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Na incessante busca pelo governo para equilibrar os gastos públicos versus o orçamento disponível, algumas medidas tomadas acaloram os debates em torno de suas higidezes jurídicas. Falaremos, nessa oportunidade, sobre as modificações trazidas na Medida Provisória 1.202/2023 – que limitou as compensações dos créditos tributários decorrentes de decisões judiciais que os reconheceram.
Em resumo, a sistemática das compensações administrativas especificamente para os créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado cujo valor seja igual ou superior a R$ 10 milhões podem ser alvos, por parte do Ministério da Fazenda, de fracionamento no tempo por meio da limitação mensal não inferior a 1/60 (um sessenta avos) do seu montante total, demonstrado e atualizado na data da entrega da primeira declaração de compensação.
A regulamentação, realizada por meio da Portaria MF 14/2024, veio a elencar prazos mínimos que variam entre 12 e 60 meses para que se proceda com seu uso, faseados de acordo com a volumetria do crédito apurado.
Tais alterações impactam, inclusive, os créditos previamente habilitados e cuja utilização já tenha sido iniciada pelo contribuinte antes de sua publicação, de modo a alertá-los, desde logo, acerca do risco da sua não adoção imediata, qual seja, a de que o fisco entenda a compensação como não declarada, cujos efeitos resultam na cobrança judicial instantânea do fisco quanto aos débitos alvos da liquidação, sem que seja permitido a discussão administrativa.
Isso representa, minimamente, duas coisas: i) impacto direto no caixa das empresas, ainda que em graus particularizados, por não haver, originalmente, desembolso de valores no processo compensatório; ii) ofensa ao direito já adquirido por tais, à segurança jurídica, à coisa julgada, não surpresa e tantos outros, diante dos casos em que não havia aludida limitação e que vieram a ser validados no seu resultado por Auditoria competente.
Enquanto resultam em uma: a busca pelos contribuintes no Judiciário com o intuito de afastar sua aplicação – vigente até a publicação desse artigo.
Os argumentos caminham não somente com relação às violações principiológicas, citadas acima, mas possuem uma abordagem de sensibilizar os Tribunais pelo impacto abrupto nos caixas das empresas face ao cenário econômico ainda instável no país.
Ainda na visão dos contribuintes, a limitação da compensação trazida se revela inconstitucional, visto que se trata de matéria reservada à lei complementar, nos termos do inciso III, alínea “b” do artigo 146 da CFRB, ao passo em que, ao se postergar a devolução dos valores indevidamente recolhidos, se caracterizaria como um empréstimo compulsório disfarçado, instituído sem cumprir os requisitos elencados no artigo 148 da Carta Magna.
Embora não deixemos de lado a longa e exaustiva batalha do contribuinte na ação judicial para reconhecimento do seu crédito e o seu aproveitamento sem limitação, percebemos que a jurisprudência do STJ há muito caminha para a possibilidade de o legislador estabelecer, nos procedimentos compensatórios, limites ao seu uso[1], como também reforça a obrigação dos contribuintes em observar as normas em vigor quando do seu encontro de contas[2].
Tem-se, ainda, uma discussão acerca do cabimento ou não do Mandado de Segurança por inexistir, em alguns casos, demonstração de ato coator, além do questionamento de “lei em tese”, de modo a encontrar óbice na Súmula nº 266 do STF[3], já que a pretensão supostamente teria apenas natureza normativa sem demonstrar o ato objeto de aplicação concreta pela Autoridade da Administração Pública.
E, na hipótese de as declarações já terem sido transmitidas, a depender de como o pedido venha a ser formulado ao Juízo, talvez a impetração encontre uma outra barreira, dessa vez, na Súmula nº 460 do STJ, ao definir que é incabível o mandado de segurança para convalidar a compensação tributária realizada pelo contribuinte.
Apesar desse cenário tanto quanto desfavorável, inclusive já mapeado em artigo do JOTA[4], não nos esqueçamo-nos da própria disposição da MP 1202 que, aparentemente, afastou a antiga obrigatoriedade de escoamento integral do crédito dentro dos cinco anos contados da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação (confirmação) da desistência da execução do título judicial – vide o art. 106 da IN RFB 2.055/21 ainda vigente e alvo de discussão judicial[5].
Tal interpretação é reforçada no “Perguntas e Respostas” da Receita Federal, recém-atualizado, em seu item 06 da Aba “Utilização de Créditos”[6] que, em razão da recente limitação, é possível que não seja alçando o consumo integral e, uma vez que o crédito total for demonstrado na primeira declaração de compensação, a ser entregue no prazo de 05 anos, as demais compensações poderão ser realizadas inclusive após esse prazo – grifos aditados.
Apenas para conhecimento, anteriormente, caso escoado esse prazo, o sistema da Receita Federal automaticamente bloqueava a transmissão das declarações quando se indicava o processo de habilitação outrora deferido, de modo que o contribuinte precisava recorrer ao Judiciário em busca da manutenção ao seu direito, acolhido, por diversas vezes, no próprio STJ[7].
Diante desse panorama, além de aguardarmos se a Medida Provisória será convertida em lei, nada mais prudente do que avaliar a melhor estratégia a ser adotada em eventual socorro ao Judiciário, enquanto os interesses arrecadatórios do governo caminham a todo vapor.
[1] Vide o recente AgInt no REsp nº 1.956.537/SP, Ministro Relator Paulo Sérgio Domingues da 1ª Turma do STJ, DJe 20/09/2023, especialmente em sua ementa, ao transcrever que é entendimento desta Corte Superior que “não existe óbice à regulamentação quanto à forma e procedimentos para a efetivação da compensação tributária, bem como à imposição de limites ao seu exercício, por parte do legislador ordinário, desde que obedecidos os parâmetros estabelecidos no Código Tributário Nacional”. Tal posição caminha desde idos de 2012, conforme o REsp nº 1.309.265/RS, dessa vez, pela Segunda Turma com relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 03/05/12.
[2] Vejamos a orientação já firmada pelo STJ no Tema Repetitivo 345, no REsp nº 1.164.452/MG em idos de 2010, de Relatoria do Ministro Teori Zavascki da Primeira Seção, segundo a qual “a lei que regula a compensação tributária é a vigente à data do encontro de contas entre os recíprocos débito e crédito da Fazenda e do contribuinte“, aplicada em diversos julgados, inclusive no recentíssimo REsp nº 2.121.264/RJ da Relatoria da Ministra Regina Helena Costa da Primeira Seção, DJe 16/02/24.
[3] Súmula 266 do STF: Não cabe mandado de segurança contra lei em tese.
[4] Vide íntegra: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/mp-1202-decisoes-mantem-limite-para-compensacao-de-creditos-tributarios-05022024
[5] Vide, como exemplo, o Mandado de Segurança nº 5001587-96.2023.4.03.6126 que tramita na Vara Federal de Santo André/SP.
[6] Acesso em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/perguntas-e-respostas/utilizacao-de-creditos/utilizacao-de-creditos-decorrentes-de-decisao-judicial.pdf
[7] Vide REsp 1.480.602/PR de Relatoria do Ministro Herman Benjamin da Segunda Turma, DJe 31/10/2014.