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A Corte Permanente de Arbitragem (CPA, em português e francês, ou PCA, em inglês), foi criada, em 1899, na famosa “Primeira Conferência de Paz da Haia”, realizada na Haia, na Holanda. Seus fundadores, animados por um “forte desejo de trabalhar pela manutenção da paz geral” e “desejosos de estender o império da lei e de fortalecer a justiça internacional”, deliberaram assim estabelecer uma instituição permanente de arbitragem, “acessível a todos” e “a qualquer tempo”: a Corte Permanente de Arbitragem.
A esta primeira conferência, marcada ainda por um acentuado eurocentrismo, seguiu-se outra, realizada em 1907, a “Segunda Conferência de Paz da Haia”, com a participação massiva de países da América Latina. O Brasil foi representado por Ruy Barbosa, e tal evento completou o processo de criação da CPA. Nosso renomado jurista se destacou ao marcar a posição pacificadora do Brasil no cenário internacional – vocação mantida até os dias atuais. Sua atuação lhe valeu a alcunha de “Águia de Haia” e garantiu que seu busto esteja hoje exposto no Palácio da Paz na companhia de seletos e ilustres homenageados como Mahatma Gandhi e Nelson Mandela.
A grande contribuição de Ruy Barbosa para os debates que se realizavam na conferência, ainda que aparentemente singela, foi revolucionária: a consagração do princípio da igualdade formal entre os Estados, independentemente de seu tamanho, de seu poderio militar ou econômico. A conferência de 1907 colocou também especial ênfase na limitação da guerra enquanto meio legítimo para a solução de disputas internacionais, de modo que a “força do direito” pudesse prevalecer sobre o “direito à força”.
A ideia básica foi afastar o uso da força nas relações entre países e privilegiar formas amigáveis de solução de conflitos – como bons ofícios, mediação e, especialmente, arbitragem. A CPA foi instituída, portanto, como o primeiro foro permanente e interestatal para a solução pacífica de disputas internacionais. Nos seus primeiros anos, a CPA administrou arbitragens envolvendo apenas Estados. A partir da década de 1930, no entanto, seu escopo de atuação expandiu-se, passando a incluir também arbitragens entre Estados e particulares (mixed arbitrations); hoje a grande maioria dos casos administrados pela CPA envolve ao menos um ator não estatal.
É comum certa confusão entre a CPA e a Corte Internacional de Justiça (CIJ), instalada no mesmo edifício-sede: o emblemático Palácio da Paz. Ambas são vocacionadas à busca pela paz internacional, mas a CIJ foi criada após a Segunda Guerra como órgão judicial máximo da Organização das Nações Unidas (ONU), enquanto a CPA é voltada para a administração de arbitragens, conciliações, comissões de inquérito e outros meios de solução não judiciais de disputas. São 125 anos de experiência em litígios de imensa complexidade, envolvendo Estados e as particularidades que lhe são inerentes.
Trata-se de um organismo internacional centenário, administrado por um quadro de colaboradores experientes, extremamente preparados e que gozam de certas imunidades e privilégios que asseguram a independência de sua atuação. O secretário-geral da CPA, por exemplo, goza do status de embaixador. Ela é financiada pelos Estados signatários, os quais participam ativamente de sua governança por meio de representantes no Conselho de Administração e possuem a atribuição de nomear membros da corte.
São até quatro membros por país, indicados pelos respectivos governos nacionais para mandatos, renováveis, de seis anos. Além de constar da lista de potenciais árbitros da CPA, encontra-se dentre as suas funções também a indicação dos juízes da CIJ mediante a elaboração de uma lista de candidatos que é posteriormente votada pela Assembleia Geral da ONU e pelo Conselho de Segurança. Os membros da CPA participam ainda da indicação de candidatos ao Prêmio Nobel da Paz.
Entre os dias 12 e 14 de junho, realizou-se, no Palácio da Paz, o 3º Congresso dos Membros da CPA. Funcionários, autoridades e diplomatas reuniram-se na Haia não apenas para celebrar os sucessos passados da CPA, e seu grande crescimento recente, mas também para pensar seu futuro. As discussões ocorridas neste congresso em torno da reforma do atual sistema internacional de proteção de investidores, por exemplo, revelaram o acerto da opção brasileira pela adoção de um enfoque contratual (contract-based), que tem se mostrado mais equilibrado para a solução de litígios entre particulares e a Administração Pública.
Motivo de alegria para o Brasil, além disso, é a ênfase com que os membros da corte deliberaram pela promoção da equidade de gênero nas diversas instâncias da CPA. Somos um dos pouquíssimos países que em setembro próximo atingirá a paridade de gênero na composição de nosso grupo nacional, após o início do mandato dos novos membros indicados recentemente.
Regulada por duas convenções internacionais, de que o Brasil é parte, a CPA detém uma legitimidade única, nos cenários nacional e mundial, para administrar litígios de natureza pública, que têm se tornado cada vez mais frequentes dado o aumento do fluxo global de capitais.
A CPA administrou, em 2023, 246 casos, 82 deles iniciados apenas nesse ano. Deste total, 9 casos trataram de disputas entre Estados, enquanto o restante envolveu, em sua maioria, arbitragens entre investidores e Estado e arbitragens contratuais envolvendo diferentes combinações de Estados, organizações internacionais, entidades públicas e partes privadas.
Esse crescimento vertiginoso tem criado a necessidade da instituição de escritórios em outros países, a fim de tornar os seus serviços mais acessíveis em diferentes regiões do mundo. Atualmente, a CPA tem escritórios regionais na Áustria, Argentina, República de Maurício, Singapura e Vietnã, e acordos para facilitar a realização de procedimentos com África do Sul, Chile, China (Hong Kong), Costa Rica, Índia, Portugal, Uruguai, entre outros.
Quanto à sua estruturação no cenário nacional, o governo brasileiro assinou com a CPA em 2017 um acordo de sede que visa a regulamentar a sua atuação e o status jurídico de seus funcionários no país. O acordo permitirá também a instalação de um escritório no Brasil – provavelmente na cidade do Rio de Janeiro. Em 2023, a CPA foi credenciada pela Advocacia-Geral da União para administrar arbitragens envolvendo a Administração Púbica e, no dia 26 de junho deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou o acordo de sede, que segue agora para o Senado.
A Corte Permanente de Arbitragem chega aos 125 anos, enfim, ao mesmo tempo comprometida com os ideais que nortearam sua fundação e preparada para enfrentar os novos desafios com que o século 21 nos confronta.