Segurança jurídica e capacidade estatal para cidades mais verdes

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Parques urbanos fazem parte do dia a dia dos brasileiros. Dado que estão sujeitos ao tempo, ao homem e ao clima, governos devem se modernizar para garantir que a população consiga aproveitar adequadamente esses espaços. Uma solução voltada a esse propósito, e cada vez mais presente no debate contemporâneo, são as parcerias com o setor privado, modelo em que os equipamentos, após revitalização, são mantidos abertos aos frequentadores, enquanto o parceiro privado se financia por atividades como a venda de produtos e serviços, ou a organização de eventos esportivos ou culturais.[1]

Desde 2018, foram estabelecidas 18 concessões em parques urbanos no Brasil, e 22 novas iniciativas estão em gestação em cidades das várias regiões do país.[2]O sucesso desse tipo de política demanda ações de diferentes naturezas.

Sob o prisma do modelo de concessões, adiciona-se uma nova camada de complexidade à gestão de parques urbanos relacionada à confiança no fiel cumprimento das obrigações ao longo de todo o período contratual. É com base nela, por exemplo, que o privado assume compromissos junto a financiadores privados para a realização dos investimentos de revitalização dos espaços públicos. No entanto, essa confiança pode ser abalada por interpretações incorretas de normas legais e contratuais por agentes como o Poder Judiciário, controladores e a própria Administração Pública. Por esse motivo, deve fazer parte dos esforços de melhoria das políticas de gestão de parques urbanos buscar modernizar também o arcabouço jurídico que regula esses projetos.

Nesse contexto, a bola da vez é o Rio de Janeiro. As primeiras concessões do gênero da cidade – o Parque da Catacumba e o Jardim de Alah –, embora promissoras, estão envoltas em polêmicas que podem colocar em risco o modelo de colaboração com o setor privado. Segundo a redação atual da Lei Orgânica do Município, é proibida a concessão de parques e outras áreas verdes do Rio que “danifique ou altere suas características originais” (Art. 235).

As duas concessões foram embasadas, porém, no entendimento da Procuradoria Municipal de que a vedação não se aplica a esses casos, visto que a revitalização não modificará a configuração arquitetônica existente e trará outros benefícios à população.[3]Ainda assim, a legalidade desse tipo de contrato foi questionada pelo Ministério Público carioca e teve de ser reafirmada pelo Superior Tribunal de Justiça,[4] o que exemplifica como o regulamento atual sobre o tema é nebuloso e gera insegurança jurídica para gestores públicos e parceiros privados.

Tramita na Câmara Municipal do Rio um Projeto de Emenda à Lei Orgânica do Município, de autoria do vereador Pedro Duarte (Novo), que visa autorizar que parques municipais possam ser concedidos à iniciativa privada,[5] o que pode retirar o Rio de um anacronismo legislativo.

Afinal, não faz sentido que seja vedado aos administradores municipais considerar uma opção que já é utilizada em diversos outros locais do país e que pode aprimorar a administração dos parques cariocas, alavancar novos recursos para sua zeladoria e aproximar esses espaços da população. Da forma como se encontra hoje, a legislação municipal compromete não apenas os parques já concessionados, mas também um promissor programa de parcerias que vem sendo amadurecido há anos, por sujeitar gestores públicos e empresas privadas ao risco de questionamentos jurídicos e intempéries políticas.

É preciso lembrar que o Rio de Janeiro é particularmente um bom exemplo de como o histórico de controvérsias com parceiros privados pode prejudicar o ambiente de investimentos,[6] motivo pelo qual esforços para mitigar riscos de insegurança jurídica são sempre bem-vindos e podem servir de exemplo para outras municipalidades e estados do país.

Cabe destacar, no entanto, que simplesmente autorizar a concessão a parceiros privados está longe de representar uma bala de prata aos problemas da gestão de parques urbanos. É compreensível o receio de certos segmentos da sociedade de que a gestão pública ineficiente seja substituída por uma gestão privada desconectada do interesse público. Por esse motivo, alterações como as que se pretende no Rio de Janeiro devem ser vistas apenas como um primeiro esforço de modernização dos mecanismos de gestão dos parques nas cidades.

Outro passo importante para a adoção desse novo modelo é a construção de capacidade estatal aderente à lógica das parcerias público-privadas (PPPs). Dentre elas, a consolidação de normas legais e infralegais capazes de conferir liberdade gerencial ao parceiro privado enquanto asseguram que os parques serão geridos segundo diretrizes de políticas públicas, tais como a conservação da natureza, a manutenção da configuração arquitetônica ou a gratuidade na entrada. Como exemplo, pode-se mencionar os planos diretores de parques ou instrumentos normativos similares que cumpram com essa função.

Esses avanços envolvem também o fortalecimento da governança pública por meio da capacitação das instituições que possuem responsabilidade regulatória sobre a gestão dos contratos de concessão. Pelo lado governamental, gestores terão de compreender o funcionamento desses instrumentos de parceria, assim como a necessidade de fiscalização constante das atividades do seu parceiro privado. Já pelo lado de órgãos de controle, estes deverão se sensibilizar de que haverá uma curva de aprendizado pelos envolvidos na execução destes projetos. Quanto mais técnica e coerente for a atuação desses atores, maior a sustentabilidade das iniciativas.

A modernização da gestão de parques urbanos, através do modelo de parcerias, apresenta um caminho promissor para o Brasil. Contudo, seu sucesso depende de um ambiente jurídico capaz de inspirar confiança tanto nos gestores públicos quanto nos investidores privados, resguardando o meio ambiente e os interesses da sociedade.

O exemplo do Rio de Janeiro evidencia como a insegurança jurídica pode comprometer esses esforços e ressalta a necessidade de constante atualização normativa. Porém, é fundamental que essa mudança venha acompanhada de um fortalecimento institucional, capacitação técnica e um arcabouço normativo que equilibre a liberdade gerencial com o interesse público. Somente assim será possível garantir que os parques sejam revitalizados e mantidos de maneira sustentável, beneficiando toda a população.

[1] Importante ressaltar que os espaços físicos retornam à gestão pelo Poder Público após o término do contrato e em momento algum ocorre a transferência de sua propriedade ao privado.

[2] Para maiores informações, conferir https://mapadeparcerias.org.br/mapa.html.

[3] Conferir neste sentido o Despacho PGM-DES-2022/18408.

[4] Conferir neste sentido https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/12012024-Suspensa-decisao-que-havia-paralisado-o-processo-de-concessao-do-Jardim-de-Alah–no-Rio-de-Janeiro.aspx.

[5] Conferir o PELOM 22/2023.

[6] Vide, por exemplo, o episódio da depredação das cancelas de coleta de pedágio operadas pela concessionária da linha amarela. Conferir em https://oglobo.globo.com/rio/com-retroescavadeiras-prefeitura-retira-cancelas-da-linha-amarela-libera-pedagio-1-24045822.

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