desafios significativos. Isso mostra que, embora paradigmática e indispensável, a Lei Maria da Penha ainda tem um longo percurso pela frente.

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